Engenheiro da vitória

Foto-legendas – A Ferrari em Daytona 67, Zeltweg 72 e Losail 25
06/03/2025

Escrevi essa coluna em 2014, estou trazendo uma releitura por achar que os tempos atuais tem nos desafiado a buscar soluções “fora da caixa” , e como costumo pensar, o automobilismo muitas vezes nos dá exemplos que podemos levar ao nosso cotidiano, com vocês pessoas comuns com soluções criativas e inovadoras

Vamos retornar no tempo, estamos em janeiro de 1943, em Casablanca no Marrocos, onde os líderes aliados estavam reunidos em uma conferência decisiva para definir os próximos passos na Segunda Guerra Mundial, que já se estendia desde 1939.

A complexidade da situação era imensa, pois diversos teatros de operações precisavam ser considerados, cada um com seus desafios estratégicos e táticos. As discussões em Casablanca resultaram em um plano estratégico abrangente, delineando cinco frentes de trabalho que exigiam soluções inovadoras para garantir a vitória.

Pouco mais de um ano após essa reunião, o mundo testemunhava a transposição dos maiores desafios e a iminente vitória dos aliados.

Nos anos que se seguiram, poucos historiadores se debruçaram sobre os bastidores desse período, buscando compreender como ocorreu a mobilização de pessoas e recursos para solucionar os desafios impostos pelas metas do plano.

Foi ao lendo o livro “Engenheiros da Vitória”, de Paul Kennedy, que me deparei com uma abordagem fascinante sobre o tema. Kennedy investigou como indivíduos criativos e determinados foram fundamentais para superar obstáculos aparentemente intransponíveis. O que me chamou ainda mais a atenção foi perceber que alguns dos desdobramentos desse período tiveram uma influência indireta em áreas completamente distintas, incluindo o automobilismo.

O primeiro ponto de conexão entre guerra e automobilismo está na própria definição de “engenheiro”. Segundo o dicionário Webster, engenheiro é “uma pessoa que executa uma determinada tarefa por meio ou utilizando um dispositivo engenhoso ou criativo”. Essa visão amplia o conceito, incluindo não apenas os graduados em engenharia, mas também todos aqueles que, com criatividade e engenhosidade, desenvolvem soluções inovadoras.

Com o fim da guerra e a reconstrução da Europa, um imenso contingente de veteranos retornou aos seus países de origem. No caso específico da Inglaterra, muitos desses “engenheiros”, com experiências adquiridas em campos de batalha e oficinas militares, precisavam encontrar novas ocupações. Foi nesse contexto que surgiu a trajetória de John Cooper, um dos responsáveis por expandir um conceito e revolucionar o automobilismo.

John Cooper nasceu em 1923, em Surbiton, na Inglaterra. Desde cedo, esteve envolvido com o mundo dos automóveis, graças ao seu pai, Charles Cooper, que possuía uma pequena garagem especializada na manutenção de carros de corrida. Esse ambiente inspirou John a deixar a escola aos 15 anos para se tornar ferramenteiro aprendiz, e rapidamente seu talento para desenvolver soluções criativas ficou evidente.

Durante a Segunda Guerra Mundial, John serviu na Força Aérea Real como fabricante de instrumentos para aeronaves. Essa experiência lhe proporcionou um contato próximo com engenheiros altamente qualificados e uma compreensão mais profunda dos princípios mecânicos. Seu espírito curioso o levou a explorar maneiras de otimizar mecanismos dentro de recursos limitados, um aprendizado que mais tarde influenciaria sua abordagem no automobilismo.

Após a guerra, John e seu pai começaram a construir monopostos acessíveis para pilotos que desejavam voltar a competir, mas que tinham poucos recursos para investir em marcas tradicionais. Os carros da Cooper Car Company rapidamente se destacaram, especialmente na recém-criada Fórmula 3, que utilizava motores de motocicleta de 500 cilindradas. Em 1950, os monopostos Cooper conquistaram 13 vitórias em 16 corridas disputadas, consolidando a reputação da marca como inovadora e eficiente.

Paralelamente, um jovem engenheiro chamado Owen Maddock estudava engenharia na Kingston Technical College enquanto servia ao exército nos últimos anos da guerra. Após o conflito, tornou-se membro associado da instituição de engenheiros mecânicos e, em abril de 1948, ingressou na Cooper Car Company. Inicialmente, Maddock atuava como montador, mas rapidamente conquistou a confiança de John Cooper, que via nele um parceiro comprometido e talentoso no desenho técnico de projetos.

