Em 2014, 40 anos do Bi de Emerson Fittipaldi na F1 e 25 do título na Fórmula Indy.
Para alegria geral, Emerson Fittipaldi foi figura fácil no GPTotal ao longo de 2014. Primeiro, claro, protagonizando o farto material dedicado a relembrar a grandiosa conquista do bicampeonato em 1974. E depois, através da antecipação e da cobertura de sua participação na preciosa etapa do WEC em Interlagos. Entre um e outro feito, no entanto, existe outro marco tão grandioso quanto o primeiro, que em 2014 também completou um aniversário marcante. Refiro-me aqui às bodas de prata do título da Fórmula Indy, em 1989.
A rigor, o simples fato de uma conquista deste quilate ocupar espaço menor nos anais de nosso automobilismo nos dá, de antemão, parâmetros valiosos tanto da fartura de triunfos na biografia esportiva de Emerson, quanto da dimensão do sucesso alcançado pelo Brasil nas mais famosas pistas do mundo naquela memorável transição dos anos 80 aos 90. Além, é claro, de refletir também a menor audiência das provas à época transmitidas pela TV Bandeirantes.
Para uma melhor contextualização, é importante recordar – ainda que rapidamente – um pouco de tudo que Fittipaldi experimentou entre a glória maior na conquista do bicampeonato e o retorno triunfante na Fórmula Indy.
Com a confiança justificadamente nas alturas, o Rato trocou uma chance concreta de tricampeonato na McLaren pelo sonho da equipe própria na Fórmula 1. E, numa inevitável venda casada, trocou também as vitórias e os pódios por disputas de meio de pelotão; as narrativas de triunfos por explicações mecânicas; os milhões de dólares por investimentos que se transformariam em pesadas dívidas; e por fim a exaltação da imprensa pela presença em piadas infames e mal informadas. Apesar de todo o potencial da equipe Fittipaldi – que por muito pouco não se concretizou plenamente – no início dos anos 80 os títulos de 72 e 74 pareciam uma memória bastante distante, e também um atestado de nossa incompetência enquanto construtores.
A situação, claro, afetou profundamente a vida pessoal do bicampeão. Seu casamento de dez anos se desfez, sua própria confiança andava abalada e, aos 33 anos, sua carreira de piloto profissional parecia precocemente encerrada. Um cenário absurdo diante de tanto talento, que nem mesmo a maior das desinformações poderia sustentar por muito tempo.
A possibilidade de correr na Indy surgiu de maneira despretensiosa, ao volante de um carro rosa nº 24 pertencente ao folclórico Pepe Romero, e serviu para reascender a brasa da competitividade e relembrar – a ele próprio e a quem mais duvidasse – que ali estava um grande campeão mundial. Um ano mais tarde Emerson já seria visto no degrau mais alto do pódio numa pista tão importante e específica quanto o superoval de Michigan, e a partir daí era tudo uma questão de tempo.
Enquanto sofria ao volante de carros difíceis de guiar ou acertar, Emerson somava vitórias pontuais e mais uma vez abria as portas de uma categoria de topo aos pilotos brasileiros. Ainda assim a carreira sólida nos Estados Unidos acaba eclipsada pelos resultados de Piquet e Senna na Fórmula 1, dando a uma nova geração de torcedores e falsa impressão de que conquistar um título mundial não fosse afinal, algo tão difícil assim. E nada disso parecia que iria mudar em 1989. Afinal, quando Emerson finalmente colocou as mãos num carro Penske, o fez através de uma equipe cliente.
Tudo aconteceu por intermédio de Ellen Merlo, encarregada dos patrocínios da Philip Morris, que condicionou o apoio à equipe de fábrica em 1990 à venda de um chassi para a equipe Patrick na temporada anterior. Para o time era um negócio excelente, uma vez que sua forte dupla de pilotos, composta pelo rei dos ovais Rick Mears e pelo atual campeão Danny Sullivan, contando com todo o suporte oficial da fábrica, teria todos os meios para superar o carro cliente destinado a Fittipaldi, por maiores que fossem as credenciais do brasileiro. De fato, conquistar o campeonato ao volante de um carro adquirido junto a outra equipe seria algo quase – e faço questão de frisar o quase – como vencer um campeonato mundial no princípio dos anos 60 pela equipe de Rob Walker
Os primeiros resultados do ano parecem corroborar essa perspectiva. No oval curto de Phoenix, pole e vitória para Mears, seguido por Al Unser Jr. na forte equipe Galles (Lola Chevrolet), Danny Sullivan, Michael Andretti (também de Lola Chevrolet, ao lado do pai Mario, na poderosa Newman/Hass), e Fittipaldi.
