O Mais Sujo dos Esportes

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A manobra de Vettel na última corrida me faz concluir que hoje, no mundo dos esportes, não há nada mais sujo do que a Fórmula 1.

Se fosse um episódio no futebol, seria chamado de trairagem. O que Sebastian Vettel fez com Mark Webber no domingo retrasado, na Malásia, foi um lance amoral típico dos escorpiões. Por sua natureza ser mais forte que sua moral, o peçonhento morde sua presa incondicionalmente, ainda que esta esteja lhe servindo de veículo para atravessar o rio, como na fábula que explica por que não se deve confiar em escorpiões e congêneres.

Acho que nem vale a pena alongar-se muito no episódio da Red Bull. Não sou eu quem está falando em uma pisada de bola histórica. O próprio alemão admitiu a culpa e demorou-se em desculpas públicas ao companheiro e à equipe. Se foram sinceras não me cabe julgar, mas Vettel é inteligente e, ainda que tenha contabilizado mais uma vitória na carreira, igualando-se a Jackie Stewart com 27 triunfos na Fórmula 1, sabe que, no momento, está mais sujo que carvoeiro no fim do expediente.

A bela ultrapassagem de Vettel sobre Webber encheu nossos olhos de desavisados, mas deixou Christian Horner e Adrian Newey passados. Não pelo risco a que expôs os dois carros da equipe. Muito mais danoso para a imagem da Red Bull era o que viria a seguir, com Webber fazendo cosplay de Gilles Villeneuve em Ímola 1982 ainda no pódio, ruindo a imagem de que, no time dos energéticos, não há combinação de resultados, sendo franqueada a briga fratricida.

Se você ainda acreditava nisso, parabéns pela sua pureza d´alma. O próprio Webber apelou para o mimimi depois do GP da Inglaterra de 2010, quando venceu o companheiro de equipe mesmo sendo preterido no uso de uma nova asa, instalada apenas no carro de Vettel. “Nada mau para um segundo piloto” foram as palavras do australianinho contra esse mundo todo. A despeito de se admitir como tal, Webber não achou ruim repetir o papel em 2011. E em 2012. E em 2013. Sabe qual a parte que lhe cabe nesse latifúndio, mas não é por isso que vai fazer papel de otário ao vivo pelas TVs do mundo inteiro. Subiu nas tamancas, escancarou a trairagem do companheiro de equipe. Para que ninguém pense que a Red Bull é a única freirinha virgem circulando na zona.

Durante muitos anos, eu me resignei com a constatação de que jogos de equipe fazem parte da Fórmula 1. Mas o mundo muda, as ideias se transformam. Não é porque sempre existiu jogo de equipe que temos de continuar com ele. Antes, sacrificavam-se virgens e escravizavam-se negros. As coisas mudam e eu gosto de viver em um mundo em outro grau de civilização. Talvez seja idealismo meu, mas sonho com uma Fórmula 1 onde o pau coma solto entre companheiros de equipe. “You may say I´m a dreamer…”.

Rubens Barrichello, novo colega comentarista de Fórmula 1, militando agora pelas fileiras da Rede Globo, chorou em rede nacional. Apresentado no programa “Esporte Espetacular”, recebeu o ex-jogador Tande em sua casa e assistiu com ele, com sua esposa e com seus filhos a alguns vídeos marcantes de sua carreira. Ao chegar ao GP da Alemanha de 2000, sua primeira vitória, desabou em lágrimas, não sem antes avisar aos filhos que choraria. Os meninos, bem safos, riram da cara do pai antes mesmo da sessão kleenex começar.

Duas coisas me chamaram a atenção na cena. A primeira foi a reafirmação do ex-piloto de Fórmula 1 sobre sua emoção, ao pensar que, naquele dia, era ele o responsável por fazer soar o “Tema da Vitória”. Ser o quinto brasileiro a vencer na Fórmula 1, o primeiro a bordo de uma Ferrari, vencer pela Ferrari em seu ano de estreia: nada disso era mais importante para Barrichello que fazer soar o “tan-tan-tan”. Hiper-realidade em estado puro. Ora, mas quem pode culpá-lo?

