“Não quero prever a temporada baseado em apenas uma corrida.”
A frase acima foi proferida por Michael Schumacher após seu triunfo arrasador no chatíssimo GP da Austrália. O alemão mostra mais uma vez que é inteligente. Nada de tripudiar sobre a atuação ridícula dos adversários ou de exaltar as maravilhas do novo carro da Ferrari. Schumacher sabe muito bem que o título deste ano vai ser decidido na borracharia e que, em algumas corridas, ele vai comer o pão que o diabo amassou por utilizar os pneus Bridgestone.
Mas nós, do GPTotal, estamos aqui mesmo para nos queimarmos e faço questão de contrariar o conselho do alemão. Por isso, anotem aí minha previsão: a festa do heptacampeonato (!) de Michael Schumacher será comemorada na China. Mais vermelho, impossível. Para o encerramento da temporada em Interlagos, o que deve sobrar é a disputa pelo título de construtores.
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Honestamente, creio que a maciça superioridade da Ferrari em Melbourne deve-se a um clima perfeito para um desempenho otimizado dos pneus Bridgestone. Por pior que a McLaren esteja, é completamente anormal o fato da Sauber acompanhar o ritmo das flechas de prata. E o que dizer então de Nick Heidfeld andando na frente das Toyotas com uma Jordan praticamente inguiável? O segredo, claro, está nos pneus que estas equipes calçam.
E porque os Michelin foram tão mal na Austrália? Com vocês, a explicação do Dr. Mario Theissen, da BMW: “Montoya andava na casa de 1min25s, três voltas depois os tempos caíam para 1min28s, aí os pneus voltavam e ele era novamente rápido. Faltou constância”, disse o alemão.
Uma análise nos tempos de volta explica melhor isto. Os pilotos equipados com Michelin fizeram seus melhores tempos nas duas voltas anteriores e nas duas voltas posteriores às paradas nos boxes. No restante, andaram cerca de um segundo mais lento do que quando tinham os pneus em estado otimizado. Já os pilotos com Bridgestone tinham aderência uniforme o tempo todo, podendo andar rápido sempre que fosse possível – uma diferença fundamental no resultado da corrida.
O GP da Austrália foi disputada com uma temperatura média de 19°C. A maior parte das corridas deste ano deve ser disputada sob temperaturas de dez graus acima. Isto significa que: 1) a Michelin deve obter a maioria das poles; e 2) se corrigir o problema da falta de constância (o que deve acontecer no máximo até maio), os pneus franceses vão ser imbatíveis em circuitos como Magny-Cours, Hockenheim e Hungaroring.
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Com as informações acima, podemos pintar um quadro para a temporada, e tenho certeza de que Michael Schumacher já fez isso. Seu objetivo vai ser vencer as seguintes corridas (se possível, todas):
– San Marino, Europa (Nürburgring), Monza e Japão, que devem ser “corridas Bridgestone” pela temperatura amena em que provavelmente serão disputadas.
– As corridas disputadas em climas com temperaturas variáveis, uma fraqueza dos pneus Michelin, que só se comportam bem em temperaturas uniformes. Onde estão as maiores chances de acontecer isto? Nos GPs da Europa, Canadá, Bélgica e Brasil.
– Qualquer corrida onde chova, que fornecerão um passeio das Ferrari.
– Espanha e Inglaterra, corridas disputadas em circuitos onde é muito difícil achar um acerto ideal – um quesito no qual a Ferrari leva grande vantagem por contar com um chassi excelente e dois pilotos de muita experiência. Vale a pena me alongar um pouco aqui: porque exatamente nos dois circuitos onde se mais testa é difícil achar um acerto. Eu explico: Barcelona é uma pista onde, sabe-se Deus por qual motivo, as condições de pista são diferentes a cada dia. “Você termina um dia de testes com o carro redondinho e, quando volta na manhã seguinte, ele está saindo de tudo quanto é jeito nas curvas. Isto acontece direto. É realmente difícil de entender”, me disse uma vez Antonio Pizzonia. Quanto à Silverstone, o problema são as rajadas de vento que assolam a pista, vindas de todas as direções. Achar um compromisso entre uma boa aderência ao asfalto e uma boa resistência à ação do vento é uma arte.
