Duelo pela Velocidade – Parte 1

Com o país ao seu lado
06/09/2021
Onda laranja… papaia
13/09/2021

Duelo pela Velocidade – Parte 1

Em recente conversa com Márcio Madeira, recebemos a missão de pesquisar o resultado de algumas provas do final do século 19 e, ao mergulhar nesse período, fiquei fascinado pela forma como tudo começou.

Os primeiros carros foram construídos na década de 1880.  Em menos de dez anos, começaram as competições.

No início, eram rústicas, se corria uns contra os outros, em qualquer tipo de lugar, as pistas como conhecemos hoje estavam muito longe de serem usadas, na verdade sequer existiam, o importante era colocar carros e competidores nas ruas e sair ao máximo de velocidade.

Muitas provas eram disputadas entre cidades. Além da velocidade, os fabricantes queriam mostrar confiabilidade naquelas máquinas estranhas e ainda desconhecidas do público. Essas corridas eram ótimas oportunidades para demonstrar a praticidade do automóvel frente às carroças e cavalos.

Em 22 de julho de 1894, o jornal parisiense Le Petit Journal patrocinou uma prova de resistência para carruagens sem cavalos num percurso de 200 kms entre Paris e Rouen.

Dos 102 carros inscritos, apenas 26 foram aceitos a tempo para uma corrida, e sete destes não conseguiram passar nos testes eliminatórios – e pensar que hoje criticamos os 107% de performance do regulamento da Fórmula 1….

A prova, com primeiro prêmio de 5 mil francos, foi ganha em conjunto pelos pilotos construtores Panhard e Peugeot, vale a lembrança que muitos construtores também pilotavam e muitos viraram marcas famosas atualmente. A prova foi um grande sucesso e levou ao estabelecimento de uma comissão, precursora do Automóvel Club da França, para organizar uma corrida no percurso Paris-Bordéus-Paris, de 1920 kms, em junho de 1895.

O objetivo era mostrar que, além da velocidade, os carros também podiam conciliar segurança. Os acidentes começavam a mostrar que a velocidade era algo que machucava muito mais que a queda de um cavalo. Por isso, foi estipulado que o primeiro prêmio só seria concedido a veículos com mais de dois lugares. Isto causou certo embaraço, porque os dois primeiros carros que chegaram à meta eram ambos de dois lugares, o Panhard de Levassor e o Peugeot de Rigoulot. Assim, o primeiro lugar foi declarado ao Peugeot de Koechlin, o terceiro carro a chegar, onze horas depois de Levassor…

Levassor dirigira durante a totalidade do percurso sozinho, com apenas uma parada involuntária de 22 minutos, além das paradas programadas para gasolina e água. Dirigiu o carro durante cerca de 48 horas e 48 minutos, mesmo durante a noite, à luz de lanternas de vela e de querosene. Sua média durante a viagem foi de cerca de 24 km/h.

Esta prova confirmou a superioridade do carro a gasolina, especialmente em mãos menos especializados, pois, embora seis dos 22 veículos participantes fossem carros a vapor – e havia um carro elétrico – os primeiros oito carros a chegar à meta espalhados por um período de 34 horas eram movidos a gasolina, enquanto o nono (e último) era um carro a vapor Bollée de 1880 que, com certa dificuldade, só chegou dois dias depois dos outros.

A velocidade dos carros de corrida começou a aumentar e, como consequência disto, verificaram-se mais e mais acidentes. Correr era perigoso, tanto para os ocupantes dos carros como para o público.

Na corrida Paris-Marselha-Paris, um percurso de cerca de 2.880 quilômetros, realizada entre 29 de setembro e 4 de outubro de 1896, a lista de acidentes foi alarmante. O Bollée número 20 chocou-se contra uma árvore que caíra durante uma tempestade, enquanto o Bollée número 21 foi atacado por um touro; o Panhard número 7 tentou evitar uma carroça na estrada, quebrou uma roda e jogou seus passageiros para fora, ferindo gravemente um deles.

Avançando com a pesquisa, é possível verificar que essas provas em ruas abertas ofereciam perigo eminente aos participantes e espectadores. Além de limitar aos organizadores a cobrança de ingressos, isso levou a uma evolução dos regulamentos e a construção de locais apropriados para a competição.

