Condensando 2023

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Se pudéssemos condensar o que foi a temporada 2023 da F1 numa única corrida, bastava ver o Grande Prêmio de Abu Dhabi, que encerrou o calendário da F1. O que Max Verstappen fez nesse ano foi histórico e dependendo do ponto de vista, foi algo a ser apreciado.

Max foi magnânimo mais uma vez em Abu Dhabi e com mais um desfile no chatíssimo circuito de Yas Marina, venceu pela décima nona vez nesse ano. Dezenove corridas consistiam no calendário de muitas temporadas da primeira década desse século, quando a F1 começou sua expansão desenfreada. Numa conta simplista, Verstappen poderia ter sido campeão invicto, por exemplo, em 2005. Assim como em 1988 com a McLaren, a Red Bull só perdeu uma corrida em 2023, mas com uma diferença essencial. Trinta e cinco anos atrás eram dezesseis provas, enquanto nesse ano vimos vinte e duas corridas.

Para quem torce para a Red Bull e Max Verstappen, 2023 foi um ano para ficar guardado na memória. Já para quem não torce por eles…

A expectativa de uma corrida em Abu Dhabi sempre é baixa, mesmo com as reformas recentes terem deixado a pista no Emirado menos horrorosa. Apesar de todos os efeitos fora das pistas, iates bonitos e a hospitalidade que há em Abu Dhabi, a sensação que se passa é de artificialismo no circuito que recebe sempre a última etapa do campeonato pagando uma grana altíssima para a F1. Com praticamente tudo definido com relação ao campeonato, a edição de 2023, a décima quinta em Abu Dhabi, foi um porre de dar sono. Max Verstappen pode não ter se sentido confortável com seu Red Bull nos treinos livres, mas ficou com a pole e dominou a corrida de uma forma atordoante. A única leve ameaça que Max teve na corrida foi exatamente na primeira volta. Seu antigo rival do kart Charles Leclerc largou claramente melhor e chegou a emparelhar na primeira curva, mas Verstappen contornou por fora muito bem, mas não demorou muito para Leclerc colocar por dentro outras duas vezes, mas em ambas, Max se sobressaiu. Depois da corrida Leclerc confessou que não teria como se sustentar na frente de Verstappen se executasse a ultrapassagem e muito provavelmente Charles pensou mais no Mundial de Construtores do que no ganho pessoal.

A partir de então, Verstappen administrou a corrida a seu bel-prazer, controlando no primeiro stint com pneus médios para depois aumentar o ritmo com os pneus duros, chegando praticamente 18s na frente de Leclerc. Saindo de nono, Pérez fez mais uma corrida de recuperação no ano, recebendo a bandeirada em segundo, mas por ter alargado demais a trajetória na ultrapassagem sobre Norris, Checo foi punido e teve que se conformar com a quarta posição. Mesmo tendo em mãos o já lendário Red Bull RB19, Pérez sempre passa a sensação que ficou devendo alguma coisa e mesmo completando a dobradinha para a Red Bull no campeonato, algo inédito para a equipe, o mexicano deixou a desejar.

O principal ponto de interesse na prova desse domingo foi a luta pelo segundo lugar no Mundial de Construtores, com a Mercedes apenas quatro pontos na frente da Ferrari quando ambas aportaram em Abu Dhabi. Leclerc fez a sua parte no que lhe era possível: terminar em segundo, atrás do dominante Verstappen. No entanto o monegasco passou a prova perguntando o que poderia fazer e até mesmo abriu caminho para o punido Pérez para que ele abrisse os suficientes 5s de frente para Russell, mas faltaram apenas 1,1s para que Leclerc conseguisse esse objetivo. Porém, não se pode negar a corrida horrorosa de Carlos Sainz, que mal apareceu e ainda foi atrapalhado por uma estratégia bizarra da Ferrari, que sonhou por um Safety-Car que estava na cara que não iria aparecer, vide a forma conservadora de que a maioria do grid se comportou nessa corrida final. Com Sainz zerado, a Ferrari perdeu a segunda posição para a Mercedes por apenas três pontos. Russell superou a dupla da McLaren ao final do primeiro stint, ultrapassando Piastri e se valendo de um erro no pit-stop de Norris para ser terceiro. Leclerc ficou ao alcance de George no retorno do ferrarista dos dois pit-stops, mas Leclerc teve um grande final de semana e Russell, adoentado e tudo, conseguiu mais um pódio. Hamilton teve uma corrida errática num final de semana medíocre e após um toque com Gasly, teve que se conformar com uma opaca nona posição. Mesmo completando dois anos sem vitórias, Hamilton ainda garantiu um ótimo terceiro lugar no Mundial de Pilotos, mas as últimas corridas do heptacampeão deixaram bem a desejar.

