Domínio cíclico

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Voltando vinte anos no tempo, a F1 teve uma pré-temporada bem diferente da atual, onde as equipes tiveram apenas três dias para testar seus novos carros para 2024. Em 2004 as equipes testaram seus carros novos por milhares de quilômetros, principalmente nas pistas espanholas, e recordes eram quebrados por McLaren-Mercedes e Williams-BMW, com seu estranho carro com uma asa dianteira que mais parecia um barbeador. Na temporada anterior Michael Schumacher havia conquistado o hexacampeonato, mas ao contrário dos anos anteriores, o alemão só garantiu o título por muito pouco, na última corrida. Parecia que a dinastia da Ferrari havia terminado. Os italianos testaram seu novo modelo principalmente na Itália naquela pré-temporada, mas quando chegaram à Melbourne para a primeira etapa do campeonato 2004, a Ferrari meteu 1,8s no terceiro colocado logo no primeiro treino livre, com Schumacher liderando a dobradinha. Ainda nem havia sido dada a largada da temporada 2004, mas parecia que o campeonato já havia terminado.

Voltando agora dez dias no tempo. Após um domínio avassalador em 2023, a Red Bull colocava na pista o novo RB20 e para surpresa da F1, era um carro de conceito totalmente diferente do quase imbatível RB19. Seria uma deixa para as demais equipes? No final do primeiro dia de testes pré-temporada, Max Verstappen colocava 1,1s no segundo colocado. Ainda nem havia começado o primeiro final de semana da temporada 2024, mas parecia que o campeonato já havia terminado.

Na prova em Melbourne de 2004, Schumacher e Barrichello estavam prestes a colocar uma volta no terceiro colocado Alonso quando tiraram pé, indicando uma temporada dominante e que deu o heptacampeonato à Michael Schumacher. Nesse ano, a Red Bull não ficou com o melhor tempo da pré-temporada, mas ninguém em sã consciência poderia contrapor que o neerlandês é o grande favorito ao título. Na corrida desse sábado no Bahrein, Max dominou de forma absoluta e se não esteve próximo de colocar volta no terceiro colocado, os 22s de vantagem sobre o companheiro de equipe Checo Pérez mostraram que o tetracampeonato de Max Verstappen é apenas uma questão de ‘onde’, não de ‘se’.

Os maiores temores dos fãs da F1 se confirmaram nesse sonífero Grande Prêmio do Bahrein, com o conjunto Max Verstappen/Red Bull tão ou até mesmo mais forte que no ano passado. A classificação relativamente apertada desta sexta-feira foi apenas uma mera ilusão. Max fez a pole e menos de quatro décimos separavam os seis primeiros colocados, mas havia um temor em relação ao ritmo de corrida da Red Bull. E a Red Bull destruiu a concorrência no sábado. A corrida de Max foi bem parecida com o script dos últimos dois anos. Após contornar a primeira curva na ponta, Verstappen imprimiu um ritmo arrebatador, administrou a prova como quis e conseguiu seu quinto Grand Chelem da carreira, ou seja, pole, vitória, volta mais rápida e liderança em todas as voltas da corrida barenita. O neerlandês corroborou a frase de Alonso antes da temporada, quando o espanhol disse que dezenove pilotos da F1 atual sabem que não serão campeões no final do ano. Verstappen simplesmente destruiu a oposição e com um excelente carro nas mãos, os imbatíveis recordes do ano passado podem ser batidos já em 2024. Essa deve ser a única emoção em torno da temporada 2024 de Max Verstappen: quantos recordes mais ele irá quebrar? Não houve muita esperança para as demais equipes, mesmo que Pérez tenha ficado em torno de 3s apenas na frente do terceiro colocado Sainz. Como é de costume do mexicano, Checo não fez uma volta de classificação dos sonhos, mas em ritmo de corrida Pérez ainda faz um trabalho decente, ultrapassando Russell e a dupla da Ferrari para completar a dobradinha da Red Bull sem maiores sustos. Levando-se em conta o quão mal foram seus rivais ao lugar da Red Bull em 2025, basta Pérez repetir a toada no Bahrein para se garantir na equipe próximo ano.

