Faltou grama

Horas depois da bandeirada do Grande Prêmio da Áustria de F1, a Indy tinha a largada para a sua corrida em Mid-Ohio. A pista localizada em Lexington é curta, ondulada e até mesmo de difícil ultrapassagem, contudo o mais distinto do pequeno circuito no Ohio em comparação à moderna pista administrada pela Red Bull era que ao lado do asfalto e das zebras da pista americana, há GRAMA. Um limite de pista relativamente simples, mas bastante eficaz para que os pilotos saibam que se saírem do asfalto, na melhor das hipóteses, eles perderiam tempo se passarem pela grama.

Porém, o simples muitas vezes pode se tornar complexo demais para uma categoria que adora se complicar. Desde sexta-feira as curvas 9 e 10 do circuito de Red Bull Ring vinham se tornando protagonistas pelas constantes punições devido aos famigerados ‘track limits’. São duas curvas rápidas e que após a zebra, ao invés de grama ou até mesmo brita, há uma longa camada de asfalto por ‘motivos de segurança’. Na classificação para a Sprint Race e na corrida deste domingo as punições aconteceram aos montes, mas tudo parecia definido na bandeirada, com mais uma vitória de Max Verstappen em sua caminhada rumo ao tricampeonato e aos recordes. Ledo engano.

Horas depois da prova, a Aston Martin entrou com um recurso de que houveram ainda mais infrações e a FIA admitiu que estava conduzindo uma análise sobre cerca de 1.200 denúncias de carros excedendo os limites da linha branca durante a prova austríaca. Isso mesmo caro leitor. MIL E DUZENTAS!

No final, mais de oitenta voltas foram canceladas e oito pilotos foram punidos depois da bandeirada, mudando a classificação da corrida e colocando a F1 numa das situações mais bizarras dos últimos tempos, encobrindo um pouco mais um show de pilotagem de Max e uma corrida que foi das mais animadas nessa temporada 2023 árida em emoções.

Foi muito relevante que nesse domingo dois pilotos neerlandeses (Richard Verschoor na F2 e Max Verstappen) triunfassem, numa certa homenagem pela trágica morte do jovem Dilano van’t Hoff nesse sábado, numa corrida da FRECA em Spa. Poucos metros depois do local aonde Anthoine Hubert faleceu quatro anos antes numa corrida de F2, Van’t Hoff perdeu o controle do seu carro na entrada da reta Kemmel e em meio ao grande spray causada por uma forte chuva, Adam Fitzgerald não deve ter visto o carro de Dilano e o acertou em cheio, na temida condição de Batida em T.

Dilano van’t Hoff, neerlandês de 18 anos, morreu na hora, enquanto Fitzgerald encontra-se hospitalizado com fraturas em todo corpo.

A morte de um piloto sempre choca a todos e nos faz lembrar que, apesar dos avanços na segurança dos carros e das pistas, além de cuidados inéditos dos diretores de prova, o automobilismo continua sendo um esporte de risco.

Dentro da pista, o Grande Prêmio da Áustria entregou uma corrida bem interessante, claro, do segundo lugar para trás. Após uma Sprint Race realizada pela primeira vez com pista úmida e trazendo uma leve confusão entre os dois pilotos da Red Bull, o domingo foi de sol e clima ameno em Spielberg. Na largada Verstappen saiu melhor do que na Sprint, mas Leclerc colocou de lado algumas vezes na primeira volta, algo que Max rechaçou sem maiores dramas. O Safety-Car real e depois virtual apareceram ainda nas primeiras voltas e não mudou muito a corrida de Verstappen, tamanha a confiança que ele e a sua equipe conquistaram nesse momento. Max sustentava uma impressionante sequência de voltas na liderança desde a corrida em Miami e quando a Ferrari acertou na estratégia e colocou Leclerc na ponta por dez voltas, esse seguimento terminou, mas Max acabou com a brincadeira ao ultrapassar seu velho rival do kart e partir impávido na liderança. A mais de 300 quilômetros por hora, ultrapassando retardatários e cuidando para não tirar seu Red Bull de dentro das duas linhas brancas, Verstappen lembrou que não tinha a melhor volta no bolso. Com tranquilos 24s de frente para Leclerc, Max pediu e a Red Bull lhe deu a chance de conquistar o ponto ao parar Verstappen uma terceira vez, montando em seu carro pneus macios na abertura da penúltima volta. A diferença do conjunto Verstappen-Red Bull ficou clara nesse momento. Saindo logo à frente de Leclerc, Max cuidou dos pneus para conseguir seu objetivo, porém a transmissão da TV se animou: Leclerc está chegando em Verstappen. Na abertura da última volta, a diferença entre eles era de apenas 2,1s. Na bandeirada, subiu para 5,1s. E melhor volta de Max Verstappen, que brinca na F1.

Porém, pelo volume de punições, essa manobra orquestrada por Verstappen e seus blue caps foi bem perigosa, pois um pênalti de 10s depois da bandeirada poderia custar a vitória de Max na casa da Red Bull.