O bom desempenho na estreia tornou-se ainda melhor nas familiares ondulações de Long Beach, onde Emerson foi 3º atrás apenas do vencedor Al Junior e de Michael Andretti. Vale a pena guardar esses nomes.
Quando chegou ao templo sagrado de Indianápolis, o brasileiro ocupava uma excelente quarta posição no campeonato, com 24 pontos somados. À sua frente, apenas little Al, com 38, Mears com 32 e Andretti com 28.
O primeiro sinal de que Emerson seria competitivo surgiu no dia 7 de maio, quando o bicampeão liderou a lista de tempos. Ao longo do restante do mês, no entanto, a Penske dominou os treinos com seus três carros oficiais – o terceiro deles inscrito para ninguém menos que o lendário Al Unser Senior. Danny Sullivan, todavia, acabou sofrendo um sério acidente nos treinos (chegando a fraturar o braço direito), que o impediu de brigar pelas primeiras posições. Com um desempenho espetacular Rick Mears iria largar na pole pela quinta vez em Indianápolis, seguido por Al Senior e… Emerson Fittipaldi.
Com as primeiras rugas substituindo as velhas costeletas, Emerson sabia bem que o favoritismo da equipe oficial se dissiparia ao longo de 800 km de disputa, e que seu bom ritmo lhe daria condições de brigar pela vitória. Agora, com a confiança de volta, iria vender caro o litro de leite a qualquer que tentasse superá-lo. E assim foi.
Assumindo a ponta logo na Curva 1, e por lá ficando quase que o tempo todo durante as 400 milhas iniciais, Emerson nem chegou a se beneficiar com os problemas mecânicos enfrentados pelos pilotos da Penske. À exceção dos abusados Michael Andretti e Al Unser Jr., que teimavam em continuar na disputa, todos os demais tinham ao menos uma volta de atraso. O quarto colocado a esta altura, vale destacar, era Raul Boesel.
Restando menos de 40 voltas Michael Andretti assumiu a ponta, apenas para ver seu motor abrir o bico logo em seguida. Restavam Emerson e Al Junior (que em determinado momento chegou a estar uma volta atrás do brasileiro), e justo no último pit stop a equipe Patrick cometeu o erro de devolver o brasileiro à pista com mais combustível no tanque do que o necessário. Emerson, por sua vez, quase deixou o motor morrer, e ainda teve o azar de ser atrasado por um caminhão de segurança enquanto deixava os pits. Al Unser, por sua vez, abdicou da última parada, uma vez que a vantagem para Boesel, 3º colocado, era de incríveis seis(!) voltas, e mesmo uma pane seca significaria a 2ª posição. Assim, sem a vantagem que havia construído e carregando peso extra, Emerson viu seu rival o superar e caminhar tranquilo rumo a uma vitória que tinha tudo para ser sua.
O roteiro parecia definido, até que na penúltima volta Al Junior encontrou tráfego pesado na Curva 1. Emerson farejou sua última oportunidade e engoliu a distância, dosando a velocidade para carregar o máximo de momentum na entrada da reta oposta, e tendo o cuidado de se colocar por dentro antes que o rival tivesse tempo de fechar a porta. Nas arquibancadas 500 mil pessoas estão de pé enquanto os dois carros flertam lado a lado com os 400km/h, os dois pilotos cientes de que aquela curva iria decidir a prova e dar nome ao primeiro piloto a embolsar mais de US$ 1 milhão pela vitória.
O resultado todos conhecem. Nenhum dos pilotos cedeu, Al Junior encontrou-se com o muro e Emerson, sabe-se lá de que maneira, controlou o carro para dar ao Brasil sua 1ª conquista na Brickyard. No campeonato Emerson agora era o segundo com 46 pontos, atrás do líder Al Unser Jr., com 59. Suas ambições em relação à corrida pelo título, desnecessário dizer, haviam mudado dramaticamente.
Correndo definitivamente para ser campeão, Emerson dominou a corrida seguinte, no manhoso oval de Milwaukee, como se tivesse sido criado neste tipo de pista. A vitória, no entanto, transformou-se num abandono a 24 voltas do fim, quando foi fechado por um retardatário e tocou o muro. Apesar de ter voltado ainda na liderança após o pit stop emergencial, acabou sendo traído pela suspensão traseira. Mears venceu, e com o abandono do brasileiro pulou para a segunda colocação na tabela.
O bicampeão da F1, porém, estava guiando melhor do que nunca, e nas três provas seguintes – em Detroit, Portland e Cleveland – aproveitou-se dos traçados mistos para monopolizar o degrau mais alto do pódio e tornar-se o grande favorito ao título da temporada.
