“O ESTRANHO RALF”

SUPERCAMPEONATOS
13/02/2004
WITH A LITTLE HELP FROM OUR FRIENDS
16/02/2004

Luis Fernando Ramos

Parece que após Jacques Villeneuve sair da Fórmula 1, só restaram os pilotos RP: frases feitas, ninguém fala publicamente mal do carro ou da equipe, os ataques verbais aos adversários são sempre indiretos e evasivos. Em suma, teremos em 2004 vinte cachorrinhos árduamente treinados para sentar e dar a patinha durante os eventos de promoção dos patrocinadores (ou nas coletivas de imprensa após as corridas… quer dizer, este segundo evento já virou sinônimo do primeiro, então deixe prá lá).

Se estamos isentos de personalidades fortes, resta-nos buscar um piloto de caráter, no mínimo, controverso. Numa eleição pessoal, escolhi Ralf Schumacher. O alemão da Williams é mesmo uma figurinha curiosa. O rosto de traços adolescentes contrasta com um ar eternamente arrogante – um paradigma para um piloto com meia dúzia de vitórias em 115 GPs, sempre dispondo de carros médio ou muito competitivos. Seu ar reservado e uma aparente incapacidade de ser simpático não contribuem muito para sua popularidade no paddock.

Para piorar, além de ser considerado um chato, o alemão é constantemente tachado de homossexual. Já fazem décadas que qualquer cidadão bem (in)formado não julga uma pessoa pelo o que ela faz entre quatro paredes. Mas no mundinho homofóbico e meretricial da Fórmula 1, ser um piloto gay é um pecado mortal. Por isso tudo foi surpreendente a rapidez com que Ralf desmentiu qualquer envolvimento com a modelo e silicone Katie Price, uma das mil peruas que infestam o circo.

O imbroglio ocorreu na última semana. Price, também conhecida pelo pseudônimo Jordan, compareceu há alguns anos em diversos GPs fazendo promoções para a… Jordan! Nesta época, segundo a moça, surgiu um affair que teria durado três anos. Ralf negou tudo, com veemência. “Conheci esta moça num evento promocional. Tudo o que ela diz ter ocorrido depois é uma mentira. Nunca houve nada!”

Dou o benefício da dúvida a ele. O que não falta num paddock da Fórmula 1 é mulher interesseira. Uma vez, em um fim de semana de corrida, uma garota de marketing de uma grande companhia estrangeira me pediu o telefone celular de um piloto brasileiro com o qual eu tinha contato. “Combinamos uma reunião mas houve uma mudança de horário e preciso avisá-lo com urgência”, argumentou. Inocente, confiei na palavra da moçoila e lhe dei o número. Soube depois que a “reunião” se deu naquela noite, num quarto de hotel, e aparentemente influiu positivamente no desempenho do rapaz no dia seguinte: quarto lugar no treino livre de sexta-feira!

Mas, voltando ao Ralf, me pergunto que mal lhe faria ter deixado este caso sem resposta. Que mal faria o mundo imaginar que ele tenha se divertido algumas vezes com uma peruona inglesa, numa época em que ainda não era casado nem tinha um filho? Afinal, este tipo de comportamento é tão aceito quanto louvado neste meio. Com certeza, o silêncio lhe traria mais benefício que prejuízos.

Como curiosidade, vale a pena identificar a origem dos rumores sobre a opção sexual do alemão. Era o ano de 1997 e a dupla de pilotos da Jordan vivia uma relação explosiva. No GP da Argentina, Ralf tentou uma ultrapassagem otimista demais sobre Giancarlo Fisichella e o tirou da corrida. Pior, terminou a prova em terceiro lugar, o primeiro pódio da equipe em mais de um ano e meio. Coincidência ou não, nenhum mecânico da equipe saiu dos boxes no final da corrida para assistir à cerimônia de premiação.

Meses depois, em Hockenheim, Ralf chegou ao circuito todo prosa, após haver pontuado nas duas corridas anteriores e com a Miss Alemanha o acompanhando. Inspirado, bateu Fisichella em todos os treinos livres. Faltando uma hora para a classificação, pânico na Jordan: ninguém encontrava o italiano para a reunião de briefing.

As dúvidas se dissiparam quando Giancarlo apareceu do fundo de um dos motorhomes da equipe, com um sorriso no rosto. Segundos depois, também sorrindo, vem a tal Miss Alemanha. Para coroar a situação, Fisico se classificou na primeira fila, seu companheiro apenas em sétimo. Ralf ficou destruído e sua popularidade nunca mais foi a mesma desde então.

Deixando sua vida pessoal de lado, vamos avaliar a atitude profissional do “primeiro-irmão” na Fórmula 1. Depois de sua primeira vitória, no GP de San Marino de 2001, Ralf Schumacher se tornou irritantemente arrogante, mesmo na mídia alemã – a mais importante para ele e para seus principais patrocinadores. Talvez confunda suas seis vitórias com os seis títulos do mano Michael.

Outro ponto curioso: o piloto entrou em rota de colisão com seus chefes na Williams por uma questão salarial. Seu contrato expira no fim desta temporada e o esperto empresário Willi Weber pediu US$ 15 milhões para renová-lo. Frank ofereceu nove, mas o alemão recusou. Interessante, tendo em vista que Ralf só rendeu mais que o companheiro de equipe Montoya na temporada de estréia do colombiano na Fórmula 1.

De lá para cá, foram momentos esporádicos de brilho (como a pole em Mônaco e as vitórias em Magny-Cours e Nürburgring no ano passado) intercalados com períodos longos de pilotagens resignadas. De certa forma, é um tipo de desempenho que se assemelha muito ao de Rubens Barrichello. Há talento, há velocidade, mas falta consistência.

Por isso tudo, é bom ficar de olho em Ralf nesta temporada. Os testes de pré-temporada indicam que a Williams vai andar uma barbaridade. É sua chance de mostrar o que sabe, sair da sombra do irmão, dobrar o companheiro-inimigo, dar razão para sua arrogância e mandar uma banana aos que especulam sobre sua vida íntima. Ou será o início de uma inevitável e irreversível curva descendente em sua carreira. Apostas?

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Já que citamos a falta de Bad Boys na Fórmula 1, vocês sabem a última do Eddie Irvine? O juiz inglês Nicolas Evans expediu um mandado de prisão contra o irlandês. Motivo: o ex-piloto não compareceu à nenhuma audiência de um processo que sofre por pilotar uma vespa com excesso de velocidade e sem licença de dirigir em seu país. É nestas horas que alguns cantores sertanejos e jogadores de futebol dão graças a Deus por terem nascido no Brasil, onde condenações por “meros” homicídios culposos no trânsito só valem para assalariados normais.

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O sueco Mattias Ekkström é um dos “babyssauros” da DTM – o campeonato de turismo alemão. Com seu Audi TT, sempre incomoda os favoritos e já até ganhou corrida. No último fim de semana, participou do Rali da Suécia, segunda etapa do Mundial de 2004, com a intenção de se divertir. Fez muito mais do que isso: foi o mais veloz em oito das 19 especiais disputadas e ganhou a competição no Grupo N (para carros sem preparação). Choveram convites para continuar no rali, mas ele recusou todos. “Levantar sempre às cinco da manhã para acelerar tudo durante três dias não é prá mim. Uma vez por ano basta!” Imagina se ele não fosse preguiçoso…

Um abraço e até a próxima,

Luis Fernando Ramos

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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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