Edu,
O que dizer de um acontecimento tão constrangedor (para todos os envolvidos) quanto o de hoje no GP da Áustria?
Sendo o mais breve, frio e objetivo possível:
1) Quem fez o papel mais ridículo neste histórico (no mau sentido) GP da Áustria foi Rubens Barrichello. Não por ter dado a vitória a Michael Schumacher, mas por aceitar subir ao degrau mais alto do pódio, receber sorridente o troféu destinado ao vencedor, fazer aquela lamentável sambadinha. E, principalmente, por jogar champanhe sobre a própria cabeça, imitando (em uma hora totalmente imprópria) um gesto que Ayrton Senna fez nos momentos mais gloriosos de sua carreira.
Foi duro engolir aquela cena. Infelizmente, ela simboliza a índole da maioria dos brasileiros, que se orgulha de ser sofredor e ainda faz piada com suas próprias desgraças.
2) Crucificar Michael Schumacher por ter vencido é uma atitude equivocada. O alemão fez o trabalho dele – assim como Barrichello fez o seu. E o trabalho de Barrichello, segundo o contrato assinado entre ele e a Ferrari há poucos dias, inclui seguir as ordens da equipe, mesmo que isso signifique entregar uma vitória que ele fez por merecer durante todo o final de semana.
Barrichello é um profissional e concordou com os termos de seu contrato. Se ignorasse a ordem de dar a vitória a Schumacher, poderia até ser demitido por quebra de contrato e estaria liqüidado como piloto profissional. Sua obediência, bem como as declarações dadas depois da corrida, foram maduras e serenas. Por mais duro que seja, todo mundo – eu, você, nossos leitores – temos que “engolir sapos” em nossa vida profissional. Barrichello também.
3) Schumacher não se sentiu nem um pouco confortável por ter vencido da maneira como aconteceu. Ao contrário de nosso amigo Flávio Gomes, nosso parceiro do Grande Prêmio (www.grandepremio.com.br), não acho que as atitudes de Schumacher no pódio tenham sido demagógicas. Acho, sim, que foram uma maneira sincera de tornar público seu mal-estar com toda a situação. Mal-estar, por sinal, visível também nos rostos de Juan Pablo Montoya e de Ralf Schumacher.
4) Para muitos, Schumacher deveria simplesmente não ter ultrapassado Barrichello – essa, sim, seria a atitude mais autêntica de demonstrar seu desagrado com a situação. Não acho. Schumacher também é um profissional com objetivos a cumprir. O seu é vencer o título mundial. Ao receber a bandeirada em 1º lugar, marcou quatro pontos a mais, que podem fazer muita diferença no final da temporada. O campeonato está ainda em seu primeiro terço a vantagem sobre Montoya (agora 27 pontos) pode ser aniquilada em três corridas – basta que o alemão tenha muito azar e o colombiano, um pouco de sorte. Em 2000, Schumacher tinha a esta altura do campeonato uma vantagem parecida sobre Mika Hakkinen. O finlandês “virou” a disputa no meio do ano e Schumacher só confirmou o título na penúltima corrida.
5) Analisando friamente, a Ferrari não deixou de ter suas razões para preferir que Schumacher vencesse a corrida no lugar de Barrichello. O problema é a maneira como a coisa toda foi conduzida. O brasileiro foi mais rápido que o alemão em todos os treinos e liderou a corrida praticamente de ponta a ponta. A equipe não levou em conta que sua decisão poderia significar (e realmente significou) uma desmoralização ao esporte e a si mesma. As imagens do automobilismo (em especial da Fórmula 1) e da própria Ferrari foram jogadas no lixo neste GP da Áustria.
