O esporte e a vida

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O esporte é uma redução da vida, dizia Enzo Ferrari, daí o fascínio universal por ele. E, como na vida, há muitas coisas no esporte além de qualquer possibilidade de explicação.

Foi pior do que o Maracanazo, muito pior do que as três derrotas para a França e o desastre do Sarriá.

A derrota apocalíptica da Seleção Brasileira, ontem, ultrapassa toda e qualquer possibilidade de uma explicação lógica, factual, psicológica ou institucional e reduz, nós, país, time e comentaristas, à nossa insignificância. Nada podemos explicar, assim como nada pudemos explicar sobre Imola 94, por exemplo.

Nos resta lembrar a perversidade própria do esporte – o esporte que pune a arrogância, a cupidez, a desorganização, a incompetência, a corrupção, o esporte que premia a humildade, a modéstia, a diligência, a competência, a honestidade.

O caso, porém, é que a frase acima seguirá sendo perfeitamente verdadeira se a palavra “esporte” por trocada por “vida” e se se inverter os verbos “pune” e “premia”.

O esporte é uma redução da vida, dizia Enzo Ferrari, daí o fascínio universal por ele.

Como na vida, há muitas coisas no esporte além de qualquer possibilidade de explicação. Injustiças flagrantes contra réus e vítimas, erros premiados, acertos punidos – e o inverso de tudo isso, todo o tempo.

Ontem, no Mineirão, vimos um resultado em grande parte injustificado. Nem o Brasil é tão ruim, nem a Alemanha tão boa. Como justificar tantos erros em tão pouco tempo por profissionais inegavelmente qualificados?

Cabe lamentar os acontecimentos e, na medida das nossas poucas luzes, identificar e corrigir erros, visando o futuro. É inútil, até perverso, tentar explica-los além de limites estritos.

Em qualquer caso, concordo com o post de ontem de Alessandra Alves, no FaceBook, minutos após o encerramento do jogo: “a derrota por 7 a 1 para a Alemanha poder ser a ‘morte do Senna’ para o futebol brasileiro. Esse tipo de coisa pode afastar gerações”, escreveu ela.

Diante da impotência dos comentaristas frente à dimensão dos acontecimentos de ontem, é o que se pode dizer.

Abençoados sejam Sebastian Vettel e Fernando Alonso!

Por alguns instantes, em Silverstone, eles trouxeram de volta à Fórmula 1 aquilo que nossa comunidade, aqui no GPTotal, tanto sente falta.

Seria o caso de veicular aqui e em todos os lugares o vídeo da disputa entre eles, a imortalizando como aquela entre Gilles Villeneuve e René Arnoux, em Dijon 79. Mas, todos sabem, Bernie Ecclestone não permite a reprodução de trechos dos GPs. Tristes tempos!

Silverstone não era minha pista preferida na Inglaterra, perdendo de 7 a 1 para Brands Hatch, suas curvas de todos os tipos, subidas e descidas, o mato em volta soando como música para quem, como eu, tem o velho Interlagos como referência. Isso e mais a estreia de Emerson por lá em 70, a linda vitória dele em 72, um galante 2º lugar no GP de 74.

Com o tempo, porém, aprendi a gostar de Silverstone. Como não poderia, sendo a casa das curvas Woodcote e Stowe?

Ok. Só vi uma corrida com a velha Woodcote, 73, aquele GP do acidente de Jody Scheckter ao final da primeira volta. Por conta dele, e também porque os carros estavam se tornando bestas ainda mais selvagens, lá se foi a Woodcote, bem quando chegava a minha vez de curti-la.

O leitor mais jovem não pode ter uma boa noção do tamanho do pecado que era mexer num traçado clássico naquela altura, tanto mais para reduzir a velocidade dos carros. Radicais, os defensores do automobilismo “clássico” criticavam até os guard rails, argumentando que só corria em meio a árvores, pedras e povo em geral quem queria.

Mas a realidade e a segurança dos pilotos falaram mais alto. E assim, em 75 (O GP da Inglaterra, naquela época, alternava Brands Hatch e Silverstone), havia uma chicane no meio da Woodcote.