Outra briga interessante foi pelo quarto lugar no Mundial de Pilotos. Após um início de ano promissor, Fernando Alonso caiu junto com a Aston Martin, mas nem por isso o espanhol deixou de mostrar sua magia em alguns momentos e com um sétimo lugar em Yas Marina, garantiu a quarta posição, empatado com Leclerc, mas com a vantagem de ter tido mais pódios, particularmente na primeira metade do ano. Lando Norris fez uma segunda metade de temporada muito forte, colecionou pódios e foi sexto colocado no campeonato, apenas um ponto atrás de Alonso e Leclerc. A McLaren obteve uma das maiores evoluções dentro de uma temporada, saindo das profundezas do pelotão para ser a segunda força em muitas corridas, mas que não foi o caso em Abu Dhabi, com Norris não tendo ritmo para chegar em Leclerc e Russell. Piastri conseguiu um ótimo ano de estreia, superou Norris na classificação, mas em ritmo de corrida o australiano ainda deve um pouco, mas sua curva de aprendizagem ainda é íngreme a ponto de vermos em Oscar Piastri num piloto de ponta em potencial. Nem que isso bagunce um pouco o coreto dentro da McLaren, gerando ciúmes em Lando.

Após conseguir sua melhor posição de grid na F1, Yuki Tsunoda fez uma bela corrida, liderou uma prova pela primeira vez na carreira e a primeira de um nipônico desde Takuma Sato, e com um oitavo lugar garantiu bons pontos para a Alpha Tauri, que deverá mudar de nome no final desse ano. A equipe filial da Red Bull conseguiu uma bela evolução durante o ano e a chegada de Daniel Ricciardo no lugar do decepcionante Nyck de Vries ajudou bastante. No fim, a Alpha Tauri ficou apenas um ponto atrás da Williams, que terminou em sétimo lugar no Mundial de Construtores e não brilhou em Abu Dhabi. Gasly passou o primeiro stint na zona de pontuação, mas o toque levado na traseira por Hamilton estragou o difusor do carro de Pierre e a corrida do gaulês foi por água abaixo. Com Ocon também de fora dos pontos, a Alpine se despede da F1 em 2023 com muita gente esperando bem mais de uma equipe de fábrica tradicional. A Alfa Romeo se despede mais uma vez da F1 com outra corrida medíocre, o mesmo acontecendo com a Haas, que tem uma diferença entre ritmo de classificação e de corrida assustadora.

Praticamente no mesmo horário do morno encerramento da temporada de F1, a MotoGP decidia o seu campeonato numa tensa disputa entre Pecco Bagnaia e Jorge Martin. O espanhol chegou em Valencia cuspindo maribondo em cima da Michelin, acusando a marca francesa de ter fornecido um material ruim para o espanhol na etapa anterior no Catar. Na corrida Sprint no sábado, Martin venceu e diminuiu a diferença de 21 para 14 pontos. Uma vantagem ainda confortável a favor de Bagnaia, mas perigosa. Logo no domingo de manhã, a situação de Bagnaia melhorou com Maverick Viñales sendo punido por desobediência aos comissários de pista e perdendo a pole, elevando Pecco ao primeiro posto no grid. Martin era apenas sexto, mas numa largada relâmpago, subiu para segundo. O espanhol da Pramac estava numa situação clara de ‘all in’ e tentou uma manobra audaciosa em cima de Pecco, mas Martin saiu da pista e acabou caindo para oitavo. Desesperado, Martin partiu para uma corrida de recuperação agressiva, mas que se mostraria curta. Numa corrida emocional, Marc Márquez se despedia da Honda, mas o que Márquez não contava era com um Martin afoito em escalar o pelotão rapidamente e o choque entre os dois acabou com o campeonato. Com Martin zerado, Pecco Bagnaia era o campeão da temporada 2023 da MotoGP!

Não foi uma temporada linear de Pecco. No início do ano, não faltaram comparações com o domínio que Verstappen exercia na F1, pois Bagnaia vencia com facilidade as provas, não raro obtendo 100% dos pontos, vencendo também a Sprint. Porém, uma queda em Barcelona quase pôs tudo a perder. Bagnaia caiu na primeira volta e foi atingido nas pernas por Brad Binder. Milagrosamente Pecco não sofreu fraturas, mas ainda com dores, Bagnaia viu sua vantagem no campeonato derreter. Quem se aproveitou disso foi Jorge Martin. Campeão da Moto3 em 2018 e mais um espanhol talentoso que surgiu nos últimos dez anos, Martin já tinha feito um bom ano em 2022 e perdera o lugar que ele achava que era seu na equipe de fábrica da Ducati para Bastianini. Martin não escondeu seu descontentamento e com o infortúnio de Bagnaia, foi para uma tática de mostrar à Ducati que ele merecia o lugar que lhe foi negado e mesmo correndo com uma moto satélite, ele poderia vencer o campeonato, derrotando o principal piloto da fábrica.

