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Como foi possível perceber na primeira parte desta coluna, o Bell Star tornou-se um êxito inegável e estrondoso na virada da década de 1970. O modelo Star virou referência de design e a marca Bell virou sinônimo de capacete de competição. Entretanto, no mercado dentro e fora das pistas, a concorrência finalmente começou a se mexer. E usou, digamos, todas as armas possíveis para combater o sucesso da marca californiana com seu icônico modelo.

Em 1972, o italiano Lander Nocchi funda a Nolan (começo do sobrenome + começo do nome) e disponibiliza aos motociclistas europeus o Integrale. Era um dos primeiros capacetes fechados feitos de termoplástico, em policarbonato: material leve, resistente e mais fácil (e barato) de trabalhar do que a fibra de vidro.

Até aí, nada de errado. Mas bastava o primeiro olhar no tal capacete e, se não houvesse um grande adesivo escrito Nolan bem no meio da testa, você seria capaz de jurar diante da Cruz estar diante de um Bell Star! Não se tratava de uma grande semelhança, era uma cópia… muito bem copiada! Tanto que nos anos seguintes, mudaram de lugar o botão de travamento da viseira só para não dar tanto na cara.

Notaram a diferença entre o Bell Star e o Nolan Integrale? Pois é, nem eu…

Mas as polêmicas não param por aí. A Nolan alega que foi a primeira a fazer na Europa um capacete fechado de plástico injetado. Informação contestada por ninguém menos que Pier Luigi “Gigi” Nava, fundador da concorrente Nava! Em um post da Nolan de 2018 em rede social, que evocava tal pioneirismo, Gigi Nava manda um “Falso!” sem nenhuma cerimônia. E completa: “o primeiro capacete integral de policarbonato foi produzido por uma empresa chamada DIWS, em colaboração com a Nava”, que mais tarde se tornou o modelo Nava Moto.

Gigi, falecido em dezembro de 2024, conta que teve que desenvolver o próprio produto com a quebra de contrato da DIWS, entre eles o Nava Granturismo e o Nava Uno. A produção de capacetes teve até mesmo o apoio da General Electric, fabricante da matéria-prima, o policarbonato cujo nome patenteado era Lexan.

Tanto Nolan quanto Nava apareceriam pontualmente na F1, sobretudo da década de 1980, mas tiveram destinos bem diferentes. Enquanto a Nolan fundiu-se em 2019 com a francesa Shark e teve como auge os títulos de Casey Stoner na MotoGP, a Nava parece estar destinada a desaparecer, assim como seu fundador: são poucos posts recentes em redes sociais e… o site oficial infelizmente está fora do ar. Uma pena.

O BEL que virou BEL’S que virou JEB’S: todos os nomes de um mesmo capacete…

Mas ainda havia os concorrentes do Star dentro das pistas da F1. Após uma temporada 1973 de BRM, Clay Regazzoni retornava a uma Ferrari que tinha muita expectativa, em pleno risorgimento. Aproveitou também para trocar seu Bell por um modelo da… BEL. Você leu certo, não é um erro de digitação, é BEL mesmo, com direito a símbolo oval branco e letras maiúsculas em vermelho. Apenas para dizer que havia lá algo de diferente, uma minúscula inscrição “Italy” e o contorno do logo desta nova fabricante em azul.

Fato, o novo capacete “BEL Italy” tinha um desenho muito diferente do Star (muito bonito e bem resolvido, diga-se), mas nome e logo escolhidos pela nova marca eram de um descaramento ímpar, que certamente deve ter deixado a Bell “original” um tanto furiosa.

Para acalmar os ânimos, em meados daquele mesmo ano, a concorrente italiana se livrou do logo oval e mudou o nome para “Bel’s Helmets”. Não foi o suficiente e em 1976 eles finalmente renunciaram a quaisquer similaridades de nome para adotar “Jeb’s” como marca – seja lá o que esse nome signifique e se é que um dia existiu algum “Jeb” para chamar um capacete de seu…

E o BEL / Bel’s/ Jeb’s (que, reza a lenda, jamais obteve uma certificação Snell) certamente conquistou bastante visibilidade, dado que Regazzoni estava em seu auge e foi vice-campeão em 1974. Até mesmo José Carlos Pace chegou a usar um Jeb’s esporadicamente, entre 1975 e 1976, que ficou lindo com sua pintura de setas amarelas, alternando com o Bell Star de sempre. É necessário mencionar que quem derrotou Regazzoni em 1974 foi Emerson Fittipaldi, que usava um Bell Star… com logotipos AGV no capacete!

