A preparação física de um piloto de F1 hoje é tão bem feita, que na maioria das vezes a sensação que fica é que os pilotos saem dos seus carros após a corrida preparados para mais 305 km sem maiores problemas. Isso causa uma falsa impressão, somado a nostalgia, de que pilotar os carros atuais é tão simples que os pilotos mal suam seus macacões. Cenas como a de Mansell cambaleando enquanto empurrava seu Lotus debaixo de um calor escaldante em Dallas parecia estar no passado. No entanto, a corrida em Losail desse domingo mostrou o quanto a F1 pode ser brutal em determinadas situações.
Hoje ficou claro que a Copa do Mundo ser realizada no pequeno país localizado próximo ao Golfo Pérsico no final do ano foi uma medida acertada, afora o claro ‘sportswashing’. O Grande Prêmio do Catar foi realizado à noite, numa temperatura de 31°C e uma sensação térmica de 41°C. Somado a isso, o recapeamento da pista tornou as curvas rápidas ainda mais velozes e detonaram os pneus Pirelli, fazendo com que a FIA determinasse várias medidas emergenciais, como um limite de voltas a serem completadas por cada pilotos, além de um mínimo de três paradas para cada piloto. Com todo mundo andando no limite numa noite escaldante e numa pista de muitas curvas rápidas, o resultado foi uma das corridas de F1 mais duras fisicamente dos últimos trinta anos, com vários pilotos passando mal, inclusive com Logan Sargeant abandonando a corrida de forma voluntária e indo direto para o hospital.
A corrida de hoje se tornou uma competição de sobrevivência e talvez por isso, no final de semana em que confirmou o esperado tricampeonato, Max Verstappen nem tenha tido tanto trabalho, mesmo que tenha saído do carro suando em bicas.
Um dos pilotos que mais saíram castigados da prova foi Lance Stroll, inclusive com o canadense dizendo que chegou a perder a consciência durante a prova, tamanho era o desgaste. Se desmaiou ou não, Stroll caiu do seu Aston Martin cambaleando e procurando uma ambulância, quase emulando Mansell 39 anos depois.
Porém, na sexta-feira Lance ‘perdeu a consciência’ de uma forma menos sutil. Já há rumores no paddock da F1 que Lawrence Stroll estaria negociando a venda da Aston Martin e o motivo é muito claro. Se ao lado de um Sebastian Vettel mais preocupado com a aposentadoria e as abelhas Stroll não ficou tão para trás, contra um Fernando Alonso cheirando sangue, o canadense está tomando uma sova daquelas. Pior do que mexer na motivação de Lance Stroll, a constatação óbvia de que o jovem não será campeão mundial parece desmotivar Lawrence a manter a equipe, que foi feita em torno do seu filho.
As cenas protagonizadas por Stroll na sexta, empurrando seu coach e dando uma entrevista ridícula após outra desclassificação no Q1, demonstra que Lance não tem a mentalidade forte o suficiente para reverter essa situação e a bomba pode estourar na Aston Martin, que poderá se ver com um novo chefe novamente muito em breve.
A Pirelli estaria a ponto de renovar por mais alguns anos com a F1, mas o que aconteceu no Catar nesse final de semana não foi dos melhores momentos dos italianos na categoria. Os pneus sofreram com um stress fora do comum, principalmente ao passar em certas curvas que tinham as chamadas zebras piramidais, podendo fazer com que os pneus perdessem ar, numa situação parecida com o que ocorreu em Indianápolis em 2005, numa das maiores vergonhas da história da F1 e que fez a categoria sair do templo de Indiana.
As medidas de segurança impostas pela FIA fizeram que a corrida se tornasse confusa para acompanhar, onde os estrategistas nem se preocupavam com o feeling dos pilotos dentro da pista, mas com a quantidade de voltas que cada set de pneus tinha completado. Uma situação embaraçosa, que acabou fazendo com que os pilotos, sem se preocupar em poupar pneus, forçassem o ritmo e acabarem por sofrerem na quente noite catari.
Com tudo isso acontecendo, o tricampeonato conquistado por Max Verstappen no sábado, por ser algo até mesmo protocolar, tamanha a vantagem do neerlandês sobre os demais, acabou ficando um pouco em segundo plano. A forma como Max Verstappen falava via rádio com a sua equipe após a Sprint Race demonstrava muito bem que o tricampeonato era uma questão de mera formalidade. O neerlandês nem precisou esperar pela bandeirada na Sprint Race do Catar para confirmar algo que era nítido desde as primeiras corridas da temporada 2023. Max bateu inúmeros recordes nessa temporada com uma pilotagem irretocável.
Max Verstappen fez uma prova cerebral na Sprint Race, terminando em segundo lugar, atrás do ótimo Oscar Piastri. O neerlandês fez o seu melhor, ultrapassando quatro carros após uma má largada e mesmo com infortúnio de Pérez, Max seria campeão de qualquer forma. Um título na história, onde Verstappen se igual à gênios como Brabham, Stewart, Lauda, Piquet e Senna. Max já senta na mesa com muitos desses gênios.
Se a Sprint Race foi confusa no sábado, com vários incidentes e o Safety-Car aparecendo três vezes na corrida curta, no domingo a situação foi bem diferente. A corrida prometia ser bastante confusa, mas afora a largada, a prova catari ocorreu de forma tranquila, onde Max Verstappen concluiu mais uma corrida com uma vitória dominante, enquanto a McLaren corroborou com a sua grande recuperação e completou o pódio com Piastri na frente de Norris.