Martin começou uma sequência incrível de vitórias, principalmente nas corridas Sprint, quando os pneus não fazem tanta diferença, no entanto, Jorge sofria nas corridas longas e deixou algumas vitórias certas pelo caminho, muito por causa dos pneus, como na Tailândia e principalmente na Austrália. Pecco soube dosar suas energias quando mais importava, acertando sua moto para as corridas do domingo, além de mostrar mais serenidade, garantindo o título com uma vitória na etapa derradeira em Valencia, a sétima em 2023. Martin tem uma pilotagem mais agressiva e não se pode negar que ele é mais rápido do que Bagnaia, mas como foi provado em outras situações, não é apenas de velocidade que se precisa para ser campeão.

A Ducati de Gigi Dall’Igna se mostrou uma moto dominadora, mas ao contrário da F1, onde Verstappen reinou sozinho, praticamente todos os pilotos da Ducati venceram pelo menos uma corrida em 2023, seja no domingo ou Sprint. Bagnaia liderou o desenvolvimento da moto e também boa parte do campeonato, enquanto Martin usou muito bem do trabalho de Pecco e com sua velocidade, quase obteve o feito de ser campeão com uma equipe satélite, mas isso acabou não acontecendo muito pelo açodamento de Martin e por o espanhol enfrentar um piloto mais completo. E Bagnaia, mesmo não sendo um personagem vistoso, é merecedor do seu bicampeonato.

A corrida em Abu Dhabi foi um belo resumo do que foi a temporada 2023 da F1. Max Verstappen dominou a corrida e a temporada de uma forma nunca antes vista e com o triunfo desse domingo, o neerlandês se isolou como o terceiro maior vencedor da história da F1. Max se tornou inevitável e o que ele fez em 2023 entrou para a história da F1, mesmo que a categoria não lembrará com muita saudade dessa temporada, que em boa parte foi modorrenta, como a corrida de hoje.

E encerro aqui minha participação em 2023. Escrever nesse espaço num ano com dezenove vitórias de um mesmo piloto foi um desafio, mas foi uma peleja gostosa e sempre prazerosa, principalmente por estar ao lado de leitores fieis e dos amigos/irmãos colunistas do GPTotal.

Que 2024 seja um ano próspero de bons projetos para todos que nos acompanham, inclusive para o GPTotal, que em breve terá boas novidades.

Um terno abraço e que venha 2024!

João Carlos Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    J.C. Viana,

    você condensou muito bem o que foi a temporada da Formula 1 em 2023 … foi uma temporada histórica pelos resultados alcançados pela RBR (21 vitorias em 22 disputadas) e pelo que fez Verstappen fez em termos de pilotagem vencendo nada mais nada menos que 19 vezes (recorde que nem mesmo o Holandes garante que consegue quebrar). Resumindo ele soube tirar proveito da excelente situação que tinha em mãos. Pena que o Peres, mesmo vencendo duas corridas, não soube tirar proveito do vcarro que tinha ao menos para chegar em segundo lugar nas corridas em que Verstappen venceu. Se assim fosse o vice campeonato estava mais que assegurado há muito tempo.
    Ao mesmo tempo a temporada de 2023 foi chata … pelo menos quem assistiu pela TV … a maioria das corridas foi realmente de dar sono … eu como amante da Formula 1 me senti mais desmotivado para ver as corridas que o Checo na RBR … hehehehe
    Na categoria B da Formula 1 a briga foi intensa, mas com tanta estratégias que parecia até corrida das 500 Milhas de tanto pits stops. Tivemos bons pegas mas uma Mercedes morna , uma Autin Martin meio tipo cavalo paraguaio (sem folego do meio pro fim),uma Ferrari mais irregular e a Mclaren que reagiu e salvou um pouco da chatice do campeonato. O resto, meros figurantes.

    Na Moto GP, um dominio massacrante da Ducati mas divididos entre seus pilotos (seja da equipe oficia, seja nas equipes satelites). Bagnaia no inicio dava a entender que ia levantar muita poeira no campeonato, em algo semelhante ao que Verstappen na F1) mas ainda bem que na Moto GP é diferente e tivemos uma briga pelo campeonato até a ultima etapa. E melhor só corrida boa de se ver. A única coisa que discordo da sua coluna foi quando vc cita o J. Martin mais rápido que o Bagnaia. Eu acho o italiano hoje em dia o melhor piloto da Moto GP. Quem sabe ano que vem Marc Marquez de Ducatti volte aos seus bons tempos. Se isso acontecer teremos um 2024 historico na Moto GP.

    Um feliz natal
    Boas festas de fim de ano!!!
    E que em 2024 vc continue brilhando como foi este ano

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Obrigado Fernando, seus comentários são um grande estímulo!

      Sobre a MotoGP, também acho Bagnaia mais completo, mas em termos de velocidade pura, acredito que Martin seja superior.
      Como torcedor de Nelson Piquet, você deve se lembrar de 1987. Mansell estava mais rápido, mas Piquet era mais completo e foi campeão. Algo parecido com a batalha da MotoGP.

      Grande abraço e nos vemos em 2024!

  2. Rafael Friedrich Rudolf Brandão Manz disse:

    Vida longa e próspera, até para o ano.

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