Mantendo as tradições

Esperança
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A Lição
08/06/2023

Ainda antes da largada, as câmeras da F1 já mostravam o céu carrancudo em Barcelona. Afinal, foi a chuva que deu uma pitada de emoção semana passada em Monte Carlo e para quem acompanha minimamente a F1, sabe que uma corrida em Barcelona normalmente é sinônimo de corrida aborrecida. Então, quem sabe uma chuvinha para salvar o que vinha por aí, correto?

No entanto esqueceram de combinar com São Pedro e o Grande Prêmio da Espanha desse domingo seguiu as tradições dos outros anos, onde a corrida foi um longo bocejo em uma prova amplamente dominada por Max Verstappen. ‘Ah, mas houve várias ultrapassagens hoje’, alguém argumentará. Basta olhar com mais atenção que mais de 90% das ultrapassagens ocorreram com o DRS aberto, que fez uma grande diferença na longa reta dos boxes de Barcelona, principalmente com a possibilidade dos carros chegarem colados após as duas curvas rápidas, trazidas de volta após longos e tenebrosos anos, onde uma apertada e horrorosa chicane tentou dar emoção às corridas no circuito de Montmeló, mas que acabou ocorrendo justamente o contrário.

E se houve ultrapassagem, Max Verstappen não viu nem pelo retrovisor, com o neerlandês dando outro passeio no parque.

Barcelona pode não ser muito legal com os fãs da F1, mas os engenheiros adoram a pista catalã, sendo bastante utilizada para testes. Há a certeza de que se um carro de F1 funcionar muito bem em Barcelona, funcionará bem em todas as pistas do calendário. Agora adivinhem quem é o projetista com mais vitórias em Barcelona? Hoje foi a décima quarta vitória de Adryan Newey em diferentes equipes no circuito de Montmeló. E tendo construído um carro que já caminha para a história da F1, Newey viu seu Red Bul RB19 conseguir sua vitória mais tranquila até o momento em 2023.

Sem a esperada chuva, a corrida transcorreu com pista seca e sem grandes arroubos de emoção, com Max Verstappen só tendo interrompido seu ‘sunday drive’, mesmo que levemente, na largada. A diferença da Red Bull para as demais equipes é tamanha hoje em dia, que os austríacos se dão o luxo de montar pneus mais duros em seus carros e ainda assim Max conseguir uma vantagem considerável para o resto do pelotão. Largando com pneus médios, enquanto os pilotos ao seu redor saíram com pneus macios, Verstappen teve que lidar com os ataques de Sainz nos primeiros metros da corrida, mas ao controlar o piloto da casa, Max colocou o braço para fora, sintonizou em seu rádio toca-fitas ‘Hotel California’ e passeou por 306 km na pista de Barcelona. Houve uma bandeira alvinegra para Max por causa dos famigerados ‘track limits’? Max nem sabia aonde tinha sido sua pisada fora da linha. Verstappen ainda se informou para marcar a volta mais rápida e garantir o Grand Chelem, onde marcou a pole, fez a volta mais rápida e venceu após liderar a corrida de ponta a ponta. Sem contar que Max liderou todos os treinos livres na Espanha. Uma exibição de gala em sua vitória de número 40, onde Max Verstappen parecia entediado até mesmo no rádio pós-corrida.

Se nada aconteceu lá na frente, as movimentações da segunda posição para trás mostrava que o novo pacote de atualização da Mercedes significou um passo à frente para a trupe de Toto Wolff e companhia. Lewis Hamilton largou bem e tomou a terceira posição de Lando Norris, mas acabou levando um toque do compatriota na segunda curva e talvez com receio de ter um furo de pneu, praticamente não ofereceu resistência à Lance Stroll na luta pela terceira posição. Com seu Mercedes em perfeito estado, Lewis atacou o canadense e rapidamente se aproximou de Sainz.

Hamilton perseguiu brevemente Sainz antes do ferrarista ir aos pits pela primeira vez. Hamilton preferiu ficar na pista mais tempo com os macios, num ritmo muito bom, deduzindo um ótimo trabalho do veterano na administração dos pneus. Ao fazer sua primeira parada, Hamilton voltou atrás de Sainz com os médios, mas rapidamente se aproximou novamente do espanhol para lhe tomar a segunda posição sem maiores problemas e ficar por ali até o fim da corrida, mesmo que tendo que fazer uma segunda parada, se defendendo de qualquer gracinha de quem vinha atrás dele. Para completar a festa ‘mercediana’, Russell saiu de 12º para terceiro com um ritmo igualmente muito bom. George teve sorte em sair da pista na primeira curva, pois ao pegar o atalho que está ali por regulamento, Russell saiu mais embalado da curva 3 e ganhou boas posições ainda na primeira volta. Mesmo tendo confundido seu suor com chuva, Russell tinha mais ritmo em seu Mercedes e não teve que se preocupar com Sergio Pérez para garantir um pódio duplo da Mercedes. Como falado anteriormente, a diferença da Red Bull para as demais hoje é tamanha, que mesmo fazendo uma corrida praticamente incógnito, Checo chegou em quarto sem fazer muita força.

