Dilema

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É possível ser brilhante e ainda assim perder, como Prost em 1988, ou dominar sendo medíocre, como o mesmo Prost em 1993.

 

Um dos maiores dilemas da análise esportiva – e não falo aqui apenas do esporte a motor, mas das atividades competitivas em geral – gira em torno da correta interpretação disto que entendemos por competitividade. Afinal, uma vitória conquistada por margem mínima e a custa de muita dificuldade tem valor maior ou menor do que outra decorrente de um domínio acachapante?

O problema, neste caso, é que existe lógica nas duas interpretações. De um lado, por exemplo, seria possível defender Nelson Piquet, afirmando que seus dois primeiros títulos foram conquistados em anos de enorme concorrência, com diversos conjuntos fortes o bastante para lutar por vitórias. Por outro, os defensores de Schumacher poderiam dizer que a falta de concorrência em seus anos mais dominadores foi decorrente da própria superioridade do piloto. No fim, as duas correntes fazem sentido.

Mas então, como resolver a questão?

A resposta mais honesta certamente será frustrante para a maior parte dos torcedores. Simplesmente não existe uma regra; cada caso precisa ser analisado de maneira isolada, mantendo o foco nos desempenhos individuais. No fim, é possível ser brilhante e ainda assim perder, como Prost em 1988, ou dominar sendo medíocre, como o mesmo Prost em 1993.

Essa situação se torna certamente mais simples em esportes que admitem a possibilidade do empate. Outra solução criativa surgiu recentemente no vôlei, quando passou a existir uma distribuição diferente de pontos conforme os placares finais. Atualmente, se um time vence por3 a 0 ou 3 a 1, este recebe três pontos, contra nenhum do derrotado. Por outro lado, se o jogo vai para o quinto set, o vencedor passa a somar 2 pontos, contra 1 de quem perdeu. Algo bastante interessante, quando pensamos naquele tipo de jogo que, de tão disputado, deveria coroar dois vencedores. No entanto, alguém poderia argumentar que uma vitória em 5 sets envolve mais superação e esforço do que uma em apenas 3, e por isso mesmo talvez merecesse ser até mais valorizada. Não é isso, piquetistas?

Em relação a campeonatos, entretanto, este tipo de recurso continua representando uma impossibilidade óbvia, e um bom exemplo disso foi visto no princípio deste ano, na final masculina do Australian Open. No fim, após muitas horas de uma batalha titânica, Novak Djokovic bateu Rafael Nadal nos detalhes dos detalhes. Mas, para os registros oficiais, isso não fará a menor diferença. Nadal foi tão vice-campeão quanto se não tivesse marcado um único ponto sequer em toda a partida.

E, ao que parece, algo parecido pode vir a acontecer na F1 ao fim desta temporada.

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Com cinco vencedores diferentes, de cinco equipes diferentes, em cinco provas disputadas, 2012 pode muito bem entrar para os arquivos do campeonato mundial como o ano mais disputado de sua história. E então fica a questão: o campeão, provavelmente coroado com alguma dose de sorte ou acaso, poderá ser tão festejado quanto em anos de domínio absoluto, como fez Vettel ano passado?

Claro que quero ouvir os leitores a respeito, mas antes de passar a bola não posso deixar de jogar mais lenha nessa fogueira. Afinal, não podemos ignorar os indícios de que existe algo de podre por trás da atual competitividade da Fórmula 1, notadamente em relação aos pneus e ao regulamento atual.

Colocando de forma simples, os pneus Pirelli versão 2012 não apenas se consomem ainda mais rapidamente que os do ano anterior, como também se mostram muito mais sensíveis em relação a fatores externos, trabalhando com uma janela funcional muito mais estreita. Temperatura da pista, acerto fino do carro, rugosidade do asfalto e – ufa! – o estilo de pilotagem formam uma equação com variáveis demais para que, até o presente momento, engenheiros consigam tirar conclusões definitivas.

Se pensarmos então no regime de parque fechado, e na forma como os times precisam administrar acerto e estratégia desde o sábado, sem nem ao menos saber como estará a pista no dia da corrida, então a coisa vira um mero exercício de magia negra, como diria nosso amigo Ricardo Divila.

E aí chegamos a um ponto crucial: até que ponto esta variedade de vencedores e hierarquias competitivas se deve a um verdadeiro equilíbrio entre equipes e pilotos, e em que medida ele reflete um cenário de caos introduzido artificialmente, reduzindo o profissionalismo da categoria em nome da busca por emoções?

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Pessoalmente, acredito que a ausência de um conjunto dominante seja muito mais tributária deste caos artificial do que de um nivelamento concreto por parte dos construtores. Ainda assim, a vitória de Pastor Maldonado não deixa de confirmar o valor desta atual geração de pilotos, na qual mesmo os maiores paga-para-correr são capazes de desempenhos de gala.