A largada foi agitada em Losail, causando mais um atrito interno na Mercedes. Saindo com pneus macios, Hamilton largou melhor do que Max e Russell, que estavam logo à sua frente. Após um chega pra lá de George, Lewis mergulhou por fora numa manobra bastante otimista, gerando um toque entre os dois pilotos da Mercedes, causando o abandono de Hamilton, enquanto Russell caiu para último por causa de um pneu furado. Houveram reclamações via rádio de ambas as partes, mas Hamilton, para tristeza dos que amam uma treta, viu as imagens e rapidamente assumiu a culpa pelo incidente, pedindo desculpas à equipe e a Russell. Pela segunda corrida consecutiva, a dupla da Mercedes se viu envolvida em incidentes, fazendo com que Toto Wolff, que se recupera de uma cirurgia no joelho, tenha bastante trabalho para apaziguar seus pilotos, mesmo com as desculpas de Lewis. Apesar de tudo isso acontecendo praticamente do seu lado, Verstappen saiu ileso para receber a bandeirada com tranquilidade 57 voltas depois.
Max Verstappen saiu de sua Red Bull claramente cansado e suado. Ao seu lado, a jovem dupla da McLaren também se esparramava pelo chão de tão cansados. Tendo suas voltas canceladas na classificação para a corrida, Piastri e Norris largavam em sexto e décimo respectivamente, mas a batida entre as Mercedes abriu um clarão para Piastri, que pulou para segundo quase que imediatamente. Norris ganhou três posições e na enorme sequência de paradas durante a prova, subiu para terceiro e insinuou um ataque para cima do seu companheiro de equipe nas voltas finais, logo descartado pela cúpula da McLaren. O time laranja foi de longe o que mais evoluiu em 2023 e a McLaren já se anima pelo quarto lugar no Mundial de Construtores, principalmente com o declínio técnico da Aston Martin. No Catar, a McLaren foi nitidamente a segunda força da F1 e após mais de dez anos, a McLaren conseguiu dois pódios duplos de forma consecutiva. No entanto, Lando Norris parece incomodado pelo sucesso de Piastri, que vem caindo nas graças da McLaren e da F1. O novato australiano vem fazendo um ótimo trabalho e vem tomando espaço de Norris dentro da equipe, que pareceu bem frustrado por ver Piastri, que chegou esse ano na F1, já vencendo uma corrida (OK, uma Sprint que não conta nas estatísticas) e nesse domingo, o inglês foi superado mais uma vez.
Porém, se a McLaren marca pontos com seus dois pilotos de foram quase igualitária, na Red Bull a situação fica cada vez mais constrangedora para Pérez. Tendo o carro destruído pela presepada de Ocon na Sprint Race do sábado, Checo largou dos pits, iniciando uma corrida horrorosa do mexicano, onde foi punido nada menos do que três vezes e por muito pouco ficou na zona de pontuação, apenas 1s na frente de Stroll. Ajudado pelo abandono de Hamilton, Pérez permanece na vice-liderança do campeonato, mas as exibições esdrúxulas de Pérez vão se acumulando de forma alarmante. Mesmo com contrato assinado para 2024 com a Red Bull, Pérez deve colocar suas barbas de molho, ainda mais com Liam Lawson fazendo um bom trabalho. Com exceção de hoje…
Russell fechou em quarto, provando que poderia ter feito uma boa prova e ameaçado a dupla da McLaren se não fosse a diarreia mental de Hamilton na primeira curva da prova. A Ferrari teve um abandono ainda antes da largada, quando foi encontrado um vazamento no tanque de combustível de Sainz e o espanhol nem largou. Com uma pista com tantos desafios de desgaste de pneus, não foi surpresa ver Leclerc fazer uma corrida discreta rumo ao quinto lugar. Alonso e Leclerc foram prejudicados pelo incidente ‘mercediano’ na primeira curva e o espanhol ainda saiu da pista, fazendo brigar mais fortemente com a dupla da Alpine e Fernando acabou se sobressaindo, marcando bons pontos com um sexto lugar, diminuindo a diferença para Hamilton. Porém, Alonso foi mais um a reclamar de calor, inclusive sofrendo queimaduras nas costas.
Gasly foi um dos que sofreram com problemas com os polêmicos track limits que tanto perturbaram o andamento do final de semana e saiu da zona de pontuação, o mesmo não acontecendo com Ocon, que foi sétimo, mesmo tendo declarado que chegou a vomitar duas vezes dentro do capacete durante a corrida. Atrás de Ocon veio a dupla da Alfa Romeo. Com mais pneus novos guardados, Bottas e Zhou fizeram uma ótima corrida e marcaram bons pontos para o time italiano.
Mesmo com tantos problemas no Catar, como o desgaste exagerado dos pneus, as zebras piramidais, os famigerados track limits e um calor absurdo, a F1 não viu uma corrida caótica nesse domingo. Com tantas estratégias diferente, as ultrapassagens que ocorreram foram mais por causa da diferença de táticas entre os pilotos.
Na verdade, vimos uma corrida de sobrevivência, com os pilotos sofrendo como a muito não se via numa prova de F1. Max Verstappen se manteve impávido na ponta, liderando a corrida com facilidade. Como sempre em 2023.
Abraços!
João Carlos Viana
2 Comments
JC Viana
mais uma vez parabéns pela sua análise da corrida … ontem vi muito pouco da prova em si … mas o pouco que vi fiquei digamos assim meio que surpreso com o asfalto pretinho do Circuito de Losail … zerinho em folha e nem dava pra ver as marcas dos pneus … vou ser sincero de dar inveja a muito kartódromos …
Verstappen merecedor com sobras pela conquista do seu Tri-Campeonato … sem duvidas algumas vem sendo um primor em termos de pilotagem …
E muito bom ver a Mclaren vivendo bons momentos …
Fernando Maruqes
Niterói RJ
Obrigado Fernando,
Seus comentários são sempre muito bem vindos!