– Bahrein e China, pistas onde ninguém tem referência e que deve prevalecer, mais do que os pneus, o melhor carro (Ferrari) e o melhor piloto (Schumacher). É só se lembrar como ele humilhou todo mundo na primeira vez que a F1 correu em Sepang.
É irreal pensar que o alemão vai vencer as onze provas citadas nos itens acima, principalmente porque muitas destas vitórias dependem de condições atmosférica específicas. Mas, de qualquer forma, são estas corridas em que a Ferrari terá maiores chances de suplantar os rivais. Nos GPs da Malásia, Mônaco, Estados Unidos (que agora é em junho, debaixo de um calorão), França, Alemanha e Hungria, a tendência é de uma supremacia dos concorrentes. A não ser que chova.
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Mas o que deve abrir caminho para o sétimo título de Schumacher é a absoluta falta de concorrentes.
Williams: o GP da Austrália mostrou que Montoya continua muito mais rápido que Ralf e também que ainda não aprendeu a usar mais a cabeça na hora de pilotar. Provavelmente, foram os primeiros duzentos metros de uma temporada mais desastrosos que um piloto já fez. É uma pena, o colombiano é rápido, mas só rápido. Ralf, por sua vez, é absolutamente inofensivo.
McLaren: bem, o carro é problemático e o motor é bem mais fraco e menos confiável que os Ferrari e os BMW. Depois de Melbourne, Ron Dennis ainda quis jogar a culpa nos pneus Michelin pelo papelão da equipe. Mas Norbert Haug abriu o jogo na TV alemã: “não teremos chances de brigar por vitórias até pelo menos a metade da temporada.” A coisa tá feia prá turma prateada.
Renault: é provavelmente a equipe mais forte depois da Ferrari. Seu ponto fraco é o motor. Fernando Alonso admitiu que só no meio do ano, quando uma quarta evolução estiver à disposição da equipe, é que eles esperam ganhar corridas. Tarde demais para qualquer aspiração maior.
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É por isso tudo que aposto na confirmação do título de Schumacher em Shangai, com duas corridas de antecedência. Pelas minhas previsões, o alemão vai abrir vantagem no primeiro terço da temporada, perder um pouco do fôlego no verão europeu, mas vai encerrar a fatura com boas exibições seguidas nos GPs da Bélgica, Itália e China. Lá, terá mais de vinte pontos de vantagem para o segundo colocado e celebrará seu sucesso com mais um porre no oriente.
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“Mas, e o Barrichello”, ouço alguém questionar lá do fundo. “Você nem o colocou como concorrente de Schumacher!”
Bem, aposto que Rubinho andará mais perto de Schumacher do que jamais esteve, mas ainda não está em posição de batê-lo. No GP da Austrália, quando ambos admitiram ter feito um bonito duelo até a segunda rodada de pit-stops, Schumacher andou mais rápido que o brasileiro em dois terços das voltas. Uma vantagem mais do que confortável.
E para quem acha que não há guerra psicológica na Ferrari, vale comentar uma passagem interessante de Melbourne. A Vodafone promoveu um duelo esportivo entre o brasileiro e o alemão: minigolfe, disputa de pênaltis e vídeogame eram algumas das modalidades do programa.
Pois bem, quando perguntaram a Schumacher se ele praticava golfe, a resposta veio afiada como uma navalha: “Não. Eu ainda faço sexo!” Barrichello, ao lado, deu um sorriso prá lá de amarelo. O brasileiro é um entusiasta do esporte e Schumacher sabe muito bem disso…
Abraços e viva o novo visual do GPTotal!
Luis Fernando Ramos