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Faltou grama
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Mais um desfile
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Assisti à última corrida do Canadá ao lado de meu pai, coisa que há tempos não fazíamos (culpa, em parte, da própria Fórmula 1, não é?). Ele está bastante desligado da categoria, acompanhando apenas o trivial quando não tem nada mais interessante (a final da Liga das Nações da UEFA começou mais tarde, quando a corrida já estava decidida). Pelo fato de o circuito ser bastante tradicional, pudemos comentar manobras, falar sobre o hairpin, relembrar o outrora “Muro dos campeões”, a última vitória de Piquet, o acidente de Kubica, as bolas na trave de Rubinho etc.

Num dado momento, ele me perguntou qual era o histórico de Senna na pista, vitórias, poles etc. Relembrei os números, mas enfatizei que duas de suas grandes exibições infelizmente resultaram em abandonos. Uma delas em 1989, uma corrida sob chuva torrencial que acabou em um motor quebrado a poucas voltas do final e, em último caso, seria determinante para o episódio de Suzuka ao final daquela temporada – ele não perdeu o título pela palhaçada do Balestre, infelizmente.

A outra, quatro anos depois, também resultou em abandono, mas foi uma das maiores largadas de Senna, talvez até mais impressionante do que aquela de Donington, dois meses antes, mas menos lembrada por, justamente, não ter resultado em vitória. Senna larga em oitavo e, em algumas curvas, já é quinto. Na sequência, realiza manobra arriscadíssima para superar o então jovem leão Jean Alesi.

Por conta de fatos vividos e relembrados como esses, acompanhamos com alguma expectativa a entrevista de Max Verstappen para Jenson Button, antes da cerimônia do pódio. Em nenhum momento imaginamos que Max sairia chorando como Schumacher fez em Monza, 2000, mas imaginávamos que ele talvez cumprisse o protocolo, algo como “Sim, é muito importante, foi um grande piloto, um dos maiores da história, são épocas diferentes, mas tudo que ele conseguiu foi muito especial”.

O próprio Max havia comentado sobre a possibilidade, alguns dias antes, dizendo que “(…) não dá pra comparar. As pessoas têm carreiras distintas e alguns conseguem um carro vencedor antes dos outros, e hoje em dia temos mais corridas (por ano) do que naquela época”. Ele concluiu dizendo quenão se importa com os números”, mas que é “um grande feito, sem dúvidas”.

No fim das contas, para o holandês pareceu mais importante que a Red Bull tivesse alcançado seu centésimo triunfo do ele chegar aos 41. Talvez seja o fato evocado por JC Viana em sua coluna sobre a corrida : “Max Verstappen já tem um certo distanciamento do mítico brasileiro, algo que Schumacher não teve.

Max tem apenas alguns meses a mais do que Senna tinha quando conseguiu sua vitória de número… 1. No entanto, ele já disputou mais corridas do que o tricampeão tinha quando venceu pela 41ª vez. Como entender essa matemática?

É sempre tentador usar números, quais sejam, para comparar atletas ignorando completamente o contexto no qual estão inseridos.

Em esportes essencialmente coletivos, como o basquete ou o futebol, essa complexidade passa por algumas adaptações das regras – o que era “falta” numa época e em outra, ou os graus de punição para cada uma delas (quando Pelé era torturado por portugueses na Copa de 1966 não havia cartão vermelho, e na NBA a famigerada falta flagrante só entrou em vigor nos playoffs de 1993) -, na maior presença da tecnologia para justamente melhor avaliar tais transgressões e evitar “injustiças” em marcações de gols, laterais, penalidades etc.

Por outro lado, em esportes essencialmente individuais, como a natação, o tênis ou o atletismo, alguns dos utensílios (sapatilhas, roupas, raquetes) irão mudar, mas o principal fator será mesmo a evolução da condição física dos jogadores – nos coletivos isso também irá ajudar, é claro –, que terão preparações muito específicas para cada fase do ano, adaptações ao clima local, às condições de jogo (ambientes fechados ou abertos, tipos de piso, tamanho e distância das piscinas etc.)

Já no automobilismo – sobretudo a nossa querida Fórmula 1 -, que se situa como um híbrido entre o coletivo (já que é um binômio, carro-piloto, e há a influência gigantesca dos engenheiros) e o individual (posto que é possível perceber o abismo que sempre houve entre os gigantes e seus companheiros de equipe, exceto quando dois de mesma estirpe dividissem os boxes), é preciso observar muito mais nuances do que simplesmente atrelar os recordes à “evolução humana” ou, pior, a uma “maior qualidade nos mais vencedores”.

No livro “A Face do Gênio”, de Christopher Hilton, publicado ao final de 1991, há um bom debate que podemos transpor para Max em comparação a Ayrton. Na página 8 (Ed. Rio Fundo, 1994), há uma citação de Peter Warr: “Clark teria sido tão bom na era Senna e vice-versa? A resposta: Senna teria sido tão então como é agora porque poderia manipular os carros sem nenhum problema, e eu imagino que Clark teria sido tão bom quanto Senna na era hi-tech, onde se tem que ler o combustível, ajustar o botão de reforço, comunicar-se pelo rádio com o boxe, e por aí adiante”.