De AGV, os capacetes de Emerson e Niki só tinham o adesivo: eram legítimos Bell Star

O mundo dos capacetes de Formula 1 daquela época era uma deliciosa bagunça. Não é fácil ter de explicar que o campeão de 1974 usava um Bell com adesivo de outra marca, enquanto o vice-campeão tinha um capacete de outra marca que queria a todo custo se passar por Bell.

Ao mencionarmos a italiana AGV, que no último quarto de século esteve tão ligada a Valentino Rossi, faz-se necessária mais uma contextualização. Fundada em 1947 por Gino Amisano na cidade de Valenza (e daí vem a sigla: sobrenome + nome + cidade), a marca nasceu após o fundador se tornar um grande fornecedor de selins de couro para adoráveis veículos em duas rodas que haviam surgido na época: a Vespa e a Lambretta.

Na esteira das boas vendas dos selins, a AGV começou a produzir toucas de couro que eram colocadas em moldes de madeira e deixadas ao sol para secarem e ganharem rigidez. Imaginem algo parecido com um capacete almofadado de rugby que ganhasse, na parte superior, uma “tigela” de couro espesso – essa era, basicamente, a concepção dos primeiros modelos.

Em 1974, a AGV era uma grande referência no universo das motos, alçando o estrelato junto ao fantástico Giacomo Agostini e seu zilhão de vitórias e títulos mundiais. Mas não tinha um modelo para Formula 1.

Conformavam-se, naquele contexto, em colocar o famoso adesivo com bandeira italiana nos Bell Star de Emerson Fittipaldi e de Niki Lauda – este, o campeão seguinte, em 1975. E aqui chegamos a uma interpretação bastante peculiar e que, de alguma forma, aumenta ainda mais a bagunça. A AGV clama para si os títulos de Emerson e Niki, mesmo com ambos correndo de Bell! Sim, eu também ri quando li isso pela primeira vez.

Lauda e o AGV X1, que ficaria marcado pelo terrível acidente em Nürburgring 1976

O famoso X1 Air System, primeiro AGV de F1 com suas inconfundíveis formas, só chegaria em 1975. Emerson foi o primeiríssimo a receber e a estreia ocorreu no GP extracampeonato da Suíça, disputado em Dijon-Prenois. No começo de 1976, Ingo Hoffmann, Lella Lombardi e Vittorio Brambilla também tinham recebido os seus. Mas o modelo realmente ganharia os holofotes quando Lauda, que dominava as pistas da F1 naquele momento, finalmente recebeu seu próprio X1 em maio de 1976, estreando o casco novo com vitória no GP da Holanda. O modelo, porém, ficaria eternamente marcado por ser o capacete que Lauda usava no terrível acidente de Nürburgring, em 1º de agosto.

De acordo com o livro “Corrida para a glória”, de Tony Rubython, o capacete de Lauda tinha, a pedido do próprio piloto, uma camada a mais de espuma para aumentar o conforto. No impacto, essa espuma comprimiu e o capacete saiu parcialmente da cabeça com o forte impacto de sua Ferrari contra o barranco. Quando o heroico Arturo Merzario conseguiu soltar o cinto de Lauda em meio às chamas, o capacete saiu completamente e expôs a cabeça do piloto às chamas, causando as sequelas que todos conhecemos.

O capacete do acidente de Lauda voltou para a AGV logo após o acidente. E em mais uma história que beira o inacreditável, ficaria desaparecido por 37 anos, tendo “sumido” após uma exposição. Retornou das trevas em maio de 2024, colocado em catálogo para ser leiloado pela famosíssima casa Bonhams, com preço final estimado em 60 mil dólares. Ao ver aquilo, a AGV fez uma verdadeira operação de guerra para retomar a posse do capacete – um episódio que, por si só, já daria uma coluna inteira. Talvez um dia…

Niki Lauda terminou seu contrato com a AGV ao fim do ano e voltou a usar Bell em 1977.

