Elis&Tom

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Deliciado em assistir ao documentário Elis&Tom, Só Tinha de Ser com Você, me ocorreu haver vários paralelos possíveis entre o encontro de dois gigantes da música brasileira e internacional em um estúdio em Los Angeles, em 74, e o de Alain Prost e Ayrton Senna na McLaren, entre 88 e 89.

Dionísio (Elis Regina e Senna) e Apolo (Tom Jobim e Prost), no resumo do produtor musical João Marcelo Bôscoli, filho de Elis e um dos entrevistados no documentário, os encontros expuseram oposição e complementaridade em meio a tensão e drama, resultando em obras extraordinárias, a exuberância e arrojo de Elis e Senna ante a experiência e autocontenção de Tom e Prost, cercados por coadjuvantes ilustres como os chefões André Midani e Ron Dennis, os produtores/projetistas Aloísio de Oliveira & César Camargo Mariano e Steve Nichols & Gordon Murray e os empresários/mediadores Roberto de Oliveira & Roberto Menescal e Jo Ramirez. Momentos únicos, irreprodutíveis, inesquecíveis, ao menos para os mais velhos – afinal, lá se vão 49 anos de um encontro e 35 de outro.

 

 

Por isso, um pouco de contexto para os mais jovens.

Elis e Senna era jovens acelerando nos momentos em que rumam a Los Angeles e Woking, sede da McLaren. Verdade que Elis já tinha mais de dez anos de carreira, era unanimemente reconhecida como grande intérprete, uma capacidade técnica sem igual, mas ainda podendo avançar na escala de prestígio como artista e, principalmente, como persona política, papel que ela resistia a assumir. Senna, por sua vez, antes de ingressar na McLaren somava seis vitórias em GPs e 16 poles. Um futuro campeão, sem dúvida, mas ainda tinha todas as expectativas a confirmar.

Do outro lado da mesa, Tom era um monstro sagrado da música internacional, sucesso por mais de dez anos nos Estados Unidos – não é qualquer um que grava um disco inteiro com Frank Sinatra, o que Tom fez em 67. Mas, fazendo valer a frase dele próprio – sucesso, no Brasil, é ofensa pessoal –, tinha pouco reconhecimento no próprio país e estava vendo o que tinha se perder. No fundo, havia um gostinho de decadência começando a se insinuar numa carreira até então cercada de sucessos.

A situação de Prost quando da chegada de Senna à McLaren era comparativamente melhor. Ninguém poderia dizer que o francês estava entrando em decadência depois dos títulos de 85 e 86 e de um 87 em que fez mais do que o carro permitia.

No entanto, Prost não teve forças para brecar a chegada de Senna, algo que certamente teria feito se Dennis deixasse, pois intuía não ser tão rápido quanto o brasileiro, ainda que fosse, naquela altura, certamente mais inteligente na gestão de um GP e do campeonato como um todo. Diante dessa constatação, Prost rendeu-se e, como se verá, flexibilizou ao máximo a sua esportividade para garantir a vitória no campeonato de 89.

 

 

Em Los Angeles, a tensão existiu desde o começo. Tom não topou a princípio a participação de César Camargo Mariano como arranjador do disco. Depois o aceitou de forma algo relutante – em algumas cenas do documentário pode-se ver Tom meio que debochando de César, chamando-o de “Cezinha” ou perguntando se ele tinha dez dedos em cada mão, não como elogio. Mariano engoliu em seco e foi em frente. No final das contas, se impôs.

Mas isso não era nada diante do fato de que Tom não tinha simpatia natural por Elis, pelo contrário. A considerava, como toda a turma da Bossa Nova da qual ele era um dos fundadores, demasiado exuberante em suas interpretações – por conta da coreografia inventada por ela para interpretar Arrastão, de 1965, girando rapidamente os braços, foi apelidada de Hélice Regina e Elis-cóptero. De fato, comparada às brisas de Nara Leão, por exemplo, Elis era um furacão – dos grandes.

A temperatura nas gravações subiu a tal ponto que Elis chegou a arrumar as malas pra voltar ao Brasil. No final, prevaleceu um bom acordo: Elis conteve-se, como o repertório exigia, mas puxou Tom para uma divertida e inesquecível interpretação de Águas de Março.

Na McLaren, houve paz nos primeiros meses até aquela fechada criminosa que Senna deu em Prost ao final da primeira volta de Portugal 88. Uma trégua foi negociada, mas o caldo entornou de vez depois de Imola 89. A partir daí, a equipe virou um campo conflagrado que só se pacificou com a saída de Prost, no final do ano, levando o título junto com ele.

