O lugar de Massa

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Nota dos editores: Coluna originalmente publicada em setembro de 2013, com a recente expectativa sobre o desenrolar do caso Felipe Massa x FIA, vamos relembrar as palavra do nosso colaborador Marcel Pilatti

Não duvido que Massa tenha passado por um grandioso trabalho de psicologia organizacional no período em que esteve na Ferrari: uma devoção suprema à equipe, por várias vezes classificando-a como religião, dando-lhe ares místicos ou comparando-a a seleção de futebol de seu país. Fizeram parte de todo esse processo os elogios rasgados à quem da equipe, principalmente se incitado a compará-los a quem estivesse “fora” (suas diversas contradições ao falar de Senna e Schumacher, por exemplo).

Esse fanatismo pela Ferrari tinha razões: o piloto, que cresceu em Maranello – desde 2001 tinha contrato – era, além de grato, ambicioso: sonhava em um dia correr pela equipe principal, vencer corridas e ser campeão mundial por lá. Foi tudo um roteiro, que teve momentos perfeitos para serem narrados no cinema: a primeira vitória em casa, a passagem a Kimi no ano seguinte, a mangueira de Cingapura, os 38 segundos de título, a mola na Hungria, os boxes da China, o “faster than you”, o choro no pódio com Piquet e, agora, o adeus.

Massa não se sente traído pela Scuderia: ele a compreende, sabe as razões que levaram a isso. Sabe porque Kimi – o mesmo que ele vinha batendo de modo claro ao longo de 2008 e na primeira metade de 2009 – voltou: Massa não consegue corresponder às expectativas do time.

Uma das defesas que sempre fiz de Massa era sobre sua postura com relação à mídia brasileira – parecido com o tenista Gustavo Kuerten -, não cedendo a resgates heroicos ou tecendo promessas impossíveis, como fez Rubens Barrichello: Massa nunca foi de dizer que iria vencer corridas X ou que iria vingar o povo. Nunca foi muito de ter paciência com perguntas estúpidas ou ficar de “chororô”.

No entanto, as contradições de algumas de suas declarações que citei de início começaram a invadir esse campo, após a não-renovação de seu contrato: no sábado, dia 14, li na internet que Massa deu entrevista à britânica Sky Sports, e durante essa conversa falou sobre Fernando Alonso: “Fernando foi o mais duro de meus companheiros, foi com ele que mais sofri“.

Essa primeira frase soa ambígua, e aparentemente não se aplica (somente) ao contexto técnico, mas Massa complementou: “Ele [Alonso] é completo”. E fez uma comparação na qual muitos não acreditariam: “Ele [Schumacher] era muito, muito bom. Surpreendente, mas acredito que Fernando consegue ser perfeito, melhor do que ele. Supera até o Schumacher“.

De imediato, lembrei-me de quando Alonso foi anunciado na Ferrari: Massa foi firme, dizendo não temer a concorrência interna com o espanhol: “Já tive Schumacher como companheiro de equipe, então não estou preocupado“. Porém, no dia seguinte, foi ao ar uma entrevista de Massa no programa “Esporte Espetacular”, en directo com Galvão Bueno, e o resultado foi outro…

Nessa entrevista, Massa rasgou o protocolo “Ferrari acima de tudo” – embora, por coincidência, estivesse vestindo uma camisa ferrarista em casa, num dia qualquer – e deixou surgirem as teorias da conspiração e o discurso do “brasileirinho contra esse mundão aí” aflorar: “agora não vou mais ajudar o Alonso, vou pra cima“, falando sobre as sete corridas restantes da temporada.

Outra de Felipe: “é, eu sou muito bonzinho, mesmo“. Mais uma: quando perguntado – ou melhor, insinuado, provocado – pelo entrevistador (que fez questão de relembrar que o patrocinador da Ferrari é um banco espanhol, sem $itar o nome, é claro!) se os gestos de carinho e amizade de Alonso para com ele eram verdadeiros, Massa foi irônico: “ah, ele não tem como não gostar de mim, né?!“, disse entre risos.

E logo em seguida veio a pergunta sobre o célebre episódio do GP da Alemanha de 2010: “aquele dia doeu, doeu muito“.

Felipe Massa deve terminar essa temporada com os seguintes números: 193 Grandes Prêmios, 11 vitórias, 15 pole-positions, 14 melhores voltas e 38 pódios. Bons números, de fato. Não são nada desprezíveis ou risíveis. Rubens Barrichello terminou sua carreira, em 2011, assim: 326 Grandes Prêmios, 11 vitórias, 14 pole-positions, 17 melhores voltas e 68 pódios.

A semelhança é enorme: considere-se que Barrichello teve 7 temporadas com carros de ponta (as seis pela Ferrari e a solitária pela Brawn), e Massa completa agora sua oitava temporada na Ferrari – sétima e meia, pensando em 2009. Nesse recorte, Massa teria os seguintes números: 11 vitórias, 15 poles, 14 melhores voltas e 38 pódios num total de 140 corridas. Barrichello, somaria: 11 vitórias, 12 poles, 17 melhores voltas e 61 pódios em 121 GPs.

Quase idênticos, apenas com Barrichello sendo mais constante que Massa: Rubens foi ao pódio em metade de suas corridas pela Ferrari, enquanto Felipe foi capaz disso em pouco mais de um quarto delas. Em 2011, por exemplo, Massa ficou sem ir ao pódio em um GP sequer!

