O epílogo de 1974 – Coluna + Vídeo

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Caros amigos entusiastas do esporte a motor,

Junto a esta coluna de 2014 devidamente revisada e atualizada, coloco aqui o vídeo do tema: a sessão retrô sobre a fascinante temporada de 1974 em nosso canal do Youtube. Para quem ainda não viu e não assinou, pedimos essa força para continuarmos a levar nosso conteúdo a cada vez mais pessoas. Abração!

Quando nós do GPTotal fizemos em 2013 um especial de Facebook sobre os 30 anos do bicampeonato de Nelson Piquet, resolvi escrever um “material extra” na forma de um epílogo. Coloquei, de maneira bastante panorâmica, aspectos técnicos daquela incrível temporada, em que tínhamos uma efervescente engenharia em transição, do carro-asa ao fundo plano, dos aspirados para o turbo. E que justamente num cenário destes, Piquet se sobressaiu em seus predicados para ser campeão.

No ano seguinte, 2014, foi a vez do especial sobre os 40 anos do segundo título de Emerson Fittipaldi, que também permitiu a ideia do epílogo. A temporada de 1974, isto é consenso, está entre as mais disputadas e equilibradas da história. E não são poucos aqueles que a apontam, com justiça, como uma das melhores da F1 em seis décadas de existência.

O equilíbrio técnico era muito grande. Nada menos que cinco equipes tinham carros para ganhar corridas: Ferrari, McLaren, Tyrrell, Lotus e Brabham – todas entre as principais da história da F1. Mas diferentemente de 1983, em que a diversidade de projetos em plena transição de era foi a essência do equilíbrio, em 1974 o alicerce estava na igualdade dentro de uma continuidade. Não havia mudanças dramáticas de regulamento, nem revoluções da engenharia. O último impacto havia sido a introdução da Lotus 72 em 1970, que rompia com o formato “charuto” em favor de um corpo aerodinâmico com radiadores laterais que ditou a moda.

Com exceção óbvia da Ferrari e da BRM com o único (e fraco) V12 da temporada, todos os demais usavam um mesmo conjunto motriz, formado pelo imortal Ford-Cosworth DFV V8 (470cv a 10500 rpm), acompanhado da clássica caixa de câmbio Hewland de 5 marchas, versão FG 400. Os italianos tinham seu próprio câmbio de 5 marchas e motor flat-12 que, como lembrou Manuel Blanco, tinha cada par de cilindros opostos numa mesma biela, conectando-os. Era a evolução de um motor que havia estreado em 1970 – portanto, bastante confiável e trabalhado.

Comparando os motores, o Ferrari era apenas 2 quilos mais pesado (170 a 168), porém 20 cavalos mais potente que o Cosworth, alcançando estridentes 12.500 giros. No entanto, pedia tanques maiores, pois bebia um pouco mais (15 litros extras). O carro italiano era ligeiramente mais pesado, 582 kg, se comparado aos 575 kg da McLaren, por exemplo. Mas o peso-potência de todos acabava por ser equivalente. A nova Tyrrell 007, que abandonava totalmente as linhas do vitorioso modelo anterior, era mais pesada que a Ferrari: 588 kg.

Todos os times de ponta também calçavam os mesmos pneus Goodyear – que em 1973 havia feito um pneu pelas exigências da Tyrrell, mas que em 1974 projetou compostos que agradassem a todos. A Firestone ainda estava na F1, mas com equipes coadjuvantes. Seu melhor piloto foi James Hunt e a apaixonante equipe Hesketh, que colecionou 3 pódios no ano.

A Ferrari teve o carro do ano. O modelo 312B3 foi bom em praticamente todas as pistas, e aproveitava-se bem da potência extra. Mauro Forghieri fez um excelente trabalho, e isso se devia a rearranjos políticos. A Ferrari encerrou seu programa de esporte-protótipos – que tinha dominado amplamente em 1972 – para se concentrar só em F1. Quando o fizeram, voltaram ao caminho das vitórias. Niki Lauda, o mais rápido com 9 poles e mais voltas na liderança que qualquer outro, sofreu com quebras e erros, e Clay Regazzoni, tão regular que Emerson, não conseguiu ser melhor.

Na Brabham BT44, vemos um Murray inspirado. Era um carro esguio, mais estreito (um foguete nas retas e curvas de alta de Zeltweg), e com rigidez estrutural superior. Mas o carro se comportou mal em vários circuitos, e Carlos Reutemann sofreu com vários abandonos. A então campeã Tyrrell fez praticamente o oposto. Com um carro radicalmente diferente do antecessor, foi constante no meio da temporada, e mal tanto no começo, quando ainda andava com o velho 006, quanto no fim, quando Jody Scheckter abandonou nas duas últimas corridas e deu adeus às chances de título.