A fase era tão boa, a rigor, que mesmo pole positions, que nunca combinaram com o estilo sutil do piloto, começaram a brotar aos borbotões. Seriam quatro nas quatro provas seguintes, nos mistos de Meadowlands e Toronto, e surpreendentemente também nos distintos ovais de Michigan e Pocono. Emerson, sem margem para dúvidas, havia se tornado um piloto completo.
Apesar de tardia velocidade, e de uma garra que mereceu comentários em todas as publicações especializadas, Emerson não venceu nenhuma das quatro provas. Foi segundo nas duas primeiras, atrás de Bobby Rahal e Michael Andretti, somando pontos decisivos para seu ataque ao título, mas levou azar nos dois ovais. Em Michigan, onde sempre andava bem, foi traído por uma homocinética e terminou na 14ª posição. Em Pocono foi ainda pior: apenas o 19º.
A gordura acumulada, no entanto, havia sido suficiente. Com a 4ª colocação em Mid-Ohio e o 5º lugar em Elkhart Lake ante a 6ª e a 3ª colocações de Mears nas mesmas provas deram a Fittipaldi a chance de confirmar o título com uma corrida de antecipação. Para não depender de mais ninguém, no entanto, ele teria que voltar ao degrau mais alto do pódio no oval curto de Nazareth.
Missão dada, missão cumprida. Ao fim de uma batalha direta com o único rival que restava, justamente no tipo de pista em que Mears havia se tornado lendário, Emerson mais uma vez bateu a equipe de fábrica para 17 anos depois, voltar a comemorar um título com vitória.
Formalmente o ano já havia acabado, mas Emerson ainda teve tempo de marcar a pole position no saudoso Marlboro Challenge, e somar mais um top Five no encerramento da temporada, em Laguna Seca.
Olhando em retrospectiva, é difícil negar a saudade de um tempo em que era possível torcer por Senna e Piquet pela manhã, e ver Emerson conquistando os Estados Unidos no fim da tarde.
Tenham todos um excelente fim de ano, e obrigado por mais uma temporada de parceria.
8 Comments
Concordo contigo Fernando!
Tanto os F Indy como os F1 eram bem diferentes entre si, e cada equipe conseguia construía um carro que era visível a todos, tanto ao vivo como pela TV.
Havia bom gosto.
Hoje, os F1 são bizarros, e os F Indy são todos iguais.
Como que pode, não consigo aceitar isso, é muita coisa feia e errada.
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR
Belíssima lembrança!
A Indy estava no seu período áureo, com tantas estrelas juntas e Emerson conseguiu se sobressair a todos!
Vale aqui lembrar também o quanto mais belos eram os Formulas Indy nos tempos de Emerson.
Fernando Marques
Outro ponto que vale a pena destacar é que mais tarde Emerson iria ter o dessabor de descobrir que as peças que o deixaram na mão em Michican e Pocono já haviam superado a quilometragem recomendável para a substituição, mas foram mantidas no carro por questões de economia (porca).
É que após as três vitórias e as duas segundas colocações consecutivas o time considerava o título ganho, e já não se importava em investir tão pesadamente na manutenção do bólido…
Poxa. Legal! Me sinto extremamente isolado nas lembranças e é bom saber que em algum lugar existia alguém como os mesmos sonhos e costumes. Para mim tratava-se da fase final da infância e início da adolescência, onde tudo era novidade e ganhava maior ênfase! Hoje me arrependo muito de não ter cursado jornalismo e focado em trabalhar com meu sonho, cobrindo automobilismo, mas ainda acredito que este dia irá chegar!
Um bom final de anos a todos do GEPETO!
MArcio,
bom natal e prósperos 2015!!!
realmente este período de 1987 até 1994 talvez tenha sido o mais áureo para o automobilismo brasileiro … dominávamos a Formula 1, a Formula Indy, o Mundial de Marcas isto sem falar nas conquistas brasileiras em categorias da base e de acesso a Formula 1.
A historia de Emerson Fittipaldi é por demais rica em batalhas, conquistas, derrotas e principalmente em ensinamentos … com certeza motivo de muito orgulho para quem gosta, ama e acompanha o nosso automobilismo até hoje …
Terminar o ano lembrando Emerson é sempre muito bom …
Fernando Marques
Niterói RJ
Marcio, foi com algumas lágrimas de saudade que eu li este texto. Eu curti esse campeonato do começo ao fim.
Que época maravilhosa.
Boas festas a todos no GPTotal.
Belíssimo texto Mácio, Parabéns!!
“Olhando em retrospectiva, é difícil negar a saudade de um tempo em que era possível torcer por Senna e Piquet pela manhã, e ver Emerson conquistando os Estados Unidos no fim da tarde.”
Como era bom, e que saudades que bate ao lembrar daquela época fantástica.
Uma época que infelizmente não volta mais, e que infelizmente não a sinais no horizonte de nada parecido como foram aqueles anos.
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR