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A 18a. edição do GP da França teve lugar em Reims-Gueux, um circuito de estrada existente há 7 anos, com o mesmo conceito de Spa-Francorchamps.

Compreendia três estradas. A D27, praticamente uma longa reta, com largada/chegada no meio, que terminava em uma curva de 90º, para a direita, em Gueux. A seguir vinha uma pequena reta, uma curva leve para a direita, outra reta um pouquinho mais longa, com outra curva um pouco menos leve à direita, chamada La Hovette, na estrada D26, seguida por outra reta pouca coisa mais longa. Uma curva suave à esquerda, mais uma reta curtinha e chegava-se a outra curva de 90º, à direita, La Garenne. A reta seguinte, longa, era a estrada RN31, que terminava na curva La Thillois, tipo grampo, para a direita, ligando com a D27.

Até essa edição Reims-Gueux era tido como um circuito de exatos 8 km. No entanto, o legendário jornalista e criador da prova 24 Heures du Mans, Charles Faroux, descobriu que na verdade tinha 7.826,90m.

Ele revelou esse fato em um duro artigo publicado em L’Auto, o que gerou um escândalo.   Não havendo tempo hábil para estabelecer nova base de cálculo, com enorme constrangimento os organizadores tiveram que assumir o erro e corrigir as velocidades médias posteriormente.

A prova, com as costumeiras 5 horas de duração, valia para o Campeonato Europeu, que por sua vez equivalia ao campeonato mundial posterior à 2a. Guerra, uma vez que reuniam o que havia de melhor no automobilismo.

Quem participasse do GP da França automaticamente poderia se inscrever no GP da Alemanha, a terceira e última prova desse campeonato.

Tendo sido derrotada na prova anterior, GP da Italia, a expectativa era que a Bugatti reagisse, dando o devido troco, correndo em casa. E assim a montadora de Molsheim alinhou duas T54, 5,0L para Achille Varzi e Albert Divo, e uma T51 2,3L para Louis Chiron. Todas as equipes eram obrigadas a ter um piloto reserva. Bartolomeo “Meo” Constantini, o chefe da equipe oficial Bugatti, escolheu Guy Bouriat para essa função.

A Alfa levou 3 das suas novas P3 tipo B monoposto, 2,650L, para Tazio Nuvolari, Mario Umberto “Baconin” Borzacchini e… Rudolf Caracciola. Prova de que Aldo Giovannini, o chefe da equipe, já detectava o imenso talento do piloto alemão. Giuseppe Campari ficaria como reserva. Todos os motores, independente da capacidade cúbica, adotavam o conceito 8 cilindros em linha habitual da época.

Como a Maserati decidiu não participar a batalha seria praticamente um duelo, o que supostamente favoreceria a Bugatti.

Além das tropas regulares havia o habitual contingente de franco-atiradores.

Pilotos que tinham dinheiro suficiente para comprar um carro de ponta ou quase isso.

Traduzindo para os tempos que correm, seria como se pudessem comprar um Red Bull, Ferrari ou Mercedes deste ano ou do ano anterior e montar sua própria equipe.

Imagino que gente como Guenther Steiner e Otmar Szafnauer adorariam fazer isso.

Vai que alguém da frente quebra ou se acidenta, o que era comum, e a glória se materializa.

E assim a Bugatti se fazia representar também por competidores de prestígio, como Marcel Lehoux, com uma terceira T54, “Williams”, René Dreyfus, Jean Gaupillat e Maxi Fourny  todos estes com a T51 de 2,3L. A Grã-Bretanha foi representada por Earl Howe, com a quarta T54, tendo Hugh Hamilton como seu reserva.

O esquadrão independente da Alfa Romeo não ficava atrás, com carros equivalentes às T51, as Monza de 2,3L: Phillippe Etancelin, Jean-Pierri Wimille, Goffredo “Freddy” Zehender e Pierre Félix, com Robert Girod na sua reserva.

O domingo amanheceu lindo, com sol forte, e isso atraiu uma multidão, calculada em cerca de 100 mil pessoas.

A primeira fila do grid foi formada por Fourny, Etancelin e Gaupillat. A segunda, pelos eternos rivais, Tazio e Achille. A terceira, Zehender, Caracciola, Wimille. A quarta Baconin e Howe. A quinta Divo, Lehoux e Chiron. A quarta Dreyfus e “Williams”, com Félix fechando o grupo.

Cabia ao presidente do Automóvel Clube da França, Visconde Rohan, baixar a bandeira quadriculada.

Seu clube e dois outros contribuíram com 50 mil francos cada para premiar os competidores.

O vencedor levaria 75 mil, o segundo 40 mil, o terceiro 20 mil, o quarto 10 mil e o quinto 5 mil.

Baixada a bandeira, Caratsch larga espetacularmente e ultrapassa Tazio e Achille antes mesmo de chegar à curva Gueux.