A Lotus também foi um caso conhecido. Introduziram o novo e problemático modelo 76 no GP da Espanha, sob chuva. Apesar dos abandonos, Ronnie Peterson e Jacky Ickx andaram bem, na cola das Ferraris. Isso levou Colin Chapman a um erro de julgamento. Ele demorou várias corridas para perceber que aquilo foi um sopro momentâneo de competitividade. E justamente quando a Lotus voltou a usar o clássico modelo 72, as vitorias voltaram ao caminho de Peterson. Entretanto, é um erro dizer que a Lotus perdeu o título por isso. Ronnie ganhou mais corridas (três na temporada), mas não fez pontos com a mesma consistência de Emerson.

Uma vez que os conjuntos motrizes e os pneus se equivaliam em 1974, o diferencial de desempenho estava no chassi e nas suspensões, além de outros pequenos detalhes. E um título mundial é construído por uma sólida base… e pelos detalhes.

Para Emerson, a sólida base se deu por ele não ter saído sozinho da Lotus em direção à McLaren. A gigante petrolífera Texaco saiu com ele, bem como John Hogan, da Marlboro, que resolveu tirar suas fichas da caótica BRM para colocá-las na melhor organizada equipe de Teddy Mayer. Com estes três ótimos reforços, Emerson, Texaco e Marlboro, a McLaren pôde testar tanto ou mais que as rivais, e desenvolver seu M23, que já havia se mostrado um diamante bruto em 1973. Denny Hulme era um companheiro de equipe excelente por ser muito experiente, e Emerson rapidamente amadureceu seus dotes de test-driver.

O carro que mais mudou durante o ano foi… justamente o M23 do campeão Emerson Fittipaldi. Não apenas a visível tomada de ar (foram três desenhos durante o ano), como também a fundamental nova suspensão a partir de Brands Hatch, que melhorava o comportamento do carro em pisos ondulados. O aerofólio traseiro teve mudanças ao longo do ano, e foram introduzidos dutos de refrigeração dos freios, para evitar fading ao fim da corrida, além de outros pequenos aprimoramentos que mantiveram Emerson permanentemente no jogo.

Repito as palavras usadas no encerramento do especial do Facebook: Emerson foi campeão porque aliou inteligência, racionalidade, precisão, consistência e rapidez sempre nos momentos certos, em uma McLaren muito bem estruturada – certamente a melhor escolha ao sair da Lotus. Piloto e equipe souberam trabalhar com excelência em uma temporada tão equilibrada e diversa, uma das mais intensas da história da F1.

Um título, acontecidos exatos 50 anos que provou que Emerson Fittipaldi era um piloto completo. Não apenas um campeão, mas um grande campeão.

Aquele abraço!

Lucas Giavoni

*texto originalmente publicado em 15/10/2014

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

6 Comments

  1. Manuel Blanco disse:

    Lucas, obrigado por esta ótima coluna sobre a excelente temporada de 1974 !

    Só gostaria de recordar que a Brabham conseguiu sair de sua má fase com a chegada de Carlos Pace, quem era tido como um excelente piloto provador. Dos 32 pontos de Reutemann no campeonato, 23 os obteve após a entrada de Pace na equipe.

  2. Fernando Marques disse:

    A vitoria de Emerson no gp da Bélgica disputado em Nivelles, com Lauda colado nele a corrida inteira sem conseguir ultrapassa-lo demonstra o quanto Emerson estava guiando o fino em 74.
    E o dia 06 de outubro de 1974, é inesquecível. Comemorava meus 14 anos de vida assistindo o José Carlos Pace comemorando seu niver também conquistando o segundo lugar já na brabham e o bi campeonato do Emerson.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Mauro Santana disse:

    Parabéns Lucas por mais um texto maravilhoso.

    Realmente em 74 Emerson mostrou que era uma fera mesmo, pois muitos achavam que em 72 ele conquistou o título por estar pilotando um excelente carro e por J. Stewart já estar em decadência.

    Eu tenho em casa o especial do Emerson que foi lançado pela 4 rodas acho que em 2004, e é fantástico!!

    Abraço

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  4. Carlos Chiesa disse:

    Efetivamente, uma das melhores temporadas de todos os tempos, por todos os aspectos alinhados brilhantemente acima.

  5. Robinson Araujo disse:

    Bons tempos em que cada equipe buscava soluções distintas e detinham conjuntos bem diferenciados entre si. Pinte hoje todos os carros de branco e vejamos quantos os diferenciam.
    Emmo soube como ninguém aproveitar as possibilidades que lhe foram dadas e ganhou realmente na regularidade.
    o M23 é um daqueles F1 que ditaram moda na categoria e ficarão em nossas memórias eternamente!

  6. Fernando Marques disse:

    A temporada de 1974 é inesquecivel.
    Pelo que me lembro a temporada começou com amplo favoritismo para Lauda e a sua Ferrari, indiscutivelmente o conjunto mais rápido, principalmente após as duas etapas iniciais disputadas na America do Sul. Mas Lauda e sua Ferrari foram frágeis e a temporada acabou por marcar um grande um equilíbrio técnico entre as equipes. Emerson com sua frieza, estratégia e precisa pilotagem acabou gerando para si mesmo um fator decisivo na conquista de seu bi-campeonato.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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