No último fim de semana, o mundo da Fórmula 1 aguardava ansiosamente por ver Lewis Hamilton atingir a marca de 41 vitórias e, assim, igualar Ayrton Senna. A espera, além da relação fã-ídolo que chega a patamares inda maiores na voz do inglês (“sinto que estou carregando o bastão por nós dois”, declarou o líder do mundial), tinha também um charme em especial: o GP de Cingapura de 2015 era o 161º disputado pelo britânico, rigorosamente o mesmo número de largadas de Ayrton Senna.
Por tratar-se de um circuito de rua, e principalmente pela prova ser disputada à noite, era fundamental que Hamilton anotasse a pole position. Porém, isso não aconteceu: Lewis conseguiu apenas a quinta colocação. E o primeiro colocado seria o vencedor da prova, Sebastian Vettel, que passou a ter… uma vitória a mais que Senna.
Mas a não pole de Hamilton minou também a chance de o inglês igualar Senna em outro número fantástico: Lewis vinha largando em primeiro desde o GP de Mônaco. Foram sete primeiras colocações consecutivas, uma a menos do que Senna conseguiu entre os GPs das Espanha de 1988 e dos EUA de 1989.
Números totais dão sempre mais publicidade – Wayne Rooney superou Bobby Charlton em gols pela Inglaterra e Sergio Agüero passou Maradona na lista argentina –, mas trazem mais curiosidade do que importância histórica: são contextos, circunstâncias, momentos e meios bastante distintos de se chegar a um mesmo número final.
Por outro lado, quando se trata de números sequenciais ou obtidos num período X, a comparação (obviamente com ainda outras perspectivas e ressalvas a serem feitas) se torna mais justa, ou pelo menos não apresenta tantas variáveis.
Quando Senna estabeleceu sua marca de oito poles consecutivas, a melhor sequência de todos os tempos havia sido a de Niki Lauda na lendária temporada de 1974: seis. Basicamente, foi um ano em que a Ferrari tinha um carro bastante superior em velocidade final e aerodinâmica, mas que padecia do velho mal da confiabilidade.
Em 1975 o próprio Lauda marcaria as mesmas 9 poles do ano anterior, mas o fez sem emendar mais do que quatro largadas na ponta. Nigel Mansell teria entre o fim de 1986 e ao longo de 1987 uma sequência espetacular nos treinos (15 primeiras filas), mas também não fazendo mais que 4 poles consecutivas. Tanto Lauda quanto Mansell dispunham dos carros mais rápidos, com alguma margem de lucro.
Quando dividiu a McLaren com Prost, Senna impingiu ao francês um verdadeiro massacre em termos de velocidade pura: de 32 classificações, Ayrton bateu Alain 28 vezes (14/16 em cada ano), largando na primeira fila 31 vezes, sendo 26 poles. Na reta final de 1988 e no começo de 1989, foram 8 primeiras colocações seguidas nos treinos, Prost só não sendo o segundo colocado em uma delas.
Eis a lista das pole-positions (diferença para o segundo lugar):
1- Espanha, Jerez: 1min24seg067 (Alain Prost, +0.067)
2- Japão, Suzuka: 1min41seg853 (Alain Prost, +0.324)
3- Austrália, Adelaide: 1min17seg748 (Alain Prost, +0.132)
4- Brasil, Jacarepaguá: 1min25seg302 (Riccardo Patrese, +0.870)
5- San Marino, Imola: 1min26seg010 (Alain Prost, +0.225)
6- Mônaco, Monte Carlo: 1min22seg308 (Alain Prost, +1.148)
7- México, Hermanos Rodríguez: 1min17seg876 (Alain Prost, +0.897)
8- EUA, Phoenix: 1min30seg108 (Alain Prost, +0.409)
Esse recorde permanece até hoje, e desde então apenas outros 3 pilotos conseguiram marcar uma sequência de 7 poles: o próprio Ayrton Senna seria o primeiro deles, entre Espanha 1990 e Mônaco 1991. Depois, Alain Prost, nas primeiras sete corridas da temporada de 1993. O terceiro seria Michael Schumacher, entre Itália 2000 e Brasil 2001. Por fim, Hamilton, ao longo das sete provas anteriores deste 2015.
Além de Lauda, 1974, outras 4 vezes pilotos marcaram 6 poles seguidas: Mika Häkkinen (1999), uma vez, Nigel Mansell (1992), outra, e novamente Ayrton Senna, duas vezes (no começo de 1988 e na reta final de 1989). Portanto, 4 das 10 melhores sequências de pole-positions foram conquistadas por Ayrton Senna.
Todas as 10 grandes marcas foram obtidas, óbvio, por carros absolutamente dominantes, e não coincidentemente todos eles — exceto Senna, em 1989 — foram campeões mundiais (está ouvindo, Lewis?), mas o fato de o nome de Ayrton Senna ser o único a se repetir, e por 4 vezes, nos leva a pensar.
O feito das poles seguidas está inserido em outro recorde de Senna: as 24 pirmeiras filas consecutivas (obtidas entre a segunda metade de 1988 e ao longo de 1989), e esta é outra marca que Lewis Hamilton vinha perseguindo e viu lhe escapar em Cingapura: o inglês terminou com 20, a segunda melhor marca da história.
Analisando num contexto mais amplo, entre os GPs da Austrália de 1987 e Mônaco de 1993 — total de 87 GPs! — Senna só ficou duas vezes fora dos quatro primeiros (nos EUA-1990, quando largou em quinto e venceu a prova, e no México-1992, largando em sexto e abandonando quando era terceiro), e míseras seis fora do Top 3: um aproveitamento RIDÍCULO de 93,1% entre os três primeiros.