Mais à frente, em citação do próprio autor, temos: “Senna redefiniu as possibilidades do carro hi-tech. É isso que ele fez em sua era e, claro, ele é um prisioneiro dela, assim como Clark foi da sua, ou Juan Manuel Fangio antes de Clark. Você só pode pilotar o carro que lhe dão. É difícil acreditar que algum homem pudesse ter pilotado mais rápido do que Senna; com mais habilidade, talvez, mais estilo, mais consciência técnica, mas não mais rápido; e velocidade é o que importa porque, para vencer, você tem que andar mais rápido do que quem vem diretamente atrás.

“É certo que, quanto mais os carros são planejados e construídos por computadores, menor o raio de ação deixado para o estilo. As pessoas lembram a habilidade consumada de Clark para controlar a flutuação da Lotus 49, mas um carro moderno de Fórmula Um simplesmente não irá flutuar: ele gruda. E, como Warr disse, agora existem todas aquelas outras coisas no cockpit (…). Isso não diminui Clark, mas, decerto, tampouco diminui Senna”.

Ora, o início dos anos 90 representou o ápice da tecnologia embarcada, e discussões sobre o “valor do piloto” eram tão reais como são agora. Os famosos chavões do tipo “era mais no braço” etc. já eram muito fortes ainda no final dos anos 80. Nesse sentido, talvez seja a mudança natural dos tempos que nos faz assumir as posições do tiozão do pavê e seu velho “no meu tempo” para relativizar Vettel, Hamilton e, agora, Max Verstappen.

Minha visão? Parafraseando Warr, Max teria sido tão bom quanto Senna nos anos 80 e 90, e Senna seria tão dominante quanto Max é hoje. Mas, citando Hilton, eu sou daqueles que lembram da habilidade consumada de Senna para controlar o seu McLaren MP4/8 no início do GP de 1993…

Abraços!

Marcel Pilatti

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

4 Comments

  1. Thanks for sharing. I read many of your blog posts, cool, your blog is very good.

  2. Uirassú Ribeiro dos Santos disse:

    Meu querido Marcel … Me faltam palavras para elogiar este seu Trabalho Jornalístico e Histórico, pois poucos teriam a capacidade de sintetizar, desta sua forma tão esclarecedora e imparcial, os verdadeiros fatos que muitos leitores ainda desconheciam … Parabéns e receba o meu abraço afetuoso deste que te conhece desde a sua mais tenta idade e pode acompanhar, mesmo à distância, a sua evolução e crescimento cultural e intelectual … Que Deus te abençoe e proteja sempre … Amém 🙏

  3. Leandro disse:

    Muito bom! Parabéns pelo texto.

    caí num equívoco que tenta comparar épocas diferentes, pois cada personagem é fruto da própria época que viveu.

  4. Fernando Marques disse:

    Marcel,

    uma coisa é mais que certa em relação a evolução tecnológica que começou a vigorar a partir dos anos 90 na Formula 1. Ela nivelou os pilotos por baixo. Lembra do cambio borboleta? Lembra do controle de giros do motor? … Quem errava marchas, estourava o giro do motor (e o motor idem) não errava mais … e daí pra frente a tecnologia a cada ano se incorpora mais e mais nos carros …
    Nelson Piquet perguntado uma vez sobre assunto disse que hoje em dia o piloto precisa apenas guiar e ser rápido … se precisar economizar pneu, combustível, seja lá o que for ele recebe uma instrução pelo rádio para apertar um botão no volante e pronto … vai economizar o que precisa ser economizado restando ao piloto apenas ser mais rápido dentro das condições que lhe impôem …
    Acho que essa opinião esclarece de forma bem clara qual o papel do piloto e seu carro numa corrida Formula 1.
    Daí penso que não pode haver comparações entre gerações.
    Senna certamente foi o mais veloz piloto que a Formula 1 teve, mas rápido igual a ele muitos foram na sua época por ser mais regular. Exemplo: Alain Prost sabia que não era veloz como Senna mas era um relógio nas pistas. sempre virava os mesmos tempos de volta numa corrida e no fim na média chegava na frente. Ou seja acabava sendo mais rápido. Questão de estilo.
    Eu penso que Senna nos anos 60, 70 e mesmo no inicio dos anos 80 não teria obtido os mesmos resultados que teve na carreira. Simplesmente o carro ia quebrar. Ronnie Perterson certamente foi o mais veloz nos anos 70 e depois Gilles Villenueve idem. Não foram campeões mundiais por que não tinha carro que aguentasse as suas tocadas. quebravam na maiorias das corridas.
    Jim Clark é até uma excessão, pois conseguiu ser 2 vezes campeão, mas poderia ter sido 5 ou 6 se não fosse as fragilidades dos carros na sua época. Fangio foi 5 vezes campeão mas nunca li nada a respeito que ele era o mais veloz …
    Senna teve uma Mclaren/Honda que até resistiu muito a sua maneira e tocada de guiar … hoje em dia os carros praticamente não quebram
    Senna ser considerado o mais habilidoso piloto da história … concordo … o mais completo … discordo tranquilamente … a Formula 1 a meu teve pilotos bem mais completos que ele num todo … Piquet, Lauda, Stuwart são exemplos … até o Emerson …
    Schumacher e todos os outros campeões que a Formula 1 teve a partir dái então, passam longe do conceito piloto completo … muito rápidos e velozes, habilidosos sim … completos? … talvez não pois a tecnologia não lhes permitiram o desenvolvimento desse aspecto …
    O que eu acho legal nisso tudo é que mesmo não sendo campeões esses pilotos foram endeusados como grandes pilotos … pena que todos eles, tido como velozes tenham morrido nas pistas

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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