No entanto, mesmo vencendo com ampla superioridade, os bastidores da Red Bull fervem. Na última semana, Christian Horner foi inocentado de uma denúncia de má conduta feita por uma funcionária. Quando tudo parecia mais calmo, surgiu na quinta-feira um e-mail anônimo contendo prints comprometedores, indicando que o caso não fora investigado de forma tão imparcial como a Red Bull transpareceu nas últimas semanas. Para completar, Jos Verstappen jogou gasolina na fogueira ao dizer que o clima da Red Bull está prestes a explodir com a permanência de Horner no time.

Não há segredo que há uma guerra interna na Red Bull entre Horner e Helmut Marko desde a morte de Dietrich Mateschitz. Christian Horner é a cara da Red Bull Racing e está na equipe desde o começo, dirigindo o time com excelência. Horner tem seus apoios na equipe e um deles é de Adrian Newey, o lendário projetista que parece ter feito outro carro campeão. Por outro lado, Marko conta com o apoio da família Verstappen e não considero uma mera coincidência que foi a imprensa neerlandesa que noticiou primeiro a investigação contra Horner. Dinastias vem e vão ao longo da história dos esportes, muitas vezes terminando por problemas internos. A Red Bull deverá completar seu quarto ano de domínio e observando a gana de Newey em continuar melhorando e inovando, não será surpresa se em 2025 esse domínio da Red Bull continue, pois mesmo que as demais equipes deem um pulo de qualidade, Newey não deixará a peteca cair, mas esse caso (Hornergate) tende a ser bastante prejudicial à Red Bull à médio prazo.

E falando nas outras equipes, Ferrari e Mercedes não tiveram uma corrida linear em Sakhir, com cada uma sofrendo de pequenos problemas que acabaram deixando-as ainda mais longe da Red Bull.

A briga pelo segundo lugar foi interessante nas primeiras voltas, mesmo que Pérez tenho colocado tudo no lugar logo depois da primeira rodada de paradas. Russell superou Leclerc na primeira volta e se manteve na posição muito pelos constantes erros de Charles nas freadas, graças a problemas nos freios do monegasco. Logo atrás vinha o demitido Sainz já avisando ‘estou mais rápido que os caras da frente’. E o espanhol, já pagando o aviso prévio, provou suas palavras ultrapassando Leclerc duas vezes e não dando maiores chances à Russell. Sainz ainda tentou um ataque sobre Checo após a segunda rodada de paradas quando estava calçado de pneus duros, enquanto Pérez estava com os macios e a diferente entre eles era pequena, mas Checo administrou bem a diferença para Sainz, não diminuindo em nada a ótima corrida de Carlos. Quando conseguiu administrar seus problemas nos freios, Leclerc ainda conseguiu um quarto lugar ao ultrapassar Russell.

Já a Mercedes sofreu com problemas de motor e fez com que Russell e Hamilton diminuíssem seus ritmos no terço final da corrida. Toto Wolff falou que seus pilotos perderam até meio segundo por volta com o problema, mas ficou claro que a Mercedes é a terceira força no momento, demonstrando o motivo de Hamilton ter feito sua bombástica escolha para 2025. A curto prazo, a Mercedes não terá carro para enfrentar a Red Bull e mesmo a Ferrari estando na mesma situação, pelo menos os italianos são claramente a segunda força do campeonato.

A McLaren também fez seu papel, ou seja, andou sozinha entre a dupla Ferrari e Mercedes e o resto. Norris ainda tentou uma aproximação em cima de Russell no final, mas não havia tempo para maiores ataques, com Lando confirmando a McLaren como quarta força destacada. A Aston Martin brigou por pódios nas primeiras corridas de 2023, mas nesse ano a situação foi bem diferente, com Alonso parecendo desanimado com um carro que em condições normais dificilmente lhe dará um pódio.