E este, talvez, seja mais um fator a roubar valor do título mundial, considerando que vários pilotos estão fazendo por merecê-lo. Ou será justamente o contrário?

Opiniões, por favor.

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Com este texto praticamente fechado, me deparo com a bombástica declaração feita por Casey Stoner, anunciando sua aposentadoria prematura ao fim da atual temporada da MotoGP.

Como justificativa, Casey afirmou que o esporte mudou ao ponto de já não mais lhe dar prazer. Pode ser. Entre as inevitáveis especulações, há quem veja relação entre a aposentadoria e os problemas com dormência nos braços ao fim de várias corridas, além daquela doença misteriosa que o afastou das pistas durante parte da temporada 2010. Outros questionam o impacto de acidentes sérios, como o que vitimou Marco Simoncelli, sobre a psique do australiano.

De minha parte espero que não haja nenhum problema mais sério com sua saúde, ao mesmo tempo em que lamento profundamente o fim antecipado de sua brilhante carreira, desde já destinada ao convívio de nomes como Marco Van Basten e Bjorn Borg.

Casey Stoner é um dos pilotos mais talentosos, corajosos e exuberantes que vi em toda a minha vida, incluindo nesta afirmativa todas as categorias do esporte a motor. Sua tocada, especialmente nos tempos em que domava a selvagem Ducati pelos chifres, abusando de derrapagens nada convencionais cada vez que dava motor muito antes do que parecia ser possível, jamais será esquecida entre aqueles que se arrepiam ao ver uma máquina de corrida sendo levada ao limite e além.

Imperdíveis as próximas corridas da categoria.

Forte abraço a todos,

Márcio Madeira

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

8 Comments

  1. Edu disse:

    O Prost foi o maior piloto de todos os tempos, ganha do Schumacher que nunca teve um grande companheiro de equipe. Além disso, o alemão tinha o Rory Byrne como projetista. Ele é junto como o Adrian Newey o melhor da F1. O contrato obrigava ao número 2 deixar o Alemão na frente.
    Olha como o Prost era afoito até 1984 (como o Senna era afoito até 1990) mas depois que correu com o Lauda em 1984 amadureceu muito em 1985 massacrou o Lauda, massacrou o Rosberg na McLaren em 86, massacrou o Mansell, na Ferrari em 1990 – ele levava 1 segundo por volta do Prost.
    O mérito do Senna é ser mais rápido que todos os pilotos, Berger – De Angelis, Prost e Mika todos muito fortes. Senna também era muito bom na chuva, mesmo na Toleman e Lotus. Infelizmente morreu cedo, com 162 Gps.
    Ele, pra mim, é segundo melhor piloto junto com Schumacher. Primeiro Prost, depois o resto.

    Paulo, Porto Alegre

  2. Allan disse:

    Boa coluna, Marcio. Mas desta feita ouso discordar quanto ao que se entende como algo de podre, especialmente quanto aos pneus. Estou sendo obrigado a ver um piloto da qual sou declarado torcedor, Lewis Hamilton (piloto, não pessoa), ficar economizando pneus sem poder acelerar o que sabe e o que pode, tal qual ocorria até 2010. Que ninguém se deixe enganar sobre a míngua de suas vitórias ser oriunda de problemas pessoais: quantas vezes seus pneus iam rapidamente acabando no ano passado, enquanto Button ia galgando posições durante a prova, tal qual sua pilotagem ascendente lhe permitia usufruir da economia proporcionada pelo estilo clean? E, neste ano, tem-se que o arrojado Hamilton, sem vencer, chegou a liderar o campeonato e só não está mais a frente por bobagens da própria McLaren em 3 provas consecutivas (as duas últimas, então…). Daí extrai-se o quão bom o ainda moleque é: em Barcelona, pista deveras abrasiva, ele parou uma vez a menos que todos e ainda assim conseguiu pontuar, e a frente de seu clean companheiro de equipe, notadamente mais econômico nos pneus…
    Sendo assim, não há como não agradecer à F1 atual por revelar que pilotos arrojados como Hamilton, dentre outros botas, também podem ser inteligentes o suficiente para, quando a vitória não lhes sorrir, ou mesmo os pneus, alcançar pontos importantes ao final da temporada. Alonso quem o diga…
    E aqui vem outro ponto a se acrescentar: vices e outras posições são, sim, lembradas, mas pelos fãs. Toda vez que vejo o resultado de Monaco em 82, é impossível não lembrar que Prost liderava facilmente quando, faltando umas 3 voltas, rodou e bateu. Patrese iria ganhar, mas rodou também. O câmera procorou Pironi, mas este estava parado no túnel, bico quebrado e sem combustível. De Cesaris, então? Estava abandonando também… Derek Daily! Também estava parando… E surge Patrese lentamente para vencer. Tivessem as Lotus abandonado, e talvez só Patrese teria recebido a bandeirada. Isso tudo eu lembrei AGORA, sem consulta (poderia melhorar, mas de propósito não o fiz). Que tal o GP Brasil de 99? Rubens quebrou, não consta a grande prova que vinha fazendo, suficiente para um pódio em casa… Poderia declinar mais umas 20 corridas em que a vitória importou menos que o contexto. Que tal Hill na Hungria 97, quando HUMILHOU todos no grid? Sim, Damon Hill, a bordo da inexpressiva Arrows Yamaha… Que tal? Quem gosta de determinado esporte vai sim sempre se lembrar daquela específica corrida em que a disputa foi mais importante que a vitória… Como você mesmo disse, Prost venceu o título de 93, indiscutivelmente, diga-se (ao contrário do título do ano seguinte do Schumacher…), mas ele (o título) é taxado medíocre tendo em vista o que o Senna, o vice, fez naquele ano…
    Abração!