 

 

Nas oficinas da McLaren desconhece-se toques de bom humor, mesmo nos tempos de paz. Já no estúdio havia, principalmente pela alegria inata de Elis e ao brilhante frasista que era Tom. Disse ele sobre Paulinho Braga, o baterista que acompanhou as gravações: “ele elevou a bateria à condição de instrumento musical”.

No final das contas, fez-se a luz. Diz-se que Tom chorou de alegria ao ouvir a fita com a gravação completa do disco, que tornou-se um grande sucesso de público e crítica e um marco para as carreiras de Elis e Tom, assim como para a música brasileira e internacional.

Já na McLaren, o domínio alcançado por Senna e Prost, amparado pela qualidade do carro criado por Nichols e Murray, mais a organização impecável da equipe, resultou em um choque de Titãs que nem Juan Manuel Fangio x Stirling Moss, Graham Hill x Jim Clark ou Nelson Piquet x Nigel Mansell foram capazes de rivalizar, permitindo à McLaren estabelecer em 88 a maior superioridade registrada até hoje no Mundial de Construtores.

 

 

Passado tanto tempo, o que sobrou dos encontros?

De Elis&Tom não poderia se esperar mais reverências. Mas… sobra a constatação de dificuldade de compreensão da grandeza do disco pelas novas gerações, mais afeitas a um tipo totalmente diferente de música, na qual a maior qualidade talvez seja durar pouco – um minuto já está bom – e onde toda e qualquer sutileza poética é castigada.

Senna e Prost seguem firmes no panteão dos grandes. Mas… suas memórias vão se perdendo. O tempo não para e fica difícil explicar aos mais jovens o impacto de

seus feitos, tanto mais que foram esmagados pelos números conquistados por Michael Schumacher e Lewis Hamilton e nem chamamos ainda Max Verstappen na conversa.

A história não se separa do seu contexto. Márcio Madeira tangenciou esse assunto aqui (https://gptotal.com.br/os-melhores-dias-parte-1/) e aqui (https://gptotal.com.br/os-melhores-dias-final/).

Difícil, muito difícil, não concordar com ele, que os melhores dias, da música e da F1, ficaram para trás.

 

Abraços

 

Edu

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Edu

    mais uma vez você nos dá um deleite com uma sublime coluna.
    Não tenho como deixar de concordar com as suas palavras mas me vejo obrigado a dizer que dentro do contexto da coluna muita coisa vai de encontro ao que penso e explico o porque.

    1) Elis e Tom … brilhantes sem duvidas como artistas da MPB só que nunca gostei da bossa nova. Não das letras (sempre lindas … puros poemas) mas do ritmo e melodia das musicas. Me entenda. Tenho um conceito basico nesse sentido onde certas coisas para serem muito boas depende muito das raízes. Um bom rock pra mim tem que ser cantado em ingles. Um bom samba em portugues. Um rock cantado em portugues pra mim não é a mesma coisa. Um samba em ingles então nem se fala, acho horrivel. A bossa nova nasceu de um grupo que fez um tipo de samba pra ingles ver e ouvir. Melodicamente falando sempre achei um sambinha muito chato de ouvir. Garota de Ipanema em ingles achei e acho até hoje horrivel. A bossa nova está muito longe de minhas preferências musicais.

    2) Formula 1 … Prost x Senna … “o domínio alcançado por Senna e Prost, amparado pela qualidade do carro criado por Nichols e Murray, mais a organização impecável da equipe, resultou em um choque de Titãs que nem Juan Manuel Fangio x Stirling Moss, Graham Hill x Jim Clark ou Nelson Piquet x Nigel Mansell foram capazes de rivalizar, permitindo à McLaren estabelecer em 88 a maior superioridade registrada até hoje no Mundial de Construtores” … momentos épicos com certeza … mas curti muito mais os embates das corridas dos anos 70 e o auge da Formula 1 que se deu em 1986 a meu ver. Os embates entre Prost e Senna num todo acabou em atitudes anti esportivas que para mim abriu precedentes na Formula 1 dali pra frente. Resumindo … vivemos momentos épicos sim na maior rivalidade já vista na Formula 1 mas esportivamente falando dentro e foras das pistas longe de chegar perto das emoções que vivemos nos anos 70 até 1986 …

    Ou seja … Elis & Tom … Prost x Senna … sensacionais mas não entre os meus preferidos

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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