Boeri Sports, com Stuck; Vitaloni com Merzario: os concorrentes do Bell Star estavam aparecendo…

Mas ainda vale voltarmos para 1974, porque mais marcas haviam chegado para concorrer com o Star. O sempre divertido Hans Stuck surgiu com um Boeri Sports de design bastante próximo ao Star, enquanto Arturo Merzario passou a usar um Vitaloni – italiano, evidentemente. Era um casco que se destacava por ter proporções bastante avantajadas. Era muito grande, sobretudo quando consideramos o biotipo de jóquei de Merzario!

Outro desses concorrentes chegou à F1 através de um diálogo que se desenvolveu mais ou menos assim:

– Graham, o capacete que eu desenvolvi é superior ao Bell Star em todos os aspectos. Você consideraria a possibilidade de usá-lo?

– Se você trouxer um com a minha pintura, eu uso sim.

Com esta resposta surpreendentemente direta e franca, Graham Hill, que por toda a carreira colocou em seus capacetes a pintura do Clube de Remo de Londres, trocou seu Bell Star pelo inglês Griffin Clubman.

O Griffin inglês trazia boas novidades, sendo a principal uma viseira muito mais espessa que a do Star

Ao fazer a oferta, Terry Ogilvie-Hardy, ex-piloto que desenvolveu o capacete, tinha em mente que Hill era uma grande referência entre os pilotos do grid, uma voz ativa, incluindo as questões de segurança. Graham era, sem dúvidas, um excelente garoto-propaganda para lançar o novo produto.

Não posso compartilhar do entusiasmo de Ogilvie-Hardy ao afirmar que o Griffin era superior ao Bell Star em todos os aspectos, mas o fato é que o novo capacete trazia novidades muito interessantes, a começar pela viseira em policarbonato rígido de 2,5mm, muito superior à viseira flexível de 1,5mm da Bell.

Apenas um ano e meio antes, é bom lembrar, Helmut Marko havia perdido um olho e uma promissora carreira de piloto porque a viseira do seu Star não segurou uma pedra lançada contra seu rosto no GP da França de 1972, em Clermont-Ferrand, um episódio que já narrei em minha saga Austríacos. Talvez a viseira de um Griffin pudesse defletir aquela pedra…

A reforçada viseira do Griffin também tinha na parte inferior uma série de pequenas vigias redondas com finas telas metálicas que serviam como um sistema antiembaçante – algo que o Star simplesmente não tinha. Para completar, o novo rival oferecia conexão (pipe) para mangueira de suprimento de ar médico em caso de incêndio – recurso imediatamente incorporado pela Bell.

Pilotos como Mike Hailwood, Jochen Mass, Brian Redman, Tom Pryce, e Henri Pescarolo logo seriam vistos usando o Griffin, ainda em 1974, com esse grupo a crescer na temporada seguinte com nomes como Rolf Stommelen, Tony Brise, Tony Trimmer, Bob Evans, Harald Ertl, Giis van Lennep e Hans Stuck, que mesmo trocando de marca, manteve o adesivo da Boeri Sports em seu casco.

E finalmente, em meados de 1974, apareceu o modelo que se tornaria o grande rival do Bell Star. A francesa GPA, após a tímida passagem de dois anos antes com o modelo FP1, lançou o novo GPA G1 “Fibre Aramide”.

Depailler e toda legião francesa migrou para o famoso GPA

Ele era de fibra de vidro com reforço em kevlar, interior antichama em tecido atoalhado e trazia um design ao mesmo tempo autêntico, belo e inconfundível, com as famosas fendas que abrigavam as extremidades laterais da viseira.

Logo seria adotado dali em diante por praticamente toda legião francesa da F1, entre titulares e pilotos de ocasião, como Patrick Depailler, Jean-Pierre Jarier, Gérard Larrousse, François Migault, José Dolhem, Jean-Pierre Jabouille, Jean-Pierre Beltoise, Jacques Laffite, Didier Pironi e… Henri Pescarolo, cuja trajetória com o Griffin durou muito pouco.

Em tão curto tempo, toda aquela onipresença do Bell Star ficou restrita a, basicamente, um terço do grid. Já estava na hora da Bell reagir com o lançamento do Star II, em conformidade com a nova homologação Snell 1975. Mas este é assunto para a terceira e última parte desta saga.

Até lá! Abração!

Lucas Giavoni

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    Que show de informações.

    Parabéns

  2. RAFAEL FRIEDRICH disse:

    Também, bom final de semana a todos.

  3. Maravilha de texto, maravilha de saga.
    Aguardando o próximo.

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