Nelson e Ayrton II

Nelson e Ayrton I
03/11/2011
Acabou
09/11/2011

Com seu 1º título, em 1988, Ayrton não apenas se firmava como um dos maiores de todos os tempos, como também fazia do Brasil o primeiro país a comemorar dois títulos mundiais seguidos com dois pilotos diferentes. Um feito igualado apenas pela Inglaterra, com Lewis Hamilton e Jenson Button em 2008 e 2009.

Em 1986, finalmente com o melhor carro do grid em mãos, Nelson não teria um ano fácil. De imediato, sua campanha foi comprometida pelo acidente que afastou Frank Williams da equipe, eliminando na prática seus privilégios de 1º piloto. Mais importante que isso, no entanto, alguém poderia dizer que Nelson tinha se tornado um piloto “civilizado”, parafraseando as palavras do treinador Mickey a Rocky Balboa, no 3º filme da série. Afinal, ele teria plenas condições de recuperar tal status na pista, batendo Nigel Mansell num confronto direto. Mas, em vez disso, Nelson parecia ter perdido os “olhos de tigre”, e demoraria metade do ano até recuperá-los.

É bem verdade que o desempenho de Mansell foi surpreendente, a partir do momento em que teve em mãos um carro ajustado por Piquet. Um episódio ocorrido em Detroit, contudo, deu a senha do quanto o bicampeão também vinha andando abaixo de suas imensas possibilidades. Numa certa altura da corrida estadunidense um outro piloto brasileiro – que coincidentemente havia desembarcado na Europa em 1981, e vencido um título importante em 1983 – teve um de seus pneus furados, e caiu da liderança para a 8ª posição. Em sua escalada rumo à vitória, este mesmo piloto topou com a Williams de Piquet, vagando sonolenta pela 5ª colocação após ter sido superada pela Ligier de Jacques Laffite e pela McLaren de Alain Prost.

De modo revelador, bastou que Piquet visse em seus retrovisores aquele carro preto e dourado, e reconhecesse ao volante o inconfundível capacete amarelo, para que ele marcasse de imediato a melhor volta da corrida até então, e assumisse a liderança da prova em apenas cinco voltas. De uma só vez, ele deixava claro como tinha potencial para liderar a corrida e o campeonato, e como já se incomodava com a presença de Ayrton Senna.

A partir do GP da Inglaterra Piquet volta a pilotar como se espera de alguém com seu talento, e na 2ª metade do ano ele soma mais pontos que qualquer um de seus rivais. Na Hungria ele e Senna voltam a duelar e mais uma vez a reação de Nelson é ser espetacular, assinando no processo a ultrapassagem mais bonita da história da Fórmula 1. Ao fim do ano, por muito pouco ele não conquista o título, que vai parar nas mãos de Prost.

No ano seguinte Nelson mantém a boa forma, apesar do forte acidente sofrido em Ímola que irá lhe roubar ao menos meio segundo por volta até o fim do ano. Com inteligência, consistência e malandragem, Piquet conquista seu 3º título mundial e faz as malas para a Lotus, cedendo a vez a Senna.

Com seu 1º título, em 1988, Ayrton não apenas se firmava como um dos maiores de todos os tempos – capaz de derrotar Alain Prost dentro da própria equipe –, como também fazia do Brasil o primeiro país a comemorar dois títulos mundiais seguidos com dois pilotos diferentes. Um feito até hoje igualado apenas pela Inglaterra, com Lewis Hamilton e Jenson Button em 2008 e 2009.

A batalha com Prost ainda duraria mais dois anos, até explodir no contato deliberado entre os dois no GP do Japão de 1990, a partir do qual o francês jamais seria o mesmo piloto. Em mais uma dessas coincidências, a vitória de Ayrton em sua mais dura batalha seria obtida justamente numa corrida vencida por… Nelson Piquet. A primeira, desde Monza em 1987, ainda mais valorizada pela dobradinha com Roberto Pupo Moreno (a última do Brasil desde então). E as coisas não param por aí, pois a 2ª vitória seguida de Piquet, nas ruas de Adelaide, completa o prefácio perfeito para o consagrador título de seu sucessor na temporada seguinte.

 

Separador

 

Em 1991 Ayrton havia se tornado aquilo que Edu define como “Grande Senhor das Pistas”. Forjado pelo duelo com Prost e Balestre, líder absoluto da McLaren-Honda e mais rápido que nunca, Senna vivia seu apogeu. A absurda pole em Phoenix, na abertura do mundial, coincidiu com a 1º transmissão regular de treinos pela Rede Globo. Antes tarde do que nunca, os fãs brasileiros eram apresentados ao talento de um ídolo em toda a sua exuberância.

Quatro poles e quatro vitórias nas quatro primeiras corridas do ano compunham o tipo de cenário que não poderia estar em maior desacordo com a real hierarquia entre as equipes. A despeito dos resultados, a Williams era o time a ser batido, e suas vitórias só não começaram logo na corrida seguinte, no Canadá, porque o destino ainda não estava satisfeito e queria que o velho Nelson fechasse a incrível sequencia de sete vitórias brasileiras, que ele mesmo havia iniciado em Suzuka, oito meses antes.