A Ferrari teve que lidar com Sainz reclamando de que era mais rápido do que Leclerc nas primeiras voltas e realmente a impressão era essa. Quando o SC virtual deu as caras, a Ferrari resolveu trazer seus dois pilotos, como fez a maioria do pelotão, mas com Sainz tendo que esperar a operação de Leclerc, o espanhol perdeu um tempo precioso e acabou atrás da briga britânica entre Hamilton e Norris, que haviam parado uma volta antes. Sainz ultrapassou ambos, mas tudo isso o deixou mais de 4s atrás de Leclerc, o tirando da briga pela segunda posição e tranquilizando a Ferrari de qualquer entrevero interno entre seus dois pilotos. Leclerc fez uma corrida sólida, mostrando evolução da Ferrari, mesmo que o monegasco tenha decepcionado deveras na Sprint, onde ficou fora dos oito pilotos que pontuam.

Durante a corrida, Sainz foi uma das vítimas da sanha dos comissários e foi um dos nove punidos durante a prova. Com isso, Sainz ficou na mira de Sergio Pérez. O mexicano já vê seu emprego ameaçado por tantos desempenhos medíocres e na Áustria, Pérez ficou de fora do Q3 pela quarta vez consecutiva, algo inacreditável para quem tem nas mãos um dos melhores carros da história da F1. Novamente forçado a fazer uma corrida de recuperação, Pérez dessa vez foi melhor do que nas oportunidades anteriores e beliscou um pódio após uma disputa forte e tensa com Sainz nas últimas voltas, com reclamações de lado a lado, porém, Sainz dizer que foi ‘intimidado’ por Pérez soou bastante mal. No rali, onde o pai de Sainz foi uma lenda, não tem disputa por posição…

Contudo, Sainz seria punido depois da prova e seu quarto lugar se transformaria em sexto, maximizando ainda mais a ótima corrida de Lando Norris, que com uma ascendente McLaren terminou em quarto após a enxurrada de punições.

Já no reino de Toto Wolff, a corrida não foi tão simples assim. Após um promissor pacote ter elevado a Mercedes de patamar a partir de Mônaco, na Áustria as coisas não foram muito bem para Hamilton e Russell, que largaram lá atrás na Sprint e apenas Lewis foi ao Q3 da classificação referente à corrida. Hamilton largou bem, mas foi surpreendido pela McLaren de Norris e os dois ingleses passaram boa parte da corrida brigando e ficando numa espécie de pega-pega via rádio, onde um apontava o ‘track limit’ do outro, numa situação ao mesmo tempo curiosa e patética. No fim, Hamilton foi superado por Norris e foi um dos ‘Oito Odiados’ que foram penalizados após a prova.  Porém, chamou a atenção a forma como Toto Wolff entrou no rádio de Hamilton, o cortando várias vezes, revelando uma certa tensão dentro do castelo mercediano.

Outro que fez uma corrida anônima foi Alonso. Após seu pódio em Montreal, consequência do novo pacote da Aston Martin, Alonso esperava muito mais na Áustria, mas nem de longe o espanhol esteve perto do pódio, terminando apenas em sexto, que depois viraria quinto, superando a Mercedes, mas sendo amplamente superado pela Ferrari. Muitos fazem questão de apontar a diferença entre Max e Checo dentro da Red Bull, mas na Aston Martin, Stroll, que largou na frente de Alonso, tomou mais de 30s do companheiro de equipe. Uma diferença abissal, mas Lance tá nem aí. Afinal, quem terá peito dentro da equipe do papai para questiona-lo?

Gasly marcou pontos para a Alpine, mas os franceses, que recentemente venderam parte da equipe, estão em queda e se antes sonhavam em chegar na Mercedes, agora se preocupam com a chegada da McLaren, mesmo o time inglês só dando as novidades para Norris na Áustria, enquanto Piastri sofreu durante o final de semana e na corrida destruiu sua prova ao quebrar a asa dianteira numa disputa com Magnussen. A Haas mais uma vez colocou um carro (Hulkenberg) no top10 no grid, mas o ritmo de corrida da equipe americana é simplesmente horroroso, com Magnussen terminando em último e Hulk abandonando no começo da corrida, quando já iniciava seu declínio. Por sinal, Nico foi o único abandono do dia. Albon fez outra corrida para chamar a atenção, quase marcando pontos novamente com a sua Williams, sendo ultrapassado por Stroll apenas nas últimas voltas. A Alpha Tauri tem um sério problema de pilotos, com Tsunoda e De Vries saindo demais da pista e marcando pontos de menos. Enquanto isso, Alex Palou vai fazendo uma temporada dominante na Indy e o espanhol não esconde que um dia quer correr na F1.

Se não houve luta pela vitória, mérito para Verstappen. O neerlandês pode não admitir, mas já faz contas de quando comemorará o tricampeonato e hoje se isolou como o quinto maior vencedor de corridas na história da F1. E não nos espantemos se Max alcançar Prost ainda em 2023.

Na quinzena passada houve certa polêmica nas inevitáveis comparações entre Verstappen e Senna quando ambos empataram em número de vitórias na F1. Pode-se apontar um ponto superior a um e a outro, mas a forma como Max Verstappen fez questão de marcar o ponto da melhor volta para ‘varrer’ o final de semana austríaco mostra bem que o neerlandês já tem a mesma mentalidade vencedora que era uma das grandes características de Ayrton Senna.

Pena que todo esse show de pilotagem de Max Verstappen ficasse em segundo plano nesse domingo, pois faltou grama ao lado do asfalto do moderno circuito de Red Bull Ring…

Abraços!

João Carlos Viana