Para minha agradável surpresa, era linda e muito diferente daquela instalada em Monza, em 72: ao invés de travar a entrada da chicane, forçando o piloto a frear forte ainda na reta (como foi a opção dos italianos), optou-se por forçar a redução da velocidade na saída da chicane. Resultado: era espetacular ver os carros tentado frear depois de terem ingressado nela. A lição não foi esquecida: quando a Stowe teve de ser modificada, na reforma de Silverstone de 91, deixou-se intactas a aproximação e entrada da magnífica curva, intervindo apenas na sua saída.

Veja a velha chicane de Silverstone no vídeo abaixo, ainda que em uma única passagem, José Carlos Pace com Brabham liderando o pelotão que acabara de largar para o GP de 75.

httpv://youtu.be/MSekfIWXS0w

Hoje?

Bem… Silverstone é uma pista de F1 mas não me parece muito diferente das demais recém criadas, Malásia, Bahrein, sua qualidade sendo medida pela suntuosidade dos boxes, não pela personalidade e desafio do traçado.

E, ironia das ironias, o traçado antigo da Woodcote foi restabelecido mas como reduziram a uma fração a reta que a antecede, a sua velocidade de percurso não desafia mais ninguém…

Não dispensei maior atenção à notícia da relargada como opção ao safety car. Ela me parece tão veraz quanto aquela proposta de fazer uma rotação entre os pilotos e equipes, Schumacher na Minardi, blá blá blá.

Em tese, não é uma ideia ruim pois a largada é quase tudo na Fórmula 1 de hoje (tristes tempos…). Na prática, basta ver o que aconteceu em Silverstone: a paralisação de uma corrida estende demasiado a sua duração.

Vocês acham que as emissoras de TV topam conviver com um risco assim? E o que diriam os defensores do automobilismo clássico? Para uma corrida por um hora pra consertar uma lâmina de guard rail? Em plena reta??

Na transmissão dos treinos do GP da Áustria pela Globo, Rubinho tentou explicar por que os melhores deixam para o último momento suas voltas de classificação.

Para o ex piloto, é uma questão de emborrachamento da pista, etc. e tal. Resposta errada, creio eu: corredores de verdade gostam de ser expostos aos limites extremos e nenhum deles é mais extremo que desafiar o cronômetro e a própria capacidade de superação naquelas condições.

Abraços

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

5 Comments

  1. Lucas dos Santos disse:

    Silverstone é uma pista que eu adoro. Mas não consigo aceitar a mudança no traçado, realizada em 2009. Ela eliminou o que eu considerava a melhor parte do circuito!

    A mudança dos boxes em 2010 me causou um efeito estranho. Não consigo enxergar as curvas Stowe e Club como sendo as últimas do circuito. Para mim é como se houvesse “duas retas principais”: uma lá onde era antes, na Copse e outra onde é atualmente!

    Quanto à paralisação da corrida, Martin Brundle, durante a transmissão da corrida pela TV britânica Sky Sports F1, questionou a necessidade de bandeira vermelha nos dias de hoje. Para ele, foi um exagero paralisar a prova para o conserto do guard-rail. O conserto era necessário sim, mas a corrida poderia muito bem ter ficado sob Safety Car – como ocorre em Le Mans. Eu concordo com ele. Pelo menos haveria alguma “ação” na pista e ficaria menos monótono, além de não atrasar o fim da corrida, já que as voltas seriam descontadas nesse meio tempo.