Pouco mais de 3 minutos se passam e a multidão, escutando o ruído dos motores aumentando, espreita o início da reta. E Caracciola continua na liderança!

Marca 3m21s, mas sem vida fácil, Varzi e Gaupillat estão colados na traseira de sua P3.

Pouco mais atrás vem “Williams”, também com uma excelente largada, seguido por Nuvolari, Baconin, Etancelin, Chiron, Wimille, Fourney, Dreyfus, Howe, Divo, Felix e Lehoux.

A Alfa de Zehender pega fogo na altura da curva La Garenne mas, demonstrando sangue-frio, ele consegue vir até os boxes. Os mecânicos descobrem que o problema está no carburador e  o trocam, levando seis minutos nessa operação. Lembrando que nessa época não existiam ferramentas pneumáticas, elétricas, muito menos a bateria. Freddy volta à pista e fica mais fácil identificar seu carro, é aquele com a pintura toda chamuscada.

Enquanto isso, lá na frente Rudolf segue líder, com Achille em sua cola.

“Williams”, comprovando sua qualidade, marca o melhor tempo até o momento, 3m02.5s, na segunda volta.

Na terceira Caratsch vira em 3m5s, média de 152.346km/h, Varzi sempre ali. Baixa para 3m03s, média de 154.011 km/h na quarta, Achille 5 metros atrás.

Na volta 5 Nuvolari já aparece em terceiro. É seguido por Borzacchini, “Williams”, Chiron, Wimille, Dreyfus, Divo, Etancelin, Fourny, Gaupillat, Félix, com Lehoux (tinha parado para trocar uma roda amassada antes), Howe (parada para checar o carburador, perdendo 1m37s) e Zehender mais atrás.

Na volta seis Varzi começa a virar mais lento. Mais 2 voltas e Tazio, Borzacchini, “Williams” e Chiron passam por ele. “Não é possível, só pode estar com problemas”, é o que se comenta nas arquibancadas.

Mais duas voltas e o público se agita novamente: Nuvolari passa Caracciola bem em frente as arquibancadas, com tempo suficiente para fazer um gesto cumprimentando o amigo e colega.

Nessa volta ocorre a primeira troca de piloto. Girod assume o lugar de Félix, troca feita em 56s.

Na 12a. volta já é tempo de Nuvolari dar outro show, bater o recorde de volta com 3m cravados, média de 160km/h. A suspeita se confirma e Varzi abandona, com um rolamento quebrado na caixa de câmbio. Péssima notícia para a Bugatti e para a torcida.

As esperanças da equipe oficial agora se depositavam em Chiron, com a confiável mas menos potente T51, uma vez que Divo não conseguia escalar. O monegasco ocupava a quinta posição, atrás de Nuvolari, Caracciola, Borzacchini e “Williams”. Atrás dele vinham Wimille, Dreyfus e Divo, os demais mais atrás.

Etancelin tomou uma volta do trio da Alfa, tentou seguir Baconin mas não tinha ritmo para isso.

Na volta 18 Rudolf reassumiu a ponta, mas as 3 Alfa andavam juntas, como uma formação de aviões de caça em dia de parada. Na volta 19 a novidade é que Tazio tinha voltado à liderança, abrindo 50m de vantagem sobre os colegas. “Williams” continuava sendo o primeiro dos demais, seguido por Chiron, Dreyfus, Wimille, Divo, Etancelin, Lehoux, Gaupillat, Fourny, Zehender, Howe e Félix/Girod.

20a. volta e Rudolf reaparece na liderança. Em mais uma má notícia para a Bugatti, Gaupillat volta a pé para os boxes.

10 voltas mais, a ordem é Caracciola, Baconin, Tazio, “Williams”, Chiron, Dreyfus, Wimille, com Lehoux, Divo e Etancelin uma volta atrás. Cenário piora para a Bugatti: assim como Varzi, Howe tem problemas na caixa de câmbio, só engata primeira e terceira. E assim já está 2 voltas atrás dos ponteiros. Atrás dele somente Fourny, Girod e Zehender.

E nem estavam na metade da prova.

Parando para reabastecer e trocar 2 pneus na 34a. volta “Williams”, o melhor piloto Bugatti até o momento, cai para o sétimo posto.

A volta 38 corresponde a 2 horas de prova.

Zero ameaça para a Alfa: Nuvolari, agora na ponta, já pode diminuir o ritmo, fazendo 152,430 km/h de média, seguido por Rudolf, Baconin, Chiron, Dreyfus, Wimille, “Williams”, Lehoux, Etancelin, Fourny, Félix/Girod, Howe, Zehender e Divo.

Nessa volta Howe pára para reabastecer e Girod devolve o volante a Félix.