6) A atitude mais digna foi a do público presente ao autódromo: vaiando, apontando polegares para baixo, deixando claro seu descontentamento e a sensação de ter sido enganado. O significado dessas vaias é muito maior do que pode parecer à primeira vista: na F 1, ao contrário do que acontece no futebol, vaias são manifestações raríssimas entre o público. Só sei que não foi inédito por causa de um famoso escândalo ocorrido nos anos 30 no GP de Tripoli, na Líbia, com pilotos do quilate de Nuvolari e Varzi. Mas esta história fica para outra oportunidade.
7) Vem à minha cabeça uma declaração feita há quase vinte anos pelo jogador de futebol Roberto Dinamite: “Se o povo cobrasse do governo como a torcida cobra da seleção, o Brasil não estaria nessa pior”. É isso: uma vitória de Barrichello, de Guga, da Seleção Brasileira ou de qualquer outro esportista brasileiro é muito bacana, faz tremular a bandeira brasileira em solo estrangeiro, mas não contribui em nada para melhorar ou solucionar os vergonhosos problemas sociais deste país. Portanto, não vou chamar Barrichello de coitadinho nem Schumacher de FDP.
Desculpem o desabafo, mas fico realmente inconformado ao ver um técnico de seleção brasileira ser agredido por baderneiros por ter perdido um jogo ou por não ter escalado determinado jogador. Enquanto isso, esse mesmo povo trata como pessoas respeitáveis centenas, milhares de facínoras travestidos de políticos e “otoridades” em geral.
8) Aos amigos que volta e meia me perguntam: “Mas depois de tudo isso você continua gostando desse esporte?”. Sim, continuo, assim como continuei gostando quando Gilles Villeneuve morreu, quando Nelson Piquet se acidentou, quando Ayrton Senna morreu. Momentos polêmicos e/ou tristes também servem para alimentar a paixão que o automobilismo ou qualquer esporte é capaz de despertar. Se não fosse assim, o futebol estaria aniquilado desde a primeira vez em que um juiz qualquer deixou de marcar uma falta ou criou um pênalti inexistente.
Abraços e bom domingo a todos,
Panda
BARRICHELLO E VILLENEUVE Acho uma sacanagem o que fazem com o Rubinho. O problema dele, e dos outros, é que existe um cara chamado Michael Schumacher que é fora de série. Imagine se não existisse o alemão? Seria uma grande alternância de vencedores. Exatamente como no tempo do Emerson, Stewart, etc. É bom lembrar também para esses brazuquinhas que sentem-se felizes com a baixa-estima que o Rubinho foi para a F-1 sem a “grana” de patrocinadores e não tem pai rico ou influente como o Diniz, os japoneses da vida, Elio de Angelis, Peter Revson (Revlon), etc. Nunca pagou para correr, é bom que se diga. Se tivesse nascido em outro país, seria respeitado. Mas aqui no Brasil…adoramos a infelicidade. Olá, Mário. Concordo plenamente com você: os brasileiros dão a Barrichello muito menos valor do que ele possui (e ele, até bem pouco tempo atrás, se valorizava muito mais do que deveria fazer). Ele tanto tem seu valor e é prestigiado pela Ferrari que a equipe italiana anunciou hoje (9 de maio) a renovação de seu contrato até o final da temporada de 2004. E pode ter certeza de que ele vai fazer bom uso desses dois anos a mais – não necessariamente sendo campeão do mundo, mas fazendo o que ele aprendeu que deve ser feito (depois de tomar algumas pancadas na cabeça): trabalhar com a equipe, ser parte dela, agir como cúmplice e não como um fator de desestabilização. Abraços. (LAP) Caro Panda, Bem, meu caro, o que eu posso dizer de um material tão completo quanto este? Só uma coisa: pelo jeito, acabei passando a impressão de que Pironi foi o maior culpado pelo acidente que matou Gilles, e isso – faço questão de deixar claro – nem passou pela minha cabeça. Concordo exatamente com o que você falou: fatalidade. Ou, mais do que isso, um risco calculado. Quem não quiser correr riscos que fique em casa ou procure outro esporte. |