INTERLAGOS ESTÁ ACABANDO

Interlagos
23/11/2001
Lutando contra a Lei dos Grandes Números
28/11/2001

Edu,

Na sexta-feira passada, você comentou que o autódromo de Interlagos está um caco. Pois bem. Estive lá no dia seguinte e pude constatar que ele está muito pior do que isso. Na verdade, nosso autódromo está se dissolvendo em algumas partes e sendo completamente destruído em outras.

Quem vai a Interlagos fica pessimamente impressionado. Basta estacionar e ir para a área dos boxes para ver montes de sujeira e entulho. Os estacionamentos estão cheios de pregos enferrujados espalhados pelo chão. Instalações utilizadas somente em época de GP ficam sujas e abandonadas nos meses seguintes.

Isto é o que se vê apenas indo do estacionamento para os boxes. No sábado, tive a oportunidade de entrar mato adentro e ir para o meio da pista. O panorama é desolador. O retão foi espetado por postes para servir de pista de testes do “fura-fila”, o fracassado projeto de ônibus rápido do ex-prefeito Celso Pitta. A Curva do Sol virou estacionamento de caminhões e ônibus de apoio às equipes. E, ao que parece, as administrações não se cansam de estragar o pouco que restou do traçado original do autódromo. A curva do Sargento, uma das poucas que estavam intocadas, foi parcialmente destruída para a instalação de quadras esportivas. Outra quadra esportiva foi construída no “bacião” ao lado da reta oposta – um lugar isolado e de difícil acesso para quem quiser praticar futebol, vôlei ou qualquer outro jogo de quadra. Para isso, foi destruída parte da vegetação nativa que ainda existe no “miolo” entre as curvas do Sol e do Lago. Banheiros, sala de imprensa e boxes estão igualmente em estado de abandono.

Infelizmente, Interlagos é o retrato perfeito da cidade de São Paulo: está sujo, semidestruído e com sérios problemas estruturais. Também traduz com perfeição a mentalidade e a política de ocupação que há décadas impera nesta cidade – ou seja, para construir alguma coisa nova, é preciso destruir outras que já existem, como se o antigo e o novo não pudessem conviver pacificamente.

É uma pena. Pela idade, pela tradição e pelos eventos que já sediou (não apenas corridas, mas também shows musicais e, por que não, eventos religiosos), o autódromo de Interlagos poderia fazer parte do patrimônio sentimental de São Paulo, mais ou menos como o Estádio do Pacaembu, o Parque do Ibirapuera e o Aeroporto de Congonhas. Em vez disso, ele é cada vez mais descaracterizado e depreciado. É de cortar o coração.

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Ainda Interlagos: você citou em sua carta dados que mostram como o autódromo paulistano está obsoleto para a F 1 atual. Isso é inegável. Mas quero chamar a atenção para o fato de que temos aqui no Brasil um dos autódromos mais antigos e talvez um dos cinco ou seis primeiros construídos no mundo.

Quando eu falo “autódromo”, refiro-me a locais construídos especificamente para abrigar corridas de automóveis e excluo circuitos como Spa, Le Mans e outros, que eram formados por estradas interligadas. Interlagos foi inaugurado em 1940 (era para ser em 1939, mas uma tempestade atrapalhou os planos). Quantos autódromos existiam até então? Brooklands, na Inglaterra, foi inaugurado em 1907 (o primeiro autódromo do mundo; foi destruído durante a Segunda Guerra Mundial e não mais recuperado); Indianapolis é de 1909; Monza é de 1922 ou 1923; e temos Monthléry, na França, aberto em algum ponto das três primeiras décadas do século 20. Havia ainda os famosos ovais de madeira existentes aos montes nos Estados Unidos nos anos 20, mas estes duraram uma década, se tanto.

Além dos autódromos já citados, talvez tenham sido construídos mais um ou dois no mundo até a inauguração de Interlagos. O projeto original era espetacular: haveria restaurantes, parques, muito espaço para estacionamento (um deles seria onde foi construído o kartódromo) e um ginásio esportivo (ficaria por dentro da curva do Sol). A falta de dinheiro e, depois, a ocupação desordenada daquele bairro tornou impossível concretizar todos esses planos.

Como traçado, Interlagos seguia as tendências daqueles poucos autódromos da época. O anel externo tinha longas retas ligadas por curvas inclinadas. A novidade era o “miolo” que reproduzia curvas variadas (de alta, de baixa, em subida, em descinda) encontradas nos circuitos de estrada. Essa “fusão de estilos” fez o traçado original ser único no mundo, admirado e desafiador para os melhores pilotos. Tudo isso acabou no final de 1989, quando foram iniciadas as reformas para trazer a F 1 de volta a São Paulo.

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Quanto à Mercedes-Benz, que “criou” Schumacher apenas para depois entregá-lo de bandeja a outras equipes, não vejo nenhum mistério, mas uma grande bobeada. Lembro-me bem que, durante todo o ano de 1991, havia muitos rumores de que a Mercedes-Benz entraria na F 1 em futuro próximo, com uma equipe própria. Ainda no final daquele ano ou começo do seguinte, a Mercedes divulgou um comunicado oficial desmentindo a intenção de entrar na F 1 nos anos seguintes. Na mesma época desse comunicado, Schumacher assinou contrato de três anos com Flavio Briatore. Esse contrato foi cumprido integralmente e só então o alemão foi para a Ferrari.

O mais estranho, porém, é que ainda em meados de 1992, poucos meses depois de afirmar categoricamente que não entraria na F 1, a Sauber começou a testar seu carro para estrear na F 1 no ano seguinte. E esse carro era devidamente equipado com motor Mercedes… Mais: durante (1992, 1993 e 1994) anos, a Mercedes injetou muito dinheiro na Sauber. Só em 1995 a fábrica bandeou-se para a McLaren.

Estranho, né? Não tenho uma explicação exata nem oficial para um zigue-zague de atitudes tão grande em tão curto espaço de tempo. Mas posso “chutar” algumas hipóteses: 1) A Mercedes pode ter percebido que a melhor maneira de recuperar o investimento feito em corridas era entrar na F 1 e aproveitar seu esquema promocional; 2) O mercado de automóveis de luxo não estava lá essas coisas no começo dos anos 90, mas a empresa pode ter detectado sinais de melhora para curto prazo (o que realmente ocorreu a partir de 1993-1994); 3) Mudanças de diretoria sempre influem no posicionamento das empresas quanto a este ou aquele assunto. Isso pode ter acontecido naquela época; 4) Todas as anteriores e mais algumas que sequer imaginamos…

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Uma notícia muito triste para todos nós: o ex-Beatle George Harrison está em estado terminal e sua morte é questão de dias. George luta há anos contra um câncer no cérebro e, ao que parece, não há mais o que possa ser feito para salvar sua vida.

George Harrison foi o primeiro integrante dos Beatles a vir para o Brasil. Ele esteve aqui para o GP de 1979, em Interlagos (até nisso o nosso autódromo tem história!), e foi uma das personalidades mais assediadas nos boxes (naquele mesmo ano, estiveram aqui o ator Gene Hackman e a atriz Sydne Home; no ano anterior, fora a vez de Rod Stewart). Dessa visita a Interlagos nasceu a capa do disco “Faster”, que mostra o asfalto do autódromo paulistano.

Fã de automobilismo, George Harrison era presença certa todos os anos nos GPs da Inglaterra e da Austrália. Certa vez, ele brincou: “Vocês sabem, sem minha presença não tem GP da Inglaterra”.

Boa semana,

Panda

GPTotal
GPTotal
A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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