Em sua carreira, Senna largou entre os quatro primeiros 133 vezes (ou 82,1% de suas presenças em treinos) — e a maioria das corridas em que não largou em no máximo quarto foi pela Toleman. Somente Fangio teve porcentual superior de largadas na frente, e com menos de um terço dos GPs. Para efeito comparativo, EXCLUINDO suas seis primeiras corridas (final de 1991) o período Mercedes (2010-12) Michael Schumacher soma 77,8%.
A posição média de Senna no grid seria 3,15. Somente Fangio — que disputou 51 GPs, 110 a menos do que Senna — teria marca melhor: 1,78. O próprio Jim Clark, referência absoluta quando se fala em rapidez, fica atrás: 3.46. Detalhe: Clark participou de 89 corridas a menos do que Senna.
É emblemático notar, também, que Senna tenha marcado uma sequência de 4 poles nas últimas 4 provas que disputou (e foram 5 primeiras filas seguidas entre Japão-1993 e Imola-1994), tendo como companheiros de equipe pilotos que ganhariam 3 mundiais nos 5 anos seguintes.
Havia, pois, a chance de ele mesmo repetir ou quem sabe superar o próprio recorde.
Parece haver poucas chances de se questionar a superioridade de Ayrton Senna no quesito rapidez visto que ele enfrentou os mais diferentes adversários, nas mais diferentes pistas, com os mais diferentes modelos de qualificação e a bordo dos mais diferentes chassis e motores.
O melhor de todos os tempos não se sabe quem foi, mas provavelmente Ayrton faria a pole se houvesse uma corrida com os principais candidatos ao posto.
Abraços!
7 Comments
Meus parabéns ao autor da coluna, sempre procurei uma estatística nesse sentido, pois Senna fez “poucas” corridas na F1 e ter esse número de 65 poles era algo realmente insano, então eu comecei a me perguntar “E quantas primeiras filas esse sujeito não acumulou? E partindo até do 4º lugar, quantas mais vezes??”. Praticamente ele esteve no vídeo da TV como protagonista de largada entre 85 a 94, ou seja praticamente toda sua carreira! Como diria o cara lá do Top gear ao final do tributo ao Ayrton: “Villeneuve foi espetacular em várias ocasiões; Senna foi espetacular em todos os momentos em que entrou num carro”
Outro recorde de Senna: poles consecutivas num mesmo GP! 7 vezes seguidas (de 1985 a 1991) em… San Marino!
Marcel,
não resta duvidas sobre a velocidade do Senna, principalmente em voltas lançadas em busca da melhor posição no grid de largada. A sua coluna está sensacional.
Mas questiono a superioridade do Senna sob um outro aspecto. E isso tem a ver com a Mclaren/Honda de 88 e 89 que foi dominante nessas temporadas. Nunca a Formula 1 tinha visto um carro tão superior aos demais adversários até então. Não que isto tire os méritos do feito do Senna, mas este fator a meu ver foi mais importante do que sua velocidade dele em si.
E digo mais, no caso do Senna ainda tem uma outra questão se chamado Alan Prost. Por que ele não teve os mesmos números? … Porque Prost sabia que não era mais rápido que Senna em voltas lançadas e que também ele não precisava disso (largar na frente do Senna) para poder ganhar corridas e ser campeão também. A bem da verdade largar atrás do Senna nunca foi nenhum impecílio na carreira do Prost. E analisando sob este aspecto posso de certa forma afirmar que Senna na Mclaren nunca teve adversários nenhum para brigar pela pole. O que talvez tenha o mesmo ocorrido com Mansel na Willians/Renault em 91/92 e o Hamilton atualmente.
No mais parabens pelo tema.
Fernando Marques
Niterói RJ
Concordo com o Fernando Marques.
É inegável a velocidade nata do Senna, mas também é inegável que entre 1988 e 1990 ele foi o único piloto a ter o conjunto mais rápido de treinos (e nenhum formato circense de qualificação como os que surgiriam de 2003 pra frente).
Sempre que um cenário como esse ocorre um piloto rápido tende a ter os seus números maximizados. Vide as 17 primeiras filas seguidas do Damon Hill entre 1995 e 1996, as 40 poles do Vettel entre 2010 e 2013 (próximo da marca de 46 do Senna entre 1988 e 1991), as 49 largadas entre os 4 primeiros do Schumacher entre 2000 e 2003 (recorde, creio eu) ou as já mencionadas 16 primeiras filas seguidas do Mansell entre 1986 e 1988.
No caso de Senna e Vettel as semelhanças ficam mais evidentes ao verificarmos que logo após os quatro anos de domínio nas poles eles se deparam com um cenário inverso (um conjunto claramente superior a frente deles) e poucas poles nesse período (Senna fez duas em 1992 e 1993, Vettel só fez uma de 2014 pra cá).
A questão do Prost fica mais clara quando verificamos que em 1990 ele sequer fez pole e foi batido oito vezes pelo Mansell em qualificação, mas em corridas dominou com tranquilidade o britânico.
Grande abraço aos amigos
Arlindo Silva
Show de coluna, Amigo Marcel!
Com certeza Senna teria marcado muito mais poles na sequência doa sua carreira, e infelizmente caso ele tivesse tido um carro um pouco melhor nas temporadas de 87, 92 e 93, este número final seria muito mais alto.
Sem sombra de dúvida, quando o assunto é volta voadora de classificação, até hoje o Senna é o número 1 da história.
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-Pr
Caro Marcel,
Esta sua coluna sim que é uma POLE para você !!!
abs.