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Está chegando a temporada 2016 da Fórmula 1. O que esperar?

Estima-se que a idade do planeta Terra gire em torno de 4 bilhões de anos. O ser humano, em sua fase evolutiva, conhecida como homo sapiens, surgiu no planeta entre 250 mil e 400 mil anos atrás. Na comparação com o ambiente que habitamos, somos muito, muito crianças, e talvez isso explique por que ainda temos, socialmente, atitudes tão infantis. A necessidade de escolher, enaltecer e depositar esperanças em figuras messiânicas persiste e, em grande medida, é louvada como solução para problemas estruturais muito complexos. Continuamos buscando heróis, na vida e no esporte, e a Fórmula 1 parece ter escolhido o seu messias para a temporada de 2016: o alemão Sebastian Vettel.

O tetracampeão pela Red Bull inicia seu segundo ano como piloto da Ferrari reconhecido como a principal, senão única, ameaça ao domínio da Mercedes. Ainda que o alemão Nico Rosberg tenha vencido as últimas três corridas de 2015, parece mais lógico apostar em Vettel como oponente ao tricampeão Lewis Hamilton que em seu companheiro de equipe. Em primeiro lugar, porque Hamilton deu mostras de ter desativado o modo “ultracompetitivo” da sua mente depois de garantir o título no GP dos Estados Unidos. Sua motivação para conquistar o tetra deve modificar bastante sua conduta no início da atual temporada.

E segundo, e mais importante, porque Nico não parece dispor de mais prestígio dentro da equipe do que Hamilton. Divulgada no início do ano, uma estimativa de salários na Fórmula 1 aponta que Hamilton fatura em torno de 28,5 milhões de euros por temporada, contra 16,8 milhões do companheiro. Claramente, um é primeiro piloto, o outro, escudeiro. A Mercedes, em que pese o discurso de isonomia, trabalha unida em torno de um deles e, a menos que Hamilton tenha um início de campeonato desastroso, deve ser em torno do inglês a aposta para mais um Mundial de Pilotos, com Rosberg garantindo pontos que levem o time a mais um Mundial de Construtores.

Assim, repousam em Vettel todas as esperanças de um Mundial mais competitivo que o de 2015. Não parece ser exagerada a perspectiva Vettel. Os testes de pré-temporada, em Barcelona, demonstraram uma aproximação real entre a Ferrari e a Mercedes. A análise do desempenho dos quatro carros das duas equipes sugere que a vantagem da Mercedes sobre a Ferrari hoje seja de dois a três décimos de segundo, em ritmo de classificação. Sinais de que a Ferrari possa alcançar a Mercedes foram ainda mais evidentes quando comparados os dados obtidos em ritmo de prova.

Claro que nem todas as informações foram postas à mesa. O paddock afirma quase em uníssono que a Mercedes não demonstrou toda a força do seu motor e provavelmente só fará isso na classificação, agora em formato de “resta um”, na tarde do próximo sábado (madrugada no horário de Brasília). Considerando que Vettel já foi a sombra mais próxima da Mercedes em 2015, conquistando inclusive três vitórias (as únicas de um piloto de fora da Mercedes), é natural colocá-lo como oponente natural de Hamilton. E por que Vettel e não o companheiro Kimi Raikkonen? Basicamente, pelos menos motivos que colocam Hamilton à frente de Rosberg. Além das vitórias, Vettel subiu ao pódio mais dez vezes em 2015. Kimi, três. Vettel ganha 27,5 milhões, contra 6,4 milhões de Kimi. Vettel claramente tem a Ferrari nas mãos, e se há um time que privilegia o primeiro piloto, historicamente, é a Ferrari.

Ainda com base nos testes de inverno, atrás de Mercedes e Ferrari surge a Williams, exatamente como em 2015. Perspectivas para Felipe Massa? Além de voltar a vencer um GP, poucas, inclusive porque o bom desempenho da Williams parece restrito ao ritmo de classificação, perdendo rendimento ao longo da corrida.

Na sequência, Red Bull, Force India e Toro Rosso. No caso da Red Bull, a performance de Daniel Ricciardo chamou atenção não apenas em ritmo de prova, mas principalmente pelo menor desgaste de pneus, característica que pode ser vital em determinadas pistas.

