Ordem em meio ao caos

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Finalmente chegou o domingo mais feliz do ano para o entusiasta do esporte a motor. Por mais que o “jantar”, a Coca-Cola 600 da Nascar em Charlotte, tenha sido adiado por causa da chuva, ainda tivemos café da manhã e almoço fartos com a realização do GP de Mônaco e a Indy 500.

A começar pelo desjejum. Tivemos um GP de Mônaco 2023 que seguia bastante recatado. Uma chuva que começou devagarinho, a partir do giro 52 de 78, atiçou os ânimos. Não era difícil clamar por algo como Mônaco 1982.

Na ocasião, uma garoa nas voltas finais transformou em pandemônio o que até então era uma procissão modorrenta. O caos foi tamanho que nenhum piloto parecia querer se apresentar como vencedor. Ao fim, prevaleceu um atônito Riccardo Patrese e a pergunta, enquanto a pista molhava cada vez mais, era saber quem seria o Patrese da vez.

A maior surpresa, então, foi constatar que não haveria surpresa alguma. Mesmo com tantas escapadas, deslizes e beijos nos rails (com vários níveis de intensidade, de inocentes selinhos a beijaços cinematográficos), manteve-se a ordem em meio ao caos.

Max Verstappen sustentou sua merecida liderança, Fernando Alonso, mesmo com um pit a mais, ficou na segunda colocação e segue sendo uma máquina de fazer pontos. Esteban Ocon fez a alegria da até então acomodada Alpine, recuperou sua terceira posição perdida momentaneamente por um pit desastrado, ainda na fase seca, e subiu ao pódio. Sim, os três primeiros do grid… nas três primeiras posições.

Bem, se a qualificação para o grid é importante na F1 atual, em Monte Carlo isso ganha contornos ainda mais dramáticos, sobretudo porque os carros atuais da F1 estão enormes, beirando os seis metros (!) de comprimento.

Compridos demais, largos demais. Chamar de impossibilidade física uma ultrapassagem no Principado não é só força de expressão, os carros mal estão cabendo lá. A impressão é que nenhum carro vai conseguir vencer a Loews e todos ficarão entalados como em um bug de jogo de videogame.

A disputa pela pole no sábado, portanto, explicou muita coisa do que vimos no domingo e não há como não reverenciar os pilotos do pódio por suas belíssimas performances no qualify, principalmente porque os treinos livres não indicavam favoritismo destacado de nenhuma equipe.

A sempre favorita Red Bull com suas perseguidoras Aston Martin, Ferrari e Mercedes, estavam todas andando mais ou menos num mesmo patamar e houve até abertura para surpresas, como Ocon e sua Alpine.

Em meio à profusão descarada e constrangedora de áreas de escape asfaltadas, Mônaco continua relevante justamente por não permitir erros e desafiar o limite da precisão dos competidores. Não é mesmo, Sergio Pérez? A escapada abobalhada ainda na Q1 daquele que havia vencido a corrida em 2022 arruinou tudo – ao menos teve a hombridade de assumir a presepada. A Red Bull ficou duplamente pistola. Não apenas pelo acidente em si, mas pelo carro ter sido içado por uma grua. Nessa levantada, revelou em seus mais íntimos detalhes o precioso desenho do assoalho concebido por Adrian Newey – um prato cheio para a concorrência se lambuzar.

Charles Leclerc é outro também que acabou se autos-sabotando na corrida de casa ao trancar uma McLaren em pleno qualify, caindo de P3 para p6 do grid como punição. Ele continua a mostrar muito mais velocidade que Carlos Sainz, porém com menos pontos. Parece ter cada vez mais sentido que ele não confia na Ferrari e a Ferrari não confia nele.

Entre uma ou outra bobagem de outros competidores durante a prova, seja na ordem, seja no caos, chamou a atenção o péssimo desempenho de Lance Stroll, que esbarrou em tudo e em todos até abandonar, e de Logan Sargeant, que conseguiu tomar uma ultrapassagem tripla. Tanto ele quanto Nyck de Vries estão com suas respectivas batatas assando. Já o Stroll… bom, ele não se preocupa com isso.

Novidade prometida para a cancelada Imola, a Mercedes finalmente aposentou as laterais zeropod. O novo desenho (que pelo menos não é cópia descarada de nenhum rival) traz uma proposta muito mais conservadora, voltada ao downwash, ou seja, o direcionamento do fluxo de ar para baixo, em direção ao eixo traseiro. Outra novidade foi a nova geometria da suspensão dianteira e aí não tem jeito: trata-se de uma cópia despudorada da Red Bull, que continua a ter a melhor combinação suspensão/aerodinâmica do grid. Hamilton cobriu o carro atualizado de elogios e conseguiu sólida P4, logo à frente do colega Russell.

Assim que Pérez moeu o carro na St. Dévote no qualify, minha reação foi “isso antecipa