Com a Mercedes dando um grande pulo com seu pacote, a Ferrari ficava ainda mais para trás. O bom primeiro stint de Sainz não lhe serviu para nada por causa da notável falta de ritmo de corrida da Ferrari, além do notório alto desgaste de pneus provocado pelo carro italiano. Sainz foi ultrapassado facilmente pela dupla da Mercedes e por Pérez, garantindo um quinto lugar com sabor agridoce para o piloto da casa. Largando dos pits por causa de sua classificação bisonha, Leclerc nem de longe fez uma corrida de recuperação avassaladora, terminando por ficar fora dos pontos. Um final de semana para esquecer para a turma de Maranello!

Correndo em casa, Fernando Alonso chegou até mesmo a dizer ter oportunidade de lutar com Verstappen pela vitória em Barcelona, mas tudo desandou para o piloto da Aston Martin quando errou na classificação e ao ‘surfar’ na brita ao sair da pista, Alonso estragou tanto seu assoalho que acabou largando atrás de Lance Stroll, algo notável pela grande diferença de pilotos existente dentro da Aston Martin. Stroll efetuou uma grande largada, chegou a sonhar com o pódio, mas as limitações do canadense ficaram evidentes com o passar da corrida. Somente o fato de ser filho do dono não fez Stroll perder mais uma posição, pois Alonso vinha mais rápido nas voltas finais, mas amargou uma sétima posição em casa. A Aston Martin se glorifica todo dia por ter Stroll pai no comando e pragueja por ter Stroll filho no volante.

Ocon esteve longe do brilhantismo mostrado em Mônaco, mas marcou bons pontos com a Alpine, enquanto Gasly, duplamente punidos por seguidos blocks distribuídos durante a classificação, só pontuou pela polêmica punição aplicada à Tsunoda no final da corrida. O japonês se defendia de Zhou e o piloto da Alfa Romeo saiu ligeiramente da pista após Tsunoda ‘alargar’ sua curva. Coisa de corrida. Vamos correr meninos. Zhou xingou, como eu faria, mas sou capaz de apostar que ao ver a manobra, Zhou entenderia e faria a mesma coisa se estivesse na mesma situação de Tsunoda, mas a FIA não entendeu dessa forma e puniu de forma inacreditável o japonês da Alpha Tauri, o tirando da zona de pontuação.

Enquanto marcou pontos importantes para a Alfa Romeo, Zhou viu seu badalado companheiro de equipe Valtteri Bottas andar constantemente nas últimas posições, numa exibição abaixo da crítica para alguém que até pouco tempo brigava por vitórias. Ok, só quando Hamilton deixava, mas Bottas estava por ali. A predisposição atual de Bottas para mostrar o traseiro não deve estar fazendo bem ao nórdico. Já Lando Norris estragou o final de semana da McLaren com um toque totalmente evitável em Hamilton ainda na primeira chicane, transformando um ótimo terceiro lugar no grid na última posição. O que chamou ainda mais atenção foi, asa dianteira quebrada trocada, Norris em nenhum momento teve um deslumbre de repetir o que fez no sábado, acabando por terminas nas últimas posições. Se fosse dono de um haras em Barcelona, colocaria o nome de Norris em um cavalo vindo do Paraguai…

No final dessa semana Emerson Fittipaldi nos contou uma bela história sobre sua vitória pela Indy em Detroit, na última passagem feita no circuito de rua no centro da cidade em 1989, antes da mudança para Belle Island. Tentando achar uma vantagem, Emerson ligou para Ayrton Senna, vencedor das últimas três corridas de F1 na mesma pista, e perguntou se tinha algum segredo para vencer na ondulada pista de Detroit. “Coloquei a barra estabilizadora muito dura na McLaren.” Parecia um absurdo, mas Emerson copiou em seu Penske o acerto feito por Senna na F1 e Fittipaldi conseguiu uma de suas melhores vitórias na Indy.

A Indy retornou para o mesmo local da antiga pista de rua em Detroit, mas com um traçado bem diferente. A única coisa igual foi a ondulação…

E assim Barcelona viu mais uma corrida aborrecida em sua já longa história e mais uma vez um carro projetado por Adryan Newey dominou na pista catalã. Algumas semanas atrás foi falado que Madri estaria negociando com a Liberty para ingressar no concorrido calendário da F1 com um circuito de rua. Sabendo a grande rivalidade entre Madri e Barcelona, seria um golpe e tanto nos catalães, mas assistindo a mais uma corrida completamente sem sal na pista de Montmeló, talvez uma mudança para Madri não seja assim tão ruim.

A dominante vitória de Max Verstappen só reforça as tradições de corridas ruins em Barcelona, independente da geração de carros, motores e pilotos. Com adversários com equipamentos muito mais fracos que o seu e um companheiro de equipe muito abaixo, Max Verstappen vai transformando essa temporada de 2023 no que foi a corrida desse domingo: um grande passeio.

Abraços!

João Carlos Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    J.C. Viana,

    consegui ver toda a corrida … achei com DRS ou não a corrida divertida do segundo colocado para trás … afinal houve disputas pelas posições … o que me fez analisar que a corrida não foi nem tão chata e nem tão entediante (no fim achei sim) …

    Falando em Fittipaldi, seu neto brilhou na Formula 2 neste fim de semana em Barcelona … ao menos seu segundo lugar foi bastante comemorado pelo Reginaldo leme

    Fernando marques
    Niterói RJ

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