No ano passado, a novela “Avenida Brasil” criou comoção com uma história verossímil de vingança e violência que atingia seu ponto alto, em cada capítulo, ao “congelar” um personagem na cena final, criando gancho para o capítulo seguinte. Em dado momento, o website da emissora passou a oferecer um aplicativo para que cada espectador se autocongelasse, criando avatares que se multiplicaram feito peste nas redes sociais. Não era suficiente acompanhar a novela. Era preciso inserir-se nela. Barrichello nasceu para a Fórmula 1 quando esta não era mais um esporte apenas, mas um programa de TV de alto prestígio. Ao meu novo colega, não bastava vencer nas pistas, era preciso tornar-se esse personagem.

O outro ponto de destaque, para mim, foi o rápido balanço que fez de sua longa e recordista passagem pela Fórmula 1. Finda sua carreira na categoria, Barrichello diz-se uma pessoa realizada. “Claro que o título de Fórmula 1 não veio”, disse ele ao ex-campeão do vôlei, para depois admitir que isso não era tão grave, pois enxergava vitória em ter correspondido à expectativa do pai, que em dado momento vendeu um carro para continuar financiando a carreira do filho. E chorou abraçado aos filhos Fernando e Eduardo.

Como brasileira, eu preferia que Barrichello fosse um escorpião amoral como o foram Senna, Prost, Schumacher, e como o são Vettel e Fernando Alonso. Se eu fosse mãe ou filha do Barrichello, eu preferia que ele fosse exatamente como é. Meu pai era um engenheiro competente que sempre trabalhou com correção, mas nunca deixou de jantar à noite com a família nem perdeu finais de semana por conta de uma ambição desmedida de ser mais do que um supervisor de controle de poluição. Tivemos uma vida confortável e tenho lembranças maravilhosas de sua presença na minha infância. Essa talvez seja a imagem de Barrichello junto aos seus filhos. A única diferença é que me pai nunca foi à TV pedir para ninguém torcer por ele.

Equilíbrio entre negócios, economia e meio ambiente: sustentabilidade. O mundo percebeu que precisaria de uma Terra e meia para dar conta dos hábitos consumistas dos países industrializados, se esse padrão de vida se estendesse a todo o planeta. Como a Terra de que dispomos é essa mesma, vamos ter que nos adaptar para não implodir. Vamos emitir menos gases de efeito estufa, utilizar melhor a água, reciclar o lixo etc. O mundo todo caminha em direção à racionalização dos recursos. O mundo todo? Menos a Fórmula 1.

Assistir a uma prova dessa categoria hoje e constatar a quantidade abjeta de borracha desprendida dos pneus Pirelli é um acinte a qualquer conceito razoável de sustentabilidade. A mesma Fórmula 1 que utiliza recursos como o kers, que reaproveita a energia gerada pela frenagem para reacelerar os carros, passa vexame todos os domingos ao locomover-se em carros que são cópias sem charme dos antigos Dauphines, apelidados de “Leite Glória”, aqueles que desmancham sem bater.

Menos de dez voltas em cada corrida e lá está aquela farofa detestável na pista, criando um aspecto desolador para uma categoria que sempre primou pela tecnologia de ponta. Você pode concordar ou não com a manobra de Vettel na Malásia, e chamar isso de trairagem ou de culhões, mas acho que não vamos discordar em um ponto: com esse mar de detritos espalhados no asfalto, a Fórmula 1 é, de longe, o esporte mais sujo do mundo hoje.

Alessandra Alves
Alessandra Alves
Editora da LetraDelta e comentarista na Rádio Bandeirantes desde 2008. Acompanha automobilismo desde 83, embalada pelo bi de Piquet e pelo título de Senna na F3.

