Dois anos atrás, o anúncio da nova “velha” parceria entre McLaren e Honda para 2015 causou um misto de reações. Apesar de saber que seria um grande desafio para os japoneses estrearem seus novos motores em pé de igualdade com a concorrência, a lembrança dos anos vencedores no final da década de 80 e início de 90 parece ter prejudicado o julgamento da grande maioria.
A contratação de Fernando Alonso e a manutenção de Jenson Button aumentava ainda mais a sensação de que, mesmo chegando atrasada, a Honda iria logo sentar-se na janelinha para 2015. Nada melhor do que um choque de realidade para colocar as coisas em seu devido lugar.
Nos primeiros testes do inverno, diversos problemas de confiabilidade no motor Honda prejudicaram o programa da equipe. Em Barcelona, um acidente estranho atribuído a uma falha no motor deixou Alonso hospitalizado e fora da estreia da temporada. Por fim, após um fiasco na Austrália, ficou claro que a única solução viável para o momento foi limitar o desempenho das usinas de força nipônicas para que os carros ingleses pudessem ao menos completar as provas junto às equipes menores do grid.
Em resumo: vexame completo para McLaren e Honda.
Mas qual a causa de tamanha dificuldade por parte desta dupla de gigantes do automobilismo? Seria porque as regras de congelamento dos motores trazem mais restrições aos estreantes do que aos veteranos?
Muito se discutiu a respeito do regulamento de congelamento de motores. Sendo a estreante da temporada, a marca japonesa ficou inicialmente impedida de aplicar evoluções em seu motor ao longo do primeiro ano. Pior: os concorrentes, em seu segundo ano, poderiam realizar modificações dentro de uma cota de créditos pré-estabelecida.
Entendendo a quebra de competitividade inerente ao regulamento, mudanças foram sancionadas pela FIA, abrindo exceções à Honda. A marca japonesa pode agora também evoluir seu motor conforme a disponibilidade de créditos. Teria, então, o motor Honda nascido errado? Quem sabe os ingleses perderam a mão no novo chassi?
Sabendo que, incialmente, estariam em desvantagem de qualquer maneira, McLaren e Honda optaram por trabalhar diversas inovações no MP4/30, mesmo que ainda não testadas. Em termos aerodinâmicos, o bólido de 2015 é muito mais agressivo do que seus antecessores, principalmente na região do cofre do motor.
Isso limitou bastante o espaço disponível para a Honda adaptar suas novas unidades de potência, além de aumentar diretamente a necessidade de resfriamento forçado do motor. Além disso, os japoneses optaram por uma solução de design bastante peculiar no que diz respeito à turbina e o posicionamento do motor elétrico atrelado (MGU-H).
O motor Renault possui uma solução clássica para a turbina, mais confiável, porém menos eficiente: o compressor é ligado diretamente à turbina, permitindo que exista um impacto térmico do lado quente sobre o lado frio. O MGU-H, por sua vez, fica localizado junto ao compressor (lado frio), reduzindo a demanda de refrigeração do sistema — O motor Ferrari, acredita-se, utiliza solução semelhante.
O motor Mercedes apresenta um grau de inovação maior. Ao separar o compressor da turbina, os alemães evitam a influência térmica de um componente sobre o outro, além de reduzir a necessidade de refrigeração forçada do sistema. O MGU-H fica posicionado entre turbina e compressor.
Assim como sua concorrente alemã (e diferente de Renault e Ferrari), a Honda separou compressor e turbina. Porém, ao fazê-lo, os japoneses posicionaram o sistema dentro do “V” do motor, juntamente com o MGU-H. Devido ao espaço limitado, foi necessário utilizar um compressor do tipo axial que, apesar de mais compacto e eficiente, não pôde ser devidamente testado.
Ainda, todo o sistema de recuperação de energia e armazenamento (ERS) foi posicionado à frente do motor à combustão, propiciando um design mais enxuto, ainda que extremamente dependente de refrigeração forçada à água. E é justamente essa elevada carga térmica que vem prejudicando a confiabilidade dos motores Honda, forçando os japoneses a limitar o desempenho do sistema para evitar vazamentos no sistema de arrefecimento.
Além disso, é necessário levar em conta a complexidade dos atuais sistemas de recuperação de energia. Uma vez que boa parte do desempenho dinâmico do motor depende da perfeita sincronia entre recuperação e entrega de energia, a lógica de atuação do sistema é de extrema importância. Nesse ponto, devido à quantidade limitada de testes, a Honda ainda precisa correr para reduzir a diferença para a concorrência.
Portanto, podemos dizer que o projeto do MP4/30 não nasceu errado ou problemático, mas, sim, foi uma aposta extremamente arriscada por parte de quem tinha pouco a perder em uma temporada de adaptação. Desta forma, apesar de estar patinando neste início, a tecnologia agressiva implementada no MP4/30 pode render frutos uma vez que os problemas de confiabilidade sejam solucionados.
Aguardemos, portanto, as cenas dos próximos capítulos.
Abraços,
Cassio Yared
8 Comments
Olá amigos do GPTotal!