“Williams” tem um pneu danificado na volta seguinte, vem para os boxes e assim toma uma volta do trio Alfa. Na 45a. volta apenas Chiron e Dreyfus ainda não tomaram uma volta.

Com duas horas e meia de prova começam as paradas previstas.

Tazio reabastece e troca pneus. Volta à pista 1m40s depois, atrás de Chiron.

Este pára em seguida, voltando após 1m16s.

Dreyfus tem problemas e sai com 2m15s de atraso.

Caracciola iguala Nuvolari, 1m40s. E assim Borzacchini finalmente assume a ponta.

As paradas continuam. Fourny leva 1m55s, Etancelin, com problemas na embreagem, 3m16s.

Earl Howe é o recordista do momento nesse quesito, gastando 6m57s, porque trocou as lonas do freio e cedeu lugar para Hugh Hamilton.

Quando chega sua vez, Borzacchini perde apenas 1m30s e assim volta na ponta, 49a. volta.

Na volta seguinte a ordem é Borzacchini, Nuvolari, Caracciola, Chiron, “Williams” e Dreyfus.

Nuvolari repete o tempo recorde que tinha assinalado mais cedo, 3m cravado.

Quando se preparava para ultrapassar uma Bugatti antes de Gueux, Zehender é obrigado a dar uma guinada e com isso sua Alfa derrapa, ficando momentaneamente em duas rodas. Ele consegue por as 4 rodas de volta ao solo mas fora da pista, percorre um trecho de grama, atravessa uma cerca-viva e consegue retomar ao circuito. Mais uma demonstração de invejável auto-controle. Os mecânicos levam 1m34s para remover as folhagens engastalhadas na frente do carro e ele, inabalável, retoma a corrida.

Mais uma Bugatti de 5,0L abandona. Divo, pouco antes do grampo La Thillois fica sem combustível, porque o tanque estava vazando.

Wimille também fica sem combustível no meio do circuito, mas devido a um erro de cálculo.

Com as paradas no boxe, previstas e imprevistas, na 56a. volta a ordem era Nuvolari, Caracciola, Borzacchini, Chiron, “Williams”, Dreyfus, Etancelin, Fourny, Howe/Hamilton, Félix/Girod e o bravo Zehender.

Média de Nuvolari: 151,434 km/h.

Na volta 60 Howe passava diante das arquibancadas quando uma peça de uma de suas rodas se desprendeu e voou até atingir o ombro de um fotógrafo, felizmente sem grandes consequências além do inglês ter que trocar a roda na volta seguinte.

Fourny abandona na volta 62.

Na 64 “Williams” vem aos boxes para trocar rodas e cede o quinto posto para Dreyfus.

Na volta 65, apesar de seus esforços, Chiron toma uma volta do trio italiano.

Assim como Etancelin, mais cedo, ele ainda tenta acompanhar Borzacchini mas… sem chance. Por sua vez Etancelin tem a caixa de câmbio quebrada na volta 71.

Volta 77, 4 horas de prova. Nuvolari vira em 152,161 km/h, seguido por Caratsch, Baconin, Chiron, Dreyfus, “Williams”, Zehender, Félix/Girod e Howe/Hamilton.

A idéia de demonstrar cabalmente superioridade nas pistas, produzindo uma foto com os 3 carros dominantes recebendo a bandeirada em formação vem de muito antes de uma certa equipe Ford em Le Mans, década de 60.

Vittorio Jano, o mais graduado executivo da Alfa ali presente determina que os 3 carros vermelhos cruzem juntos a linha de chegada.

Na última volta, sinalizam para Tazio esperar os dois colegas. Mas o mantuano, habituado a se empenhar sempre ao máximo, finge que não é com ele e segue no seu ritmo.

Baconin, conhecendo bem o colega, aperta o ritmo, seguido por Rudolf. Atrás deles, Chiron, Dreyfus, “Williams”, o valente “Freddy” Zehender (fosse hoje provavelmente seria votado o piloto do dia), Félix/Girod e Howe/Hamilton.

Mais uma vez as T54 decepcionavam e as T51 provavam ser impotentes para enfrentar as novas P3/B de Portello, que se mostraram velozes e confiáveis.

Deve ter acabado o estoque de aspirina no trajeto entre Reims e Molsheim.

Até o próxima

Carlos Chiesa

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Chiesa

    Clap!!!
    Clap!!!
    Clap!!!

    Que belas as fotos da Bugatti e da Alfa Romeu …

    … “Quando se preparava para ultrapassar uma Bugatti antes de Gueux, Zehender é obrigado a dar uma guinada e com isso sua Alfa derrapa, ficando momentaneamente em duas rodas. Ele consegue por as 4 rodas de volta ao solo mas fora da pista, percorre um trecho de grama, atravessa uma cerca-viva e consegue retomar ao circuito. Mais uma demonstração de invejável auto-controle” … que sufoco hein!!!

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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