No pelotão intermediário, destaques positivos para Sauber (vou chama-la assim, ok?) e Haas, que demonstraram ter um ritmo bem mais forte do que o esperado. E destaques negativos para Racing Bulls (mesmo caso da Sauber, ok?) e Alpine.

Depois de uma pré-temporada promissora, a Racing Bulls esteve longe de brigar pelos pontos e ainda viu seus pilotos se estranharem depois da corrida, tudo porque a equipe pediu para Tsunoda trocar posição com Ricciardo, que tinha um ritmo mais forte, mas o japonês ficou fulo da vida, gritou, esperneou e só deixou Daniel passar nas voltas finais, deixando pouco tempo para Ricciardo tentar alguma coisa em cima de Magnussen. Ainda irritado, Tsunoda jogou o seu carro em cima de Ricciardo após a bandeirada, indicando um claro racha dentro da equipe. Enquanto isso, Checo sorri com dois dos seus rivais na Red Bull em 2025 se envolvendo numa briga sem sentido, além de mostrar que Tsunoda já faz hora extra na F1.

Já a Alpine tem hoje o pior carro do pelotão e é uma equipe à deriva, com mais demissões na parte técnica. Largando na última fila, o feio carro da Alpine não fez nada melhor na corrida, com seus dois bons pilotos só ficando na frente de Bottas e Sargeant pelos problemas que os dois tiveram na corrida.

Uma novidade no GPTotal é que além da tradicional coluna pós-corrida, vocês também podem acompanhar um vídeo no nosso recém-lançado canal no Youtube, onde nossos colunistas discutem as corridas na segunda-feira à noite. Quando não haver corrida, falaremos de temas históricos. Vocês já podem curtir os vídeos sobre o campeonato de Ayrton Senna em 1988, o bicampeonato de Piquet em 1983, nossas homenagens à Gil de Ferran, Wilsinho Fittipaldi e Ronnie Peterson, além de uma incrível entrevista com Raul Boesel.

Curtam a nossa página (www.youtube.com/@GPTotal) e recebam todas os nossos novos vídeos nesse novo projeto do GPTotal.

A corrida de abertura da temporada 2024 não foi nada animadora para os fãs ávidos por emoção na luta por vitórias e título. A sensação que se há é que Max Verstappen deve estar escolhendo o lugar onde fará a festa do tetra, enquanto se diverte vendo os demais pilotos se pegarem na pista, assistindo os melhores momentos da corrida na antessala do pódio.

Para quem ama a F1, teremos outras opções para acompanharmos as corridas na mais longa temporada da história da categoria. Quais recordes a mais Verstappen quebrará nessa temporada? A Red Bull fará uma temporada perfeita? Alguma equipe fará frente à Red Bull determinados momentos? Qual será o comportamento de Hamilton no seu último ano de Mercedes? E principalmente: que as corridas sejam bem melhores do que as vistas nesse sábado!

Abraço!

João Carlos Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    J. C. Viana,

    aproveitando-me da sua bela coluna segue abaixo as minhas primeiras impressões sobre a Formula 1 em 2024:

    – O Carro da Sauber não pode ser lá dos melhores mas com certeza aquele verde brilhante nessa corrida noturna no Bahrein me deu a certeza do seguinte … é o mais bonito disparado

    – Dominio do Verstappen/RBR … assim como o Flavis, já apostei minhas 24 moedas que o titulo será dele …

    – A que ponto chegou a Formula 1 … em vez da midia especializada falar dos atributos (abro excessão para o GEPETO e suas colunas) ou não dos carros e pilotos, o que vemos é o “Escandalo do Horner” brilhar mais do que os verdadeiro artistas das pistas de corridas … lamentável e não vejo como passar batido e votar nulo … a ida do Hamilton para Ferrari em 2025 nem passa perto do IBOPE que este escandalo tem … a ida de Hamilton para Ferrari e as expectativas positivas que esta troca pode trazer estão relegadas a um terceiro plano …

    – Se o Carlos Sainz manter esse desempenho do Bahrein vai a calar a boca de muita gente …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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