Bem atrás desse segundo bloco, surgem Sauber, McLaren e Renault. A Sauber, do brasileiro Felipe Nasr, segue patinando em problemas financeiros, e não deve oferecer grandes perspectivas ao piloto de Brasília. O quinto lugar na corrida de Melbourne de 2015 (melhor estreia de um brasileiro na categoria) não se repetiu ao longo do ano, pela baixa competitividade do carro. Ainda assim, Nasr conquistou 27 pontos no campeonato (três vezes mais que o companheiro Marcus Ericsson) e conseguiu um sexto lugar na corrida da Rússia. O ano de 2016 será decisivo para que ele, ao mesmo tempo, confirme amadurecimento nas pistas e trabalhe politicamente no paddock, para se credenciar a uma equipe de melhores possibilidades em 2017.

A nanica Manor não deve fazer muito mais que figuração, e a discreta evolução da McLaren sugere que Fernando Alonso e Jenson Button estarão um pouco mais distantes do fim do pelotão que em 2015, deixando a lanterna para a equipe agora representada pelo alemão Pascal Wehrlein e pelo indonésio Rio Haryanto. A estreante Haas não parece fadada ao vexame, pelo contrário. Com pneus macios, a nova equipe conquistou em Barcelona um tempo capaz de colocá-la em quinto lugar no grid do GP da Espanha do ano passado. Nada mal, mas também nenhuma sombra a Mercedes e Ferrari.

Desta forma, a expectativa – ou antes, a torcida – por um campeonato mais emocionante passa por Vettel. Na verdade, não passa. Estaciona nele, pois dificilmente uma opção fora desses quatro pilotos, com Hamilton e Vettel à frente, terá chance de desafiar a hegemonia atual. E então voltamos ao início deste texto.

Por que em vez de eleger um messias, um salvador, um herói, a Fórmula 1 não ataca a estrutura que a tem enfraquecido nos últimos anos? Por que não organizar as equipes de maneira a que as diferenças de orçamento entre as gigantes e as nanicas seja menor, a ponto de não haver gigantes e nanicas? Por que não aumentar a competitividade na pista dando mais autonomia aos pilotos e menos punições para atitudes supostamente antiesportivas? Por que não olhar mais para categorias do esporte a motor que trilharam esses caminhos (MotoGP, WEC, por exemplo) e fazer aquilo que, no ambiente corporativo, se chamam “boas práticas” em vez de se fechar na arrogância de “maior categoria do mundo”? Por quê?

Em meio a mais indagações que certezas, desejo a todos uma excelente temporada de Fórmula 1.

Alessandra Alves
Alessandra Alves
Editora da LetraDelta e comentarista na Rádio Bandeirantes desde 2008. Acompanha automobilismo desde 83, embalada pelo bi de Piquet e pelo título de Senna na F3.

3 Comments

  1. Celso disse:

    Alessandra,

    Cheguei no texto hoje, quase véspera do GP da China.
    Realmente a Haas surpreendeu. Tanto que o Grosjean é o quinto colocado hoje. Mas acho que é o “cavalo paraguaio” desse ano.
    E não é que o Rosberg começou bem melhor que o Hamilton?

    Acredito que (ainda) não teremos briga. Vai dar Mercedes e Hamilton tetra.
    Um abraço,

    Celso

  2. Fernando Marques disse:

    Alessandra,

    muito bom o seu texto e seu ponto de vista para o que pode ou não pode acontecer em em 2016.
    assino embaixo

    Fernando marques
    Niterói RJ

    • Fernando Marques disse:

      Só queria acrescentar uma coisa no meu comentário. A posição do Nico Rosberg dentro da equipe Mercedes está muito bem definida pela Alessandra, ele só entra no páreo se o Hamilton falhar … não resta duvidas que esta briga é entre Hamilton e Vettel … a Mercedes por mais que esteja liberando a disputa entre seus pilotos na pista, não vai dar um mole para Ferrari que deverá realmente concentrar as suas forças em Vettel.
      Quanto ao Massa eu ficaria feliz se ao menos ele vencesse mais uma corrida na sua carreira … ia trazer alegria para o Brasil tão cheio de vergonha como vemos nestes dias

      Fernando Marques

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