No comparativo com Barrichello, Massa leva duas vantagens: venceu no Brasil – tenho pra mim que Rubens talvez abrisse mão de seu sonhado título mundial em nome de uma vitória em casa – e chegou a, de fato, disputar um título. Na análise fria dos números, Barrichello tem dois vice-campeonatos (2002 e 2004) contra 1 de Massa, mas em ambas as ocasiões em que terminou em segundo, Barrichello nunca chegou a flertar com o momento.

A vantagem de Barrichello para Massa acaba sendo pelo que fez fora da Ferrari (antes e depois): embora só tenha vencido na Brawn, fez poles e pódios com Jordan e Stewart, chegou ao pódio também pela quase fal(ec)ida Honda, e ainda protagonizou momentos interessantes pela Williams.

Outra vantagem de Rubens é que ele fez o dito papel quando corria com Schumacher – e com Button, talvez? – já Massa, não o fez somente com Alonso: além do próprio Schumy, ele trabalhou assim para Kimi Räikkönen – deixando escapar um “tri” em Interlagos (2007) – e até mesmo (sim!) para Nick Heidfeld (GP da Alemanha de 2002).

Afinal, o que Alonso e Schumacher de fato “devem” a Massa e Rubens? algumas vitórias, alguns pódios? Barrichello ainda recebeu um prêmio (EUA, 2002). Massa recebeu uma gratificação (China, 2008) apenas de Kimi.

Nesse saldo, Massa teria a ganhar tanto do alemão quanto do espanhol: em outro trecho da entrevista com Galvão, Massa disse, rindo, que “deixou de ganhar outras pra ajudar o Schumacher“. Falando sobre isso, Felipe não mostra a mágoa que demonstrou ao falar de sua relação – nas pistas – com o espanhol.

Uma cena que poucos lembram e comentam é a do pódio do GP do Japão de 2006: aquela cara fechada – algo raivosa – de Felipe ao ver o espanhol ganhar não apenas a corrida mas praticamente definir o mundial. O brasileiro marcou a pole, e já no início da volta 3 abriu passagem para o alemão. É claro, Schumacher disputava o título, não há qualquer forma de contestar aquilo de maneira coerente.

Massa tinha consciência de seu papel, e cria que seria o “futuro mocinho”. Achava que estava perdendo hoje para ganhar amanhã. Abrindo mão de uma glória momentânea para uma vitória maior depois.

Isso nunca aconteceu, sabemos.

As palavras de Massa, agora – endossadas até mesmo por sua esposa – são as do “piloto livre“, de querer “correr numa equipe onde possa disputar livremente“… tudo igual, tudo idêntico, ao Barrichello de 2005, que queria ir para a “promissora BAR”. De igual, eles têm até mesmo o lado “beatle”: o sonho [de ser campeão do mundo] não acabou.

Massa jogou no ar que pode ir para a Lotus (embora Hülkenberg pareça ter mais chances) ou então para a McLaren. Se fosse para esta última, lá ele seria companheiro de… Jenson Button. O mesmo Button que dividiu a equipe com Rubens entre 2006 e 2009 – e o bateu incontestavelmente.

O final, portanto, teria tudo para ser exatamente o mesmo, e mostrar que Felipe Massa e Rubens Barrichello são iguais não apenas em suas 11 vitórias.

Ah! Uma terceira entrevista de Felipe circulou na internet. Aparentemente, algum evento da Shell em um país oriental (pode ser em Singapura, pela data do vídeo e do GP). Surge uma pergunta da plateia: “algo que todos queremos saber: Fernando realmente é mais rápido que você?“. Massa respondeu assim:

Quase dois meses atrás, falei aqui sobre o Rubens Barrichello que, 11 anos depois, resolveu fazer piada de si mesmo e rejeitar sua posição de perseguido-humilhado.

Será que, lá por 2020, já fora da F1 e com 40 anos, Massa vai finalmente afirmar “Fernando was faster than me“?

Acho que seria uma boa oportunidade para Felipe Massa colocar-se novamente em seu lugar.

abraços

Marcel

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

1 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    Marcel,

    não me lembro se comentei isso que vou dizer em 2013 … mas nunca me esqueci de uma entrevista que Nelson Piquet deu para o Luciano Hulk (inclusive o LH viajou no avião do Piquet) e ele fez uma pergunta sobre o qu o NP achava do Rubens Barrichello. E Piquet disse que Ruinho era um otimo piloto, por que um bom piloto ao menos vencia corridas na F1. H então perguntou por que Rubens não foi campeão e ele disse que para ser campeão não bastava ser bom apenas, tinha que algo a mais.
    Felipe Massa antes do acidente da Hungria se encaixa exatamente neste perfil. Depois nunca do acidente nunca mais foi o mesmo. Chegou perto em seu primeiro ano na Willians em Austin, quando se aproximou e quase tirou a vitoria do Hamilton.

    Uma outa coisa em questão, e penso que seja até hoje, a maior sonho que um piloto de Formula 1 tinha era ser piloto da Ferrari por razões obvias. Só que já na Formula 1 Emerson e Piquet recusaram convites para ser piloto da Ferrari. Dizem que o Senna tbm. Barrichello e Massa tiveram essa glória. Foi bom para eles? Sim, creio que sim. ganharam corridas, ganharam um otimo dinheiro, mas campeões não foram … por causa do algo a mais.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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