Quando soube que a Honda voltaria a fornecer motores para a McLaren,a maioria das pessoas acharam erroneamente que a antiga parceria de sucesso já voltaria a ser vitoriosa logo “de cara”,e acabaram se esquecendo do ciclo de “aprendizado”(ou “reaprendizado”) pelo qual a fabricante japonesa teve que passar antes de exercer sua hegemonia nas temporadas de 1988 e 1989. Tendo isto em mente,eu pelo menos já esperava que eles tivessem dificuldades no retorno à F-1 neste ano.
O mesmo fenômeno ocorreu em 1994,quando a Honda passou a fornecer motores para as equipes da F-Indy(a antiga CART). Após uma estréia desastrosa na equipe Rahal-Hogan,os nipônicos chegaram com um propulsor revolucionário em 1995 na Tasman(equipe do André Ribeiro),capaz de intimidar os engenheiros da Ford nos superspeedways de Indianápolis e Michigan,embora a durabilidade ainda deixasse a desejar. E,a partir de 1996,eles já dominavam a categoria e tinham vários outros times como clientes(além da Tasman,a Hall e a Ganassi).
Portanto,precisamos “dar tempo ao tempo”,pois estejam certos de que,mais cedo ou mais tarde,a turma “made in Japan” vai pegar o espírito da coisa novamente e colocar os rivais no bolso!
Um forte abraço!!!
Marcelo C.Souza
Belo Texto Cassio!!
Assim, como já foi dito, a complexidade da F1 atual é muito maior que a dos anos 80 e 90.
Porem, todos sabem que a japonesada é FERA no quesito tecnologia, e sendo assim, acredito que os carros da Mclaren vão estar andando nos pontos ainda nesta primeira parte de campeonato, e na segunda parte podem até beliscar um pódio, pois a dupla de pilotos é mais que competente.
Agora, parceria Mclaren/Honda igual aquela dos anos 80/90, eu não espero, pois pode ser pior ou até melhor, mais igual aquela, nunca mais, pois hoje a F1 é muito, mais muito diferente que a F1 daqueles anos dourados.
Mas, nos resta acompanhar e nos deliciar com a história que esta sendo escrita bem diante dos nossos olhos.
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR
Mauro e Cassio,
o tempo será o dono da razão … se durar pouco ganha a competência da Mclaren e da Honda … se durar muito a culpa será da grande complexidade dos motores e regulamento atual da Formula 1 … hehehehe
Fernando Marques
Bom texto!
Apenas me restou uma dúvida: o compressor axial não seria, pelo contrário, menos eficiente que o radial? Apesar de ser menor radialmente, precisa de mais estágios (mais espaço axial) pra atingir a mesma compressão.
Claro que tudo depende do design completo, é claro.
Um abraço,
Olá Matheus;
Alisando somente os componentes, o compressor axial precisa de uma maior extensão para atingir a compressão equivalente. Isso pode de alguma maneira afetar o enchimento do motor, com maior impacto em rotações próximas da máxima. A maior vantagem do design axial vem por conta de uma menor inércia individual das pás, que se aceleram mais rapidamente.
No caso da Honda, o espaço disponível parece ter sido o fator principal da escolha. A meu ver, não haveria necessidade de assumir riscos com um design fora do comum caso fosse possível utilizar uma solução mais clássica (como fez a Renault).
Vale lembrar também que a F1 de hoje proíbe o reabastecimento, além de limitar fortemente a quantidade de combustível permitida durante a corrida, de maneira que uma leve perda de potência em rotação máxima acaba sendo irrelevante frente a um consumo limitado de combustível.
Abraço.
Cassio
Cassio,
Obrigado pela explicação. Pensei que o motivo seria mesmo espaço, afinal deixar tudo ali no miolo do motor deixa o packaging bem elegante.
Quanto ao desempenho em rotações altas, isso será um problema se alguma alteração nas regras dos motores pra deixá-los mais potentes for feita nesse aspecto, como já foi sugerido.
E fico na torcida pra Mclaren voltar a dar um caldo.
Abraços,
Matheus
Cassio,
pela complexidade dos motores empregados na Formula 1 acho pesado demais considerar o projeto Mclaren/Honda como um vexame completo. Ainda estamos em inicio de temporada e além disso o projeto tem que ser visto e analisado a longo prazo.
A expectativa em torno da parceria é grande e não poderia ser de outra forma face ao passado de sucesso da dupla.
Só que a Formula 1 atual é bem mais complexa que a Formula 1 dos anos 80/90.
Eu acredito que ainda nesta temporada veremos brilho nesta parceria. Aliás torço para isso. Até por que está faltando uma Mclaren nesta briga.
Fernando Marques
Niterói RJ
Olá Fernando;
Creio que em longo prazo, a aposta da McLaren-Honda em um design arrojado irá render bons frutos. Porém, como você salientou, a complexidade dos motores hoje é maior do que se tinha anos atrás, o que me faz acreditar que o retorno demore mais do que o esperado.
Abraço.
Cassio