Na Cooper Car Company, os primeiros modelos eram desenhados diretamente nas paredes da oficina, um método que refletia a abordagem prática e intuitiva da equipe. “Quando pintávamos as paredes, os desenhos desapareciam, então tínhamos que refazê-los!”, brincava John Cooper. Essa informalidade contrastava com a precisão meticulosa de outras equipes, como a Lotus, mas permitia uma experimentação ágil e inovadora.

Um dos marcos mais importantes da Cooper foi a adoção do motor traseiro, uma solução que, segundo John Cooper, surgiu mais por conveniência do que por uma intenção deliberada de revolucionar o automobilismo. Os monopostos da Fórmula 3 utilizavam motores de motocicleta, e a forma mais simples de transmissão era por corrente, exigindo que o motor ficasse na traseira. Essa configuração se mostrou vantajosa e, posteriormente, seria adotada na Fórmula 1 e até nas 500 Milhas de Indianápolis.

Em 1950, o piloto Harry Schell inscreveu um Cooper com motor traseiro no GP de Mônaco, tornando-se o primeiro a competir com essa configuração desde o fim da guerra. Embora sua participação tenha sido discreta, chamou a atenção pela agilidade nas curvas. Nos anos seguintes, a Cooper seguiu experimentando e aperfeiçoando seus projetos, culminando na estreia oficial da equipe na Fórmula 1 em 1952, com os modelos T20 projetados por Maddock.

Em 1955, Maddock desenvolveu o Cooper T39, um carro de corridas de esporte que adotava a configuração de motor traseiro como solução padrão. Pequeno, leve e equilibrado, o modelo oferecia baixo consumo de pneus e excelente eficiência em provas de resistência. Esse sucesso encorajou a Cooper a aplicar os mesmos princípios em um modelo de Fórmula 2, preparando o terreno para o retorno à Fórmula 1.

Quando a Cooper voltou à Fórmula 1 em 1957, enfrentou resistência e até certo desprezo dos concorrentes. O próprio Enzo Ferrari ironizou a ideia de um carro com motor traseiro, afirmando que “onde já se viu colocar os cavalos para empurrar em vez de puxar?”. Naquele ano, os Cooper não pontuaram no campeonato, mas a equipe seguiu firme em sua filosofia inovadora.

Foi em 1958 que a história começou a mudar. No GP da Argentina, em 19 de janeiro, a equipe particular de Rob Walker inscreveu um Cooper T45 para Stirling Moss, depois que seu Vanwall não ficou pronto a tempo. Inicialmente, os organizadores da corrida relutaram em aceitar a inscrição, considerando o carro inadequado para um Grande Prêmio. No entanto, Moss e Rob Walker perceberam que o desgaste dos pneus do Cooper era mínimo em comparação com os carros maiores e decidiram correr sem trocas. A estratégia funcionou e o Cooper conquistou sua primeira vitória na Fórmula 1.

Em 1959, a Cooper dominou o campeonato, conquistando os títulos de pilotos e construtores com Jack Brabham ao volante, a Cooper venceu como escuderia cinco de nove corridas. A equipe também contava com Bruce McLaren, e no campeonato de 1960 o domínio ainda foi mais acentuado, Jack e Bruce venceram seis de dez provas, conquistando o bicampeonato de construtores, Jack o bicampeonato de pilotos e Bruce se sagrando vice-campeão da temporada.

O domínio da Cooper em 1959 e 1960, a Cooper venceu 58% das corridas disputadas, numa clara demonstração que a revolução dos carros de motor traseiro era um caminho sem volta e estava consolidada, e mais a Grã-Bretanha assume o protagonismo e dianteira no desenvolvimento tecnológico do automobilismo, uma posição que mantém até os dias de hoje.

 

John Cooper não apenas quebrou paradigmas, mas também redefiniu o conceito de performance e eficiência no automobilismo. Seu legado transcende as pistas, sendo um exemplo de como engenhosidade e visão podem transformar um esporte – e até mesmo uma indústria.

John Cooper foi, sem dúvida, um verdadeiro Engenheiro da Vitória.

Até a próxima,

Mário Salustiano

 

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Mário,

    Sem dúvidas nenhuma a primeira revolução da fórmula 1.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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