    • Salve Allan!
      Então, em última análise, eu acho que sites como o GPtotal existem justamente com esta função de preservar a história, valorizando mais o contexto e o mérito do que simplesmente o resultado. Acredito que seja o perfil de todos nós, e que esta discussão aberta sobre o passado tenha como finalidade exatamente conferir um pouco mais de justiça à coisa. Não sei se o contexto interessa tanto ao público mais amplo, mas concordo contigo que sempre haverá vozes para lembrar detalhes que não deveriam ser negligenciados. Tanto mais nessa era da internet.
      Em relação aos pneus, concordo que na maioria das vezes eles tiram os pilotos de suas respectivas zonas de conforto, criando a oportunidade para que a dimensão de seus talentos possa ser melhor avaliada. Fernando, aqui embaixo, defendeu algo parecido. No entanto, ainda acho que isso está sendo induzido de maneira artificial, numa tentativa de gerar competitividade através do caos.
      Até agora ninguém entendeu direito os pneus, e somente isso explica equipes andarem tão bem numa pista e tão mal em outra, em vez de estarem próximas o tempo todo, dentro de uma hierarquia minimamente estável.
      Não é a competitividade, mas essa sua origem, que me incomoda.
      Abraço, e escreva sempre!

    • Rubergil Jr disse:

      Olá Allan. Entendo o seu ponto de vista e digo mais: está acontecendo o mesmo com o Massa, conforme já tinha comentado com o Márcio Madeira.
      Mas vamos pensar bem: é muito fácil ser rápido destruindo seus pneus. Lembra do filme “Dias de Trovão”? Difícil mesmo é ser rápido e ainda economizar pneus para andar rápido por mais tempo.
      Até hoje pra mim o melhor neste quesito chama-se Ayrton Senna da Silva. Suas corridas na Hungria 91 e 92 são uma amostra cabal da imensa habilidade de Senna em andar rápido e ainda economizando pneus. E duelando contra as Williams. Em 92, Senna estava um minuto a frente de Mansell sem precisar trocar penus. Só pra garantir, ele fez a troca e ainda chegou mais de 40 segs à frente.
      Na verdade, se formos ver bem, os grandes ases dos anos 80 tinha qualidade de andar rápido e poupar pneus: Senna, Prost e Piquet. Mansell definitivamente não tinha essa qualidade, embora sua pilotagem furiosa nos rendesse bons shows, exatamente como Hamilton.
      Abraços!

  3. Moy disse:

    Márcio,
    Minha resposta é exatamente a sua:
    “Pessoalmente, acredito que a ausência de um conjunto dominante seja muito mais tributária deste caos artificial do que de um nivelamento concreto por parte dos construtores.”
    Um abraço,

    Moy

  4. Cristiano disse:

    Essa história da doença do Stoner, ele diz ser intolerância à lactose, que não é nada de mais, coisa e tal. E também tem essa da dormência nos braços no final das corridas (imagina isso!!). Será que vão ter que chamar Dr. House?

    • Márcio Vilarinho Amaral disse:

      Dr. House já o examinou. Após os exames, ele chegou à seguinte conclusão: “Não é Lupus.”

  5. Fernando Marques disse:

    To be or not to be?
    Nelson Piquet disse uma vez que ninguem vence na Formula 1 se não for bom … e ser bom não significa que ele possa ser um campeão …
    As comparações são inevitaveis e não existe a melhor opinião … o dilema é eterno …
    No caso deste ano os pneus podem estar nivelando por baixo as equipes e assim não permitindo que uma equipe seja a dominante … todos estão reclamando dos peneus … se a temporada for assim até o fim do ano vou apostar no Alonso como campeão exatamente por causa deste baixo nivelamento decorrente dos pneus … pois de alguma forma vai prevalecer a competencia e neste caso acho o Alonso o mais competente …

    Fernando MArques
    Niterói RJ

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