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Que tal imaginar um bate-papo entre Ayrton Senna e Graham Hill? E Enzo Ferrari conversando com Lorenzo Bandini?

Ayrton foi o primeiro a falar: o Michael foi punido, mas acho que o Fernando estava pensando em fazer a mesma coisa.

Graham respondeu: ultrapassar com bandeira amarela?

Ayrton: isso mesmo, acho que ele estava armando o bote e o Michael deu o pulo antes.

Graham: Faz sentido. Faz todo o sentido. Duas raposas no mesmo galinheiro, hein?

Isso provoca risos em Ayrton e Graham o acompanha. Riem como velhos camaradas, com muita coisa em comum. Colin estava pensativo, mas não deixa escapar o comentário: raposa? E o que vocês me dizem desse Adrian Newey? O cara que melhor soube interpretar o regulamento. E olhe que também foi muito bem no ano passado.

Graham: como você fazia, hein Colin?

Ayrton: é, mas na sua época não havia computador, demorava uma eternidade para fazer cálculos, testar teorias e mesmo assim sua compreensão da aerodinâmica continua influenciando todo mundo.

Colin: obrigado, Ayrton. É, talvez hoje o efeito solo possa ser melhor aplicado, evitando acidentes.

Graham: oh, my dear Colin, curioso ouvir você falar sobre “evitar acidentes.” O cara que falava que se a peça ainda não quebrou era porque ainda estava pesada demais.

Colin: bem, eu não tinha computador para fazer simulações, então tinha que correr riscos mesmo.

Graham: oh, sim, Jochen é quem poderia falar mais sobre correr riscos. Quem corria os riscos eram…

A conversa ia tomar um rumo mais acalorado então Ayrton resolveu intervir: por falar em simuladores, é uma pena que hoje os pilotos tenham mais horas neles do que no carro. Parece uma coisa assim como… como… sexo virtual!

Graham: disgusting. Absolutamente sem graça, para quem gosta do cheiro de gasolina e borracha.

Perto dali, em outra nuvem, a conversa se dá em italiano.

Comendatore: o que você achou de Montecarlo este ano, Lorenzo?

Lorenzo: ah, Comendatore. Sentiria um frio na espinha, se tivesse espinha ainda, com o acidente do Rubens. Madonna… uma tampa de bueiro deslocada! Impensabile!

Comendatore: felizmente não foi com uma das nossas máquinas.

Lorenzo: é, o senhor sempre pensa nas máquinas primeiro, hein?

Comendatore: é verdade, Lorenzo, me desculpe. Mas, quando um homem deixa tudo de lado para se dedicar à sua paixão, uma paixão de uma vida, e vê que ela não está cuidada como ele acha que deve… tudo o mais fica em segundo plano.

Lorenzo: capisco. Realmente é um tanto estranho o que vem ocorrendo. A Ferrari, que sempre teve o motor mais potente, agora parece estar em segundo lugar nesse quesito.

Comendatore: ah, que saudade do ronco dos meus doze cilindros.

Alberto: nem me diga, Comendatore. E esse conforto que os pilotos têm hoje em dia? Que coisa mais antinatural, tudo hidráulico, elétrico, só falta um massageador no banco para “evitar o cansaço…”

Lorenzo percebe o olhar de Alberto e pega a deixa: imagina, se eu tivesse tido isso em 67 provavelmente teria sido o próximo piloto italiano campeão depois de você, Alberto. O cansaço foi realmente de matar.

Os dois dão risada. Depois de tanto tempo, humor é humor, ainda que negro, mas o Comendatore continua bravo: e essa história de chassis com defeito? Como pode isso? Eu que sempre fiz tudo com o maior capricho, como vão me aparecer com um chassi com defeito? E questa equipe austríaca, também encontraram defeito em um dos chassis!

Assistindo à conversa estava um senhor gordo, de terno estilo anos 50. Nesse momento ele não resistiu e resolveu participar. Falava em alemão, mas nesse lugar você pode falar qualquer língua que todo mundo entende.

Neubauer: ora, Enzo, o que me espanta neles é que, com um equipamento claramente muito superior, mesmo com aquele motorzinho francês, não conseguiram abrir muita distancia da tua equipe e daquela inglesa fundada por aquele rapaz neozelandês.

Comendatore: é verdade, Neubauer. Você jamais deixaria escapar essa oportunidade. Lembro ainda daquela vez que vocês alinharam os Mercedes 1,5 na África tendo feito um único teste e ganharam!

Neubauer: nós mesmos ficamos espantados! Imagina se eu tivesse computadores e simuladores na época!

Comendatore: iria ser uma boa disputa comigo. Foi uma pena vocês terem abandonado o esporte.

Neubauer: disse bem, Enzo, esporte. O esporte é que abandonou a categoria. Hoje ela mais parece um videogame riquíssimo, a paixão foi embora. Pistas assépticas, pilotagens apenas corretas na maioria das vezes, regulamentos muito pouco inteligentes, politicagem da pior espécie… Chamam de esporte só pela tradição.

Comendatore: até os pilotos deixaram de ser esportistas. O teu multicampeão não tem nada a ver com um Caracciola ou um Rosemeyer, exceto o talento. Imagina, parar o carro no meio da curva para impedir o concorrente de fazer a pole… Isso é lá atitude de esportista? E agora ainda diz que a culpa é da mídia! Como se a imprensa tivesse inventado o que todo mundo viu! Parece coisa de político de baixo nível mesmo…

Neubauer afastou uma pequena nuvem que estava passando, talvez para ganhar tempo. Mas sua cara não deixava dúvida sobre qual seria a resposta.

Nelson Rodrigues acreditava em deuses dos estádios, referindo-se ao futebol. Já eu penso, muito modestamente, que a energia dos pilotos e chefes de equipes que se foram deste mundo talvez esteja presente nos lugares que foram importantes para eles.

Boa semana a todos.
Publicado originalmente em 27/05/2010

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

1 Comments

  1. MARIO LUIZ MATIAS DE OLIVEIRA disse:

    FANTASTICO TEXTO QUE RETRATA A MAIS PURA REALIDADE VIVIDA HOJE NA VERGONHA QUE CHAMAM DE FORMULA 1 .

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