9 Comments

  1. Annibal Silva disse:

    Não é só a poluição. A formula 1 alimenta de forma doentia o status e desejo pelo carro, o excesso de automoveis se tornou um dos vilões do planeta. (vale lembrar que a industria automobilistica destruiu toda nossa herança ferroviária)

  2. Lucas dos Santos disse:

    Também não gosto nada desses pneus pouco duráveis da Pirelli.

    Querem que todas as corridas sejam iguais ao GP do Canadá de 2010, mas esquecem-se de que cada GP é único. Tudo bem que as corridas ficaram mais interessantes, mas se o objetivo é impedir que as equipes tracem estratégias previsíveis, creio que o caminho não é por aí.

    Em tempos de “sustentabilidade”, até eu, que não sou “ecochato”, sei que é fundamental que as coisas durem mais. Os pneus de hoje deveriam ser tão duráveis quanto os de 2005 – mas com as equipes livres para trocarem. E de preferência com um bom número de jogos de pneus, para não acontecer a palhaçada de hoje em que os carros ficam recolhidos na garagem em dias de treino para poupar compostos para o fim de semana.

  3. Jovino disse:

    Alessandra, eu particularmente, não gosto deste tipo de picaretagem que o Vetel fez com o Weber. Acho que a Formula 1 seria muito mais interessante se os pilotos, mesmo os da mesma equipe, particem para os pegas acirrados do que se submeterem a ordens de equipe. Aí muitos dirão que é a formula 1 atual e ela é mesmo assim. Não concordo. Espero que o Weber, que já está praticamente no final de sua carreira, dê uma porrada no Vetel se ele jogar sujo assim novamente. Jovino

    • Fernando Marques disse:

      Ter jogo de equipe na Formula 1 nunca foi novidade … sempre existiu …

      Fernando Marques
      Niterói RJ

  4. Fernando Marques disse:

    A Formula 1 é um grande negocio

    Fernando Marques
    Niterói

  5. Mauro Santana disse:

    Tô contigo Alessandra Alves!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  6. Pois é! Foi bonito a ultrapassagem do Vettel sobre Webber, mas acho que no lugar dele também iria desobedecer a ordem da equipe. Se estou mais rápido que o companheiro que está na minha frente, por que não passar? Igual o Hamilton e Rosberg, que o Rosberg queria passar todo o jeito em Hamilton. Mas o chefe da equipe Ross Brawn não deixou… fazendo jogo da equipe.. logo após final da corrida o Rosberg avisou que vai desobedecer na proxima opoturnidade. Pois é! Isso é o mundo da F1. Em questão da sustentabelidade que a Pirelli está fazendo? Tudo errado! Mostrando uma imagem que os pneus viram farofas fácil cil. Pro comércio isso não é bom. Não compraria pneu da marca Pirelli por causa a imagem que está passando na F1.

    • Luiz disse:

      O que a Pirelli está mostrando na F1 não é tecnologia dos pneus. É falta dela mesmo. Comprei já por duas ocasiões jogos de pneus Pirelli e comparado aos Goodyear e aos Michelin, os Pirelli são umas M…., acabam muito mais rápido. Não compro mais.

    • Allan disse:

      Taí algo que não corresponde ao que de fato ocorreu na corrida. Rosberg, na parte final da prova, PASSOU Hamilton 2 ou 3 vezes, sempre na reta oposta, para levar o troco na sequencia. Daí veio a reclamação e a ordem. Entendi que naquele caso haveria risco deles baterem, já que o Hamilton estava “deixando” Rosberg passar na reta precedente para repassar em seguida. Havia sim risco real do toque.
      Quanto ao Vettel, o “multi21” parece ser real, então é injusto que eu não mude a configuração do meu motor. O erro da equipe, já que havia dado a ordem, foi de não recriminar Vettel após a manobra e não ter autorizado Webber a voltar – se fosse possível – a programação mais agressiva.

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