  2. Allan disse:

    Como eu tenho dito, brasileiro é “carente” não só de heróis, como em SER um heróis. Depois que Senna levantou a bandeira em Detroit 1986 e, mais ainda, saiu nos braços do povão em 1993 em Interlagos, todos buscam mais do que a realização profissional – querem um reconhecimento público de que não só são bons (ou excelentes) profissionais como são heróis. Assim tentou Barrichello, assim como Lula achou que tivesse conseguido, assim como Lyoto Machida e David Luiz, em suas entrevistas pré-luta e pós-jogo, falaram em fazer algo pelo povo. São pessoas que se responsabilizam além do que eles mesmos deveriam se cobrar: não estão jogando por uma nação, e sim por ele, para que ele dê o seu melhor. Não deu, azar. Mas colocar nos ombros a responsabilidade de agradar centenas de milhões de pessoas, aí não dá. Chamo isso de complexo de Ayrton Senna, um mestre em fazer isso “da boca pra fora”, eis que ele queria mesmo era ganhar para si. Sabia muito bem distinguir a responsabilidade para si e, vindo o resultado, aí sim se auto-eleger bom moço, herói, etc. Ocorre que quem veio depois não consegue entender isso, de buscar o resultado para si antes de tudo, algo que Valentino Rossi, Marc Marquez, Michael Schumacher, Sebastian Vettel fizeram e fazem tão bem. Coisa que Hamilton já sofre, porque acha que tem uma legião de fãs que devem ser “agradados” (aquela falsa humildade, pois ninguém deveria se colocar em posição de herói, que é bem diferente de responsável). Critico o David Luiz por, talvez inconscientemente, buscar esse lugar de herói, porque ele não é. Admiro por enquanto o Joaquim Barbosa, porque ele não se coloca nessa posição, quis e fez mais por ele, do que ele entende correto.

  3. Ronaldo de Melo disse:

    Acho que a nostalga nos leva muitas vezes a julgamentos equivocados, e a avaliação dos traçados da F1 é sinal evidente disso. Eu sou apaixonado pelo esporte, e há poucas coisas mais lindas que uma boa volta de classificação em Ímola ou Dijon. Mas é necessário admitir que o gosto do populacho, pelas ultrapassagens, não se satisfaz em pistas como essas – ninguém passa ninguém! As últimas corridas em Ímola são prova disso, bem como foram o último GP da Áustria e da Inglaterra. Nesse último, a reforma deu ao circuito justamente o que faltava, um ponto de ultrapassagem, que foi onde ocorreram os pegas no domingo.
    E antes que argumentem sobre o duelo Villeneuve X Arnoux, não seria tão memorável se não tivesse sido algo único na história do esporte.

  4. Fernando Marques disse:

    Eduardo,

    perder para Alemanha era até esperado, assim como uma vitoria de nossa seleção. mas tomar de 7 foi demais da conta. Mas ela pode servir de grande lição. Futebol é um esporte coletivo e uma seleção não pode apenas depender apenas de um craque para ganhar um campeonato. Pode até ganhar alguns jogos ma nunca um campeonato.

    Com relação a Silverstone sempre admirei a pista por ela ser de alta velocidade. E acho que ela difere das demais ainda por causa disso.

    Esta questão da relargada é mais uma invenção sem lógica e que fere o espirito esportivo da Formula 1 na minha opinião. Não me agrada. É chato para quem lidera uma corrida com folga perder a sua vantagem por causa de bobagens cometidas pelos seus adversários que estão lá trás. Isso pode até gerar armação assim como acontecido em Cingapura.

    A disputa entre Vettel e Alonso chamou mais a atenção pelos chororôs dos dois via radio do que a bela disputa em si. Bom era quando Piquet ultrapassava o Senna por fora na Hungria e ainda mandava ele tomar nos fundilhos por dificultar a ultrapassagem. Imagina a confusão que seria s oo Vettel mandando o Alonso tomar nos fundilhos via rádio após concluir a ultrapassagem.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  5. Mauro Santana disse:

    Grande texto Edu!!!

    A respeito do jogo de ontem, na minha opinião o castelinho de cartas da nossa seleção desmoronou, e pior, não vejo num futuro próximo jogadores de qualidade para vestir o nosso manto sagrado.

    Ficar refém de somente um craque, é pra ver em que nível o nosso futebol se encontra.

    Agora a respeito da F1, você Edu tocou num ponto que eu já venho me perguntando faz tempo, que é os caras detonarem traçados clássicos para se ter um melhor “conforto” na área dos boxes.

    Isso é uma VERGONHA, pois detonaram Silverstone, quase detonam mais o já detonado Interlagos, e assim por diante.

    Se para a velha raposa de rabo mais peluda de todas interessa o público da TV, então para nós que acompanhamos a F1 pela TV pouco importa a área de padock, mas sim a corrida numa pista de verdade.

    Olha, a coisa esta feia, e esta feia demaisssssssssssss.

    Abraço a todos!!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

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