Moreno em Casablanca

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Moreno em Casablanca

 

Neste atípico fim de ano, que emendou um processo eleitoral especialmente intenso a uma Copa do Mundo fora de época e também peculiar sob aspectos esportivos, coube a mim a honra de encerrar o calendário de colunas inéditas do GPtotal em 2022.

A todos que há tanto tempo dão vida a este espaço, agradeço de coração em nome de toda a equipe, desejando que tenham todos um natal muito feliz, e que 2023 nos reserve muita saúde e ótimas corridas.

 

Para encerrar a temporada, e aproveitando o mote da vibrante campanha do Marrocos no mundial do Qatar, divido com os amigos uma história que em breve poderá ser lida em detalhes na biografia de Roberto Pupo Moreno, e que serve muito bem para ilustrar que há sempre muito mais fatores envolvidos na construção de uma carreira internacional do que somos capazes de avaliar quando expostos somente aos acontecimentos de pista. Uma constatação que segue verdadeira nos dias atuais – postagem recente de Augusto Farfus, por exemplo, deu conta de que o piloto embarcou em 110 voos somente em 2022, somando 598 horas dentro de aviões e dormiu 208 noites em quartos de hotel espalhados pelo mundo –, mas que era ainda mais abrangente quarenta e três anos atrás, tanto mais quando se leva em conta a carência absoluta de recursos que marcou o início da trajetória do “Baxo” pelas pistas da Inglaterra.

 

 

Para a maior parte das pessoas, qualquer menção a Casablanca provavelmente trará à mente imagens em preto e branco de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman despedindo-se em um aeroporto, além da clássica frase “sempre teremos Paris”. Roberto Moreno, no entanto, pode ser perdoado por ter lembranças diferentes.

Tudo, na verdade, começou ainda no Brasil, às vésperas de sua primeira ida para a Inglaterra, em 1979. Com a ajuda de um patrocinador foi possível conseguir uma passagem pela Royal Air Maroc, que inicialmente deveria ser usada para o retorno ao Brasil. Contudo, logo ficou claro que acabaria saindo mais barato comprar outra passagem de ida para a Inglaterra, para mais tarde trocar essa segunda passagem pelo tíquete de retorno ao Brasil. Naquela altura a única empresa aérea a realizar voos diretos entre Londres e São Paulo era a British Caledonian, cujas passagens eram caras demais para a ocasião. Pela Air Maroc Roberto teria de fazer uma escala em Casablanca – incluindo uma noite em terra – num momento especialmente conturbado na história do Marrocos, àquela altura mergulhado no Conflito do Saara Ocidental.

O verdadeiro problema, no entanto, surgiu quando um grupo de empresários parcialmente responsáveis por tornar possível a primeira temporada do piloto na Inglaterra pediu que ele trouxesse, na viagem, uma soma considerável em dinheiro vivo. “Não lembro agora se eram 30 ou 35 mil dólares, mas era muito dinheiro naquela época”, diria Moreno, décadas mais tarde. “Havia diferenças significativas nas diversas cotações do dólar, que estimulavam algumas operações meio mandrakes de compra e venda.” Sem saber como lidar com a situação, Roberto pediu ajuda a um amigo anglo-brasileiro que costumava ir às corridas ao volante do Rolls Royce de seu pai, um próspero empresário. Deste modo a soma acabou sendo depositada em sua conta, para então ser entregue a Moreno em dois pacotes que o piloto guardou no bolso.

Ao embarcar em Londres, Roberto foi revistado. Perguntado quanto ao que levava no bolso, disse a verdade, sendo liberado logo após mostrar que não havia nada além do dinheiro. Ao chegar a Casablanca, no entanto, quis evitar a repetição do constrangimento e guardou a quantia na mala. “Se tivesse deixado comigo, ninguém teria achado. No Marrocos, no entanto, eles abrem a bolsa e olham, à procura de drogas. Eu não sabia disso. E também tinha uma placa no aeroporto, escrita em francês, avisando que era preciso declarar acima de determinada quantia, mas eu não vi nada daquilo. Simplesmente fui para o hotel que a companhia aérea havia reservado, uma vez que o voo para o Brasil só decolava no dia seguinte.”

“O hotel que nos reservaram era horroroso. Escuro, sombrio, meio assustador. As poucas pessoas que falavam algo comigo estavam sempre vestidas como xeques, eu achava que estava em outro mundo, nunca tinha visto nada daquilo. Lembro que numa certa altura eu fui à rua e vi vários furtos de bolsas no meio do mercado, os moleques roubavam e nem sequer corriam, saiam andando mesmo, para intimidar. Então voltei para o hotel e peguei a chave, que era grande e parecia um soco inglês, e fiquei segurando o tempo todo, caso fosse preciso dar um soco em alguém, para me defender.”

“No dia seguinte fui para o aeroporto, ainda com o dinheiro na mala. Aí, quando os fiscais viram os pacotes, questionaram onde estava a autorização para transportar aquele valor. Obviamente eu não tinha, e eles simplesmente me prenderam. Fui levado para uma salinha, e depois de duas horas a aeromoça conseguiu me encontrar. Levei uma bronca por estar atrasando o voo, até que consegui explicar o que estava acontecendo. Ela ainda tentou interceder a meu favor, até que me confirmou que eu estava mesmo detido. Eu retruquei que queria ir embora, mas os policiais disseram que eu só poderia ir se deixasse o dinheiro. Nessa altura eu decidi telefonar para o dono do dinheiro, no Brasil.”