Das pistas abertas em confrontos diretos houve a evolução para as competições contemporâneas, como Le Mans, Daytona, Indianápolis, provas de rally e a joia da coroa do automobilismo que é a Fórmula 1.

É dessa mesma época que existiu uma modalidade pouco lembrada pelos aficionados de automobilismo: as provas contra o relógio, onde a velocidade em linha reta era o objetivo máximo a ser alcançado e estabelecer o que viria a ser conhecido como o recorde mundial de velocidade terrestre.

A primeira marca oficial de velocidade terrestre foi estabelecida pelo francês Gaston de Chasseloup-Laubat em 1898, de pouco mais de 63 km/h, que equivalia na época mais ou menos a velocidade de um cavalo a galope.

Depois disso, o recorde aumentou rapidamente: primeiro a superar os 100 km/h com a marca de 104km/h foi Camille Jenatzy em 1899; Henry Ford (ele mesmo) em 1904 marcou 145,6 km/h; no mesmo ano Louis Rigolly marcou 164,8 km/h; em 1909 Victor Hémery marca 185,6 km/h; e em 1914 L. G. Hornstead marca 198,4 km/h.

Após a Primeira Guerra Mundial, como o recorde subiu além de 240 km/h, o local para esse tipo de disputa passou a ter um elemento como fator crítico: se era necessário espaço para acelerar até a velocidade máxima, passou a ser essencial espaço para desacelerar.

Por esta altura, os britânicos passaram a dominar o campo como uma questão de glória pessoal e orgulho nacional, além de uma facilidade adicional: após a guerra havia uma oferta de motores de avião disponíveis no mercado, não eram caros e podiam pelos engenhosos construtores serem adaptados nos chassis disponíveis.

Os franceses e italianos mostraram desinteresse por esse tipo de competição. Apesar de participações esporádicas, eles preferiram seguir o caminho das provas de resistência e dos Grand Prix, precursores da F1.

Dessa forma, na entrada da década de 1920, os gigantes da velocidade terrestre eram os ingleses, com máquinas com motores Sunbeam que alcançavam a marca de 350 HPs em seus V12 de 18,5 litros, também utilizados em aviões. Os pilotos Malcolm Campbell e Henry Segrave eram os mais referenciados pelo público.

E foram os britânicos que procuraram no exterior por uma pista de corrida ideal para testar sua coragem e suas máquinas cada vez mais velozes. Acabaram por encontrar e escolher um trecho de praia da Flórida conhecido como Daytona.  Lá, Campbell e Segrave ultrapassaram a marca de 320 km/h.

Então, quando a marca de 480 km/h foi alcançada, a pista de Daytona mostrou a mesma limitação de espaço que tornaram outros locais problemáticos.

Era necessário um local melhor, um que fosse enormemente largo, longo e plano. A escolha recaiu sobre o lago de sal de Bonneville, em Utah, plano e grande o suficiente para chegar à marca já objeto de desejo de alguns de 1.000 km/h.

Em 1935, em Bonneville, Malcolm Campbell quebrou a marca dos 480 km/h, após o que ele desistiu de novas tentativas.

Pouco depois, o colega inglês George Eyston levou o recorde para 560 km/h. Outro britânico, John Cobb, chegou a 590 km/h na véspera da Segunda Guerra Mundial, em 1939. Depois, voltou ao sal de Bonneville em 1947 para aumentá-lo novamente, para 630,4 km/h, que permaneceu por mais de uma década.

O recorde de John Cobb em 1947 marcou o fim da era de ouro das corridas de velocidade terrestre na Grã-Bretanha. Na década seguinte, a energia que impulsionaria o crescimento do recorde mudou para os Estados Unidos. Os americanos entraram com força nessa disputa e com vontade de desbancar os ingleses.

Vamos falar sobre esse duelo em nosso próximo encontro,

Até lá

Mário

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

1 Comment

  1. Fernando marques disse:

    Mário,

    Belo tema … História mais do que digna para ser contada … O automobilismo nos seus primordios dias … A velocidade pura e a sua verdadeira raiz … Grandes conquistas e recordes alcançados numa época onde muitos atualmente seriam capaz de imaginar que poderiam ser alcançados …

    Seja bem vindo “Duelo pela Velocidade”

    Fernando Marques
    Niterói RJ

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *