A segunda parte da entrevista com Roberto Pupo Moreno, relembrando sua chegada à Benetton e o memorável GP do Japão de 1990.
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Então a principal pessoa que fez campanha para você guiar na Benetton foi o Barnard, e não o Nelson… É importante esclarecer isso, porque muita gente ainda pensa que você teve aquela chance por ser amigo do Piquet.
Somente por causa do Barnard. Se não fosse o Barnard eu não tinha entrado na Benetton, eu tenho certeza disso. Ele tinha uma grande confiança em mim que vinha desde o meu relacionamento com ele em 1988, na Ferrari. Você tem que lembrar que quando o Barnard foi para a Ferrari, o Comendador pediu a ele que fizesse um projeto diferente. Então o Barnard teve que fazer um projeto de um carro aspirado, todo carenado, e ele ressuscitou a ideia do câmbio semi-automático. Esse pacote – que chamavam de Pápera – o Barnard tinha que fazer funcionar, e eu o ajudei. Com 55 dias de testes a gente fez com que aquele câmbio funcionasse, e ganhasse a sua primeira corrida no Rio de Janeiro.
Então, eu me dediquei por muito tempo com o engenheiro responsável por desenvolver o câmbio, que era o Gordon Kimble. O Barnard trabalhava na Inglaterra, e o Kimble era o homem dele em Maranello. E o Gordon e eu ficávamos muito lá na oficina, às vezes até a meia-noite, olhando números para entender o que é que estava acontecendo de errado com o câmbio. Eu troquei muitas ideias com o Gordon sobre isso, até que a gente descobriu uma coisa que estava acontecendo, nos baseando nos dados que a gente ficava estudando até tarde na fábrica. E foi a partir daí que o câmbio começou a dar mais voltas em Maranello. Então eu acho que a minha dedicação para estudar os problemas do câmbio, junto com o Gordon Kimble, é que fizeram com que o Barnard confiasse tanto em mim. O Barnard sempre me deu muito crédito, como piloto de testes.
E essas foram coisas que eu aprendi lá atrás, com o Nelson, né? Vendo o Nelson mexer naquele Super Vê lá, e as ideias que ele tinha… E a forma como me incentivou a me dedicar à parte técnica, para eu poder ter uma carreira. O Barnard estava enfrentando na Benetton a mesma situação que tinha vivido na Ferrari. Ele estava criando um carro novo, e precisava fazer aquele carro andar bem o mais rápido possível. Então ele viu que se eu ficasse ali junto com o Nelson, que é o melhor cara para desenvolver um carro na minha opinião, ele teria uma boa equipe para desenvolver o carro. Eu acho que foi isso que passou pela cabeça dele, embora não dê para ter certeza.
Ao longo de sua carreira você nunca tinha trabalhado na mesma equipe que o Nelson. Como é que foi isso, pra você? Porque você não foi para a Benetton por causa do Nelson, foi na verdade uma grande coincidência. E aí, como foi acordar um dia do outro lado do mundo, para dividir uma equipe de ponta da Fórmula 1 com seu velho amigo de infância?
Pra mim foi muito especial. Mas o mais especial de tudo nem foi essa situação com o Nelson, pelo menos até aquele momento. O principal para mim é que minha carreira tinha praticamente acabado, cara. É importante lembrar que a EuroBrun não foi para o Japão e a Austrália. O único lugar disponível para 91 era na Brabham, e o Herbie Blash tinha me dado muito pouco tempo. E não dependia dele, dependia dos donos japoneses que conheciam pouco do passado da Fórmula 1. Eles não conheciam o Roberto Moreno piloto, porque eu não tinha impressionado ninguém na Fórmula 1. Os donos da Brabham não eram mais aquelas pessoas que entendiam de corrida, e sabiam o que tinha acontecido com minha carreira até então. Então a chance que eu tinha de correr na Brabham era mínima. Ia ser muito difícil o Herbie ‘me vender’ para o pessoal que tinha comprado a equipe.
Então o que foi importantíssimo pra mim foi que se não tivesse acontecido essa chance na Benetton, a minha carreira praticamente teria terminado na Fórmula 1. Isso foi o que me marcou muito. Depois da primeira classificação você escutava as pessoas comentando: “Poxa, o Roberto ainda tá vivo…” E nessa altura, quando eu comecei a andar bem, as pessoas vinham e me davam os parabéns por estar conseguindo superar as dificuldades. E eu perguntava: “Mas quais dificuldades?” Quer dizer, as pessoas ainda não confiavam tanto em mim. E aos pouquinhos eu fui recuperando este crédito com todo mundo. Eu me lembro de um amigo meu italiano que veio me dizer que as pessoas ficavam comentando sobre a importância de se ter uma oportunidade na Fórmula 1. Que a minha carreira praticamente havia terminado, e agora eu tava mostrando para todo mundo que ainda sabia pilotar. As pessoas que antes se perguntavam se eu era o cara indicado começaram a me olhar de maneira diferente. Eu me lembro do meu engenheiro, por exemplo. Era um garoto novo, e que tava muito animado porque pela primeira vez ele estava trabalhando com um piloto que sabia qual o caminho que queria seguir no acerto do carro.
Em meio a tudo isso você teve tempo de discutir algum aspecto financeiro com a Benetton, ou você só queria mesmo pilotar aquele carro?