Se o primeiro título de Nelson havia marcado a 1ª temporada de Senna no automobilismo internacional, o último título de Senna marcaria igualmente o fim da carreira de Piquet na F1. Assim, nada mais justo que a improvável vitória em Montreal para gravar de maneira indelével o nome de Nelson na última campanha vitoriosa do automobilismo brasileiro no pináculo do esporte a motor.

Com equipamento constrangedoramente inferior nos GPs do México, da França, da Inglaterra e da Alemanha, Ayrton comanda o massivo esforço de sua equipe em busca de evoluções que pudessem dar-lhe condições de defender o título. Mais que isso, o brasileiro chama a responsabilidade, conquistando no braço uma vitória épica e decisiva na Hungria. Em Spa, contando com a sorte, consegue nova vitória e volta a respirar na disputa. Dois segundos lugares em Monza e no Estoril o deixam com as mãos no título, apesar de somar apenas um 5º lugar na Espanha. E então, Suzuka.

Novamente chamando a responsabilidade, Senna se ocupa em segurar Mansell, para que Berger pudesse vencer a corrida. Uma arriscada tática que ele faz funcionar perfeitamente, até que na 10ª volta o Leão encontra a brita nipônica, encerrando prematuramente o mundial. Por fim, uma vitória sob intensa chuva em Adelaide, na despedida de Piquet, termina por coroar uma campanha magnífica, madura, de velocidade cortante ao volante, e dedicação completa nos bastidores.

 

Separador

 

Como se vê, existem fortes relações entre uma e outra conquista, para além do fato de ambas terem sido brilhantes. A despeito de suas desavenças pessoais, Piquet e Senna, seus destinos tantas vezes entrelaçados, estão ironicamente condenados ao convívio eterno no seletíssimo clube dos melhores de todos os tempos.

Márcio Madeira

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

8 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Eu gostava muito do programa Sinal Verde, que passava nos sábados à noite, pois era assim que sabíamos quem era o Pole!

    Abraço!

  2. Mauro Santana disse:

    Obrigado Marcio!!

    Abraço!

    Mauro

  3. Fernando Marques disse:

    A temporada de 1991 foi disputada em 16 etapas. E tivemos apenas 5 pilotos vencedores:

    1) Ayrton Senna – 7 vitorias – EUA, Brasil, San Marino, Monaco, Hungria, Belgica e Asutralia

    2) Nigel mansel – 5 vitorias – França, Inglaterra, Alemanha, Italia e Espanha

    3) Ricardo Patresi – 2 virtorias – Mexico e Portugal

    4) Nelson Piquet – 1 vitoria – canadá

    5) Gerard Berger – 1 vitoria – Japão

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  4. Caro Mauro, posso te afirmar com certeza que algumas outras emissoras já faziam não apenas a transmissão dos treinos de sábado, mas também dos de sexta e do warm-up, desde muitos anos antes.
    Hoje em dia, através de grupos de colecionadores ou algumas torrents geralmente postadas em sites disfarçados, para que não sejam tirados do ar, é possível encontrar algumas dessas transmissões, tornando possível rever Nelson e Ayrton em ação, durante as classificações dos anos 80.
    Mais cedo ou mais tarde os fãs médios do esporte terão acesso a este tipo de vídeo que eu, de forma enfática, recomendo.
    Abraço e escreva sempre!

  5. Fernando Marques disse:

    Em 91, como Piquetista assumido, apostei com um amigo e fã do Senna, que Piquet venceria o GP do Canadá. A aposta valeria uma picanha para ser assada no domingo seguinte ao GP … este meu amigo dava como certo ganhar a aposta pois Senna tinha vencido as 4 primeiras etapas do campeonato … mas eis que Senna quebra, Mansel vacila e Piquet vence a corrida … e meu amigo ficou tão revoltado que se recusou a pagar a aposta … não admitindo de forma alguma a derrota … hehehehehe

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  6. Humberto Luís Mendes disse:

    É… grande temporada essa de 1991, como o foram também todas as temporadas em que um brasileiro se sagrou campeão.
    Esse terceiro título do Senna teve momentos memoráveis, de fato. Prost rodando na volta de apresentação em San Marino, sob chuva… Mansell indo parar na brita (GB dizendo aos berros “Senna induziu Mansell ao erro!” e depois soltando o “Eu já sabia”, quando Senna abriu pro Berger passar e vencer em Suzuka), Piquet vencendo no Canadá e mandando Mansell prá aquele lugar…
    Foi de fato um grande ano. Talvez por isso tenha sido o último título brasileiro.
    Fico pensando quando vamos voltar a vencer um campeonato… e isso parece tão distante…
    Novamente, grandes lembranças! Valeu Marcião, abraços a todos.

  7. Sandro disse:

    Montreal 1991, volta derradeira, Mansell liderando com mais de 50 segundos de vantagem sobre Piquet, acabara de fazer a melhor volta da corrida e vai acenando para o público e deixa o carro morrer (…) : pelo radio Piquet ouve “Vai Piquet! Vai! Não para!”
    E Piquet: “Eu fui e… gozei!”
    Na volta de “relaxamento” Piquet, um gentleman – Eliseo Salazar que o diga! – mostra o dedo médio para Mansel!

  8. Mauro Santana disse:

    Duas lindas colunas Márcio!

    Gostaria de fazer uma pergunta:

    Em 1991, quando a RG passou a transmitir os treinos, isso valeu para todas as emissoras que também possuíam os direitos, ou algumas já transmitiam estes treinos?

    Abraço a todos!

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