“De jeito nenhum!”, respondeu a voz do outro lado da linha. “Não deixa esse dinheiro aí não! Liga para a embaixada, pede ajuda, se vira!” Cada vez mais assustado, Roberto sugeriu então que seu interlocutor pegasse um avião e fosse pessoalmente resolver a questão no Marrocos. Nada feito. Certamente o empresário já imaginava que seria praticamente impossível reaver o valor original, mas não autorizava Moreno a desistir. “Fica aí, resolve essa questão e não volte sem o dinheiro”, insistia.

“Diante do impasse eu comuniquei a aeromoça que teria de ficar em Casablanca, e ela me avisou que a situação só seria resolvida através de um oficial superior, que não chegaria ao aeroporto em menos de três dias. Em seguida ela trocou minha passagem para a nova data e devolveu minhas malas, uma vez que o avião já estava me esperando havia duas horas.”

Passados mais de quarenta anos, Roberto ainda define aqueles dias como os piores de sua vida.

“Aquilo foi um pesadelo, porque eu achei que nunca mais ia sair de lá. Eu não dormia à noite, ficava apenas lendo a Bíblia. Estava em pânico mesmo. Durante os dias eu andava sem saber para onde ir, até que encontrei uma confeitaria que vendia mil folhas. Foi o que comi. Mais tarde conheci umas pessoas no hotel que falavam inglês e pudemos conversar um pouco, embora eles se sentassem no chão e comessem as mesmas sopas esquisitas que os demais. Por fim pediram uma sopa daquelas para mim, e eu tomei também. As mulheres todas vestidas com burkas, aquele hotel todo escuro… Era tudo muito estranho para mim.”

“Na data marcada eu fui para o aeroporto, e o tal chefão estava me esperando, e chegou a insinuar que eu poderia ter vendido drogas e estaria tentando deixar o País. Eu respondi que podia comprovar a origem do dinheiro, mas a situação parecia longe de se resolver quando mais uma vez a aeromoça começou a me pressionar. Foi quando o tal chefão fez a proposta final: ele cobraria 30% de multa em cima do valor total, e eu poderia embarcar. Aceitei na hora.”

Antes de embarcar, no entanto, Roberto telefonou mais uma vez para o Brasil, a fim de comunicar a situação. Seu passaporte foi retido para que pudesse deixar a sala. “De jeito nenhum, você não pode aceitar isso, fica por aí até recuperar o dinheiro todo”, insistiu o empresário. “E por que você não veio aqui resolver isso pessoalmente?”, questionava o piloto. Sem resposta, o dono do dinheiro acabou cedendo.

“Quando voltei a falar com o chefão, ele me entregou uma caixa contendo meu passaporte e o restante do dinheiro. Descobri então que, enquanto eu telefonava, ele cuidou para que alguém fizesse câmbio para a moeda local, utilizando meu documento. Eu ainda consegui ver o envelope enorme, do tamanho de uma caixa, onde eles guardaram a enorme quantidade de cédulas já convertidas para a moeda local. Inocentemente ainda perguntei se ele me daria algum recibo pela multa, mas é óbvio que eu estava apenas sendo extorquido. Ao sair dali espalhei dinheiro por meias, sapatos e tudo quanto foi lugar, e finalmente consegui voltar para o Brasil.”

A marca desse patrocinador, no entanto, nunca mais voltaria a estampar qualquer um dos carros guiados por Moreno.

 

 

Não seria possível encerrar essa temporada sem parabenizarmos Rubens Barrichello pela consagradora conquista do bicampeonato na Stock Car, aos 50 anos de idade. Em meio a um grid muito forte, o veterano mais uma vez confirmou a qualidade de sua tocada, e não dá qualquer sinal de que a aposentadoria esteja no horizonte. Sorte a nossa.

Abraços, e um feliz 2023 a todos que integram a família GPtotal.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

5 Comments

  1. martim disse:

    Pelo amor de Deus ou de Marx, essa biografia do Moreno tem que ter no mínimo umas 500 páginas. Tenho uma monte de curiosidades, entre elas no final de 1991 como foram as negociações com equipes médias para 1992 e porque não deu certo?

    100 páginas para inicio de carreira até 1985., mais umas 100 páginas no período 1986 a 1989. Mais 100 páginas entre 1990 e 1991 e mais umas 100 entre 1992 e 1995. e mais umas 100 entre 1995 até hoje. No mínimo 500 páginas. Tem muita coisa sobre as pequenas, coloni, ags, eurobrunn, andrea moda, forti corse, e as andanças na benetton, jordan e minardi, e depois na indy.

  2. Rafael F R B Manz disse:

    Esta biografia vou comprar. Vida longa e próspera para todos nós. Não tem como GP Total não ser minha página inicial.

  3. Rafael Carvalho de Oliveira disse:

    Moreno entrava em cada enrascada que pelo amor! Kkkk

    Márcio semana passada eu estava assistindo (pela 3ª vez) a live do Moreno com o Lito Cavalcanti e o Roberto comentou que vocês estavam escrevendo um livro! Tem previsão de quando sai a biografia?

    • Oi Rafael, agradeço pelo interesse.
      A informação mais recente que nos foi passada pela editora prevê o lançamento entre março e abril de 2023. A intenção é fazermos noites de autógrafo em algumas cidades do Brasil, seria uma boa oportunidade para que possam conhecer Roberto.
      Forte abraço, e um feliz Natal a todos.

  4. Fernando Marques disse:

    Marcio,

    Na saideira de 2022 poder contar uma das histórias de Roberto Moreno foi uma tremenda bola dentro.
    Faz algum tempo, acabava sempre me esquecendo, de perguntar a vcs a respeito da biografia do Moreno. Que bom que está pronta.
    Barrichello BI campeão na stock. Merece festa. O cara é bom. Quando Massa vai andar lá na frente na stock. Esse é o ponto de interrogação.

    Bom natal e próspero 2023 pra você e todos os amigos do Gepeto

    Estarei junto sempre

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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