Não, me pagaram. E me pagaram muito bem. Em relação à parte financeira com a Benetton, eles foram sempre muito justos. O dinheiro que eles me ofereceram era muito bom, de cara.
Para fazer as duas corridas…
Na verdade eles me chamaram para fazer uma corrida só, porque o Briatore tava negociando com outros pilotos. Ele queria pegar alguém que ficasse no ano seguinte, e até então não tinha acertado comigo para a Austrália.
Mas Suzuka é um lugar que eu conheço muito bem. Já tinha corrido lá de Fórmula 2, depois de Fórmula 1… É um lugar no qual eu me sinto bem à vontade, sabe? Então ter feito a minha estreia na Benetton lá foi algo que me ajudou, porque eu não estava tão cru. Pelo menos em relação ao circuito. Mas poxa, tudo novo… Eu tive que me acostumar com aquele carro, e tentar acertá-lo da melhor forma. Nisso os engenheiros me ajudaram muito, o Nelson ajudou bastante… Então tudo estava a meu favor, porque havia uma energia querendo que aquele carro que praticamente não iria correr, agora tivesse o melhor resultado possível. Existia toda uma energia muito positiva em relação a isso. Só que, chegando cru do jeito que eu cheguei, com certeza foi um desafio.
Quando eu digo cru, é porque ao longo do ano eu tinha disputado duas corridas até então. Fazendo a pré-qualificação você treinava uma hora em cada circuito, e só. O Ken Tyrrell, inclusive, foi um dos que ficou de olho em mim. Ele achava que pelo pouco que eu tinha treinado naquele ano eu teria problemas, porque Suzuka é uma pista que requer muita concentração e muito preparo físico. Inclusive ele chegou a fazer uma aposta no valor de uma libra com a mulher dele, em relação à volta que eu iria parar por causa do cansaço.
Mas a gente começou a treinar e tal, e o carro tava bom. Aí eu mexi um pouco no carro, ajustei ele pra mim… E aquele carro tinha uma característica que eu não conhecia ainda, mas que o Nelson já conhecia bem. Se você abaixasse demais a frente, ele transferia demais o centro de gravidade para a dianteira, e ficava ‘apontando’ demais. Ficava muito sensível. Ainda assim eu me classifiquei bem, duas posições atrás do Nelson, mas eu não estava confortável no carro, tava muito fácil de errar com ele, o acerto não estava perfeito.
Eu estava muito bem preparado mentalmente, mas estava preocupado com o aspecto físico. Então numa certa altura eu telefonei para um amigo meu, o Emmanuel (Basile Garakis), que ficou bastante religioso ao longo da vida. Ele tinha sido meu mecânico principal quando eu conquistei o Campeonato Brasileiro de Kart em 1976, e eu telefonei para ele lá do Japão. Eu estava preocupado, porque sabia que ia ser muito exigido fisicamente, e a pista era muito desgastante. No fundo não sabia se ia conseguir ter o resultado que as pessoas esperavam de mim.
O Emmanuel fez uma oração junto comigo, e num segundo telefonema me recomendou a leitura de um Salmo, que sempre dava forças a ele nas horas difíceis. Isso porque realmente eu estava ficando cansado a cada vez que pilotava o carro. Paralelamente, desde que eu assinei com a Benetton eu já vinha fazendo entre 3 e 4 horas diárias de exercícios, dentro do hotel mesmo, para aguentar a corrida. E o Emanuel me disse para ler e reler inúmeras vezes, porque aquelas palavras iriam me dar forças se eu precisasse.
Então veio o warm up, e com o tanque cheio aquele problema da traseira sensível havia piorado bastante. O carro do Nelson tava um pouco diferente em relação a isso, e meu engenheiro era muito novo, não tinha a experiência para resolver o problema. O Nelson usava uma dianteira um pouco mais alta e com mais asa, e eu não copiei o acerto porque estava com medo de ter um carro muito diferente do que eu estava acostumado para a hora da corrida. Mas aí veio outra coincidência…
Numa dessas saídas que eu dei, o motor deu uma falhada muito rápida no retorno antes da Spoon. Daí eu passei um rádio para a equipe e pedi para eles analisarem. Foi algo muito rápido, que eles só descobriram porque eu dei a localização exata de onde havia ocorrido. Eles me chamaram para os boxes, e quando eu cheguei o engenheiro da Ford, com medo de ter algum problema na bomba de gasolina, pediu que eu montasse no carro reserva.
Bom, o carro tava acertado para o Nelson. Ele tinha andado neste carro reserva, e tinha deixado pronto para correr, se fosse preciso. E com isso, em mais uma dessas coisas inexplicáveis, eu sentei nesse carro que era muito melhor do que o meu. Teve um momento de pânico porque as posições dos pedais eram diferentes, e havia muito pouco tempo para acertar isso. Mas os mecânicos fizeram um ótimo trabalho, e tudo ficou pronto a tempo. E com isso eu larguei na corrida com um carro igual ao do Nelson…
Aí nós largamos, e eu lembro que logo na primeira curva o Senna jogou todas as cartas dele na tentativa de passar o Prost, e aconteceu aquele incidente entre os dois que acabou beneficiando a ele no campeonato…
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