“Minha vida com Senna” Os três anos de kart junto com o aprendiz de feiticeiro.

WITH A LITTLE HELP FROM OUR FRIENDS
04/06/2003
Rubinho e seus problemas
09/06/2003

Geraldo Tite Simões

Acho que foi em 1975 que meu vizinho, Maurizio Sala me levou para ver uma corrida de kart pela primeira vez. O Maurizinho, ou Mau, como chamávamos era sobrinho do dono da Scorro (rodas de liga leve) e tinha um kart na garagem de casa. Eu já era viciado em corridas e velocidade, mas só de moto. Assim que entramos no kartódromo, Maurizio apontou para a curva da Balança e falou “olha como o 42 faz essa curva”. Adivinhem quem era o “42”. Um pirralho, magérrimo e orelhudo, chamado Ayrton Senna.
Quando vi Ayrton Senna pilotando, ainda de pneu fino, percebi que ninguém ali fazia aquela curva daquele jeito. E nunca mais vi ninguém fazer a curva da balança com o kart atravessado, controlando acelerador e freio ao mesmo tempo,mantendo o giro do motor lá em cima e, eventualmente, ele tirava a mão direita do volante e mexia nas agulhas do carburador. Tudo bem, ele era canhoto e a mão boa, esquerda, ficava no volante.
Um ano depois era eu que me descabelava para fazer aquela curva com as duas mãos no volante. A partir daí comecei a admirar ainda mais o Senna porque eu vi, na prática, como era difícil fazer aquilo tudo. Tanto que, anos mais tarde, voltei para as motos que, acredite, acho mais fáceis de pilotar.
A pedido do Edu, aproveito estes três anos de convivência ao lado do Beco para contar umas histórias que pouca gente poderia saber. Todo mundo sabe que ele era muito tímido, além de já ser um jovem de classe média alta, que morava na distante zona norte de São Paulo. Eu chegava a conversar algumas coisas com ele, mas o cara era muito arredio, por pura timidez, o que muita gente confundia com arrogância ou frescura.
Lembro de um treino, véspera de corrida, que eu me matava de desespero para fazer o kart andar. Era um chassi Mini com motor 125 da Riomar que tinha uns 14 cavalos (hoje tem mais de 30) e que me permitia rodar nos 1.100 metros do kartódromo de Interlagos na faixa de 58 segundos. Naquele sábado não conseguia abaixar de 1 minuto, o que daria algo perto do vigésimo lugar no grid de largada, numa época que largavam mais de 30 karts.

Fiz tudo que parecia possível, mas o kart falhava só em curvas para a esquerda.Troquei todo o sistema de alimentação, desde mangueiras, tanque e até um carburador novo. E nada. Quando dava esses pânicos eu corria no box do Mário Sérgio de Carvalho, filho do Mario de Carvalho, dono da Mini e pedia socorro. Mas o Mário Sérgio estava também todo ferrado. Olhei pro lado e vi o Ayrton. Pedi e ele não negou. Saiu do box e entrou, sem completar a volta. Veredicto: bobina solta e ainda aproveitou para dar uns toques em outros acertos. Como resultado, fiz o terceiro tempo para a largada, mesma posição que terminei a corrida.

Para nós todos daquela época a parte mais difícil não era pilotar, muito menos acertar o kart, mas conseguir a porra do patrocínio. Não existia mágica: ou o cara era filho de empresário ou tinha de dar um duro danado para manter a brincadeira. Minha família bancou as primeiras provas, mas em qualquer categoria do mundo, para ganhar um segundo é preciso gastar um rio de dinheiro.

Lá fui eu, pastinha debaixo do braço, atrás de patrocínio. Devo ter visitado umas 1000 empresas sem o menor sucesso. Numa delas aconteceria o encontro que virou uma das histórias geniais do Ayrton.
Fui na Staroup por sugestão de um vizinho que era técnico de ciclismo. A Staroup patrocinava uma copa de ciclismo e isso era sinal que tinha dinheiro para gastar em marketing. Era numa região muvucada de São Paulo, cheguei lá, me apresentei à secretária e sentei, quietinho, lendo aquelas revistas Manchetes velhas. Mais um pouco entra o Ayrton Senna na sala. Pastinha debaixo do braço, pede para falar com André Ranschburg, o dono da padaria. Quase morri de vergonha, porque a minha pastinha era um folheto perto do material que Ayrton trazia. Ficamos lá, naquele constrangimento, conversando amenidades, entre uma página e outra das Manchetes, por duas longas horas e não fomos atendidos.

Mas o destino tem umas coisas que valem viver para ver. Acho que foi em 1989 que a Staroup resolveu patrocinar uma equipe de kart F-200, que usava motor de moto Agrale. O piloto era outro que convivi por quatro anos na faculdade de jornalismo, o Otávio Mesquita e o lançamento oficial da equipe foi no Esplanada Grill. O próprio André Ranschburg subiu no palco e contou a história.
Em 1985, logo depois de ganhar a primeira corrida de F-1, no GP de Portugal, Ayrton estava saindo da pista dentro do seu Mercedes-Benz, enfrentando um pusta congestionamento. Quem estava lá? O André Ranschburg! O dono da Staroup identificou o Ayrton, foi correndo até o carro, bateu no vidro e começou a gritar:
– Oi, eu sou brasileiro, o André Ranschburg, da Sta…
E antes de terminar a frase, Ayrton abriu dois dedos de vidro, deixando André na expectativa de ganhar um cumprimento, ou autógrafo, mas ouviu a seguinte frase:
– Eu sei quem você é, seu filhodaputa, você me deixou duas horas esperando e não me atendeu.
Fechou o vidro e deixou o André na chuva, com cara de picolé.
Quando o André contou esta história, olhei pro lado e estava o Marcus Zamponi. Falei pra ele, “pô, Zampa, eu estava lá nesse dia”. E o gordo perguntou, “lá em Portugal?”. E eu, “não, lá na sala de espera, agora eu sei quem é o filhodaputa do tal de André Ranschburg”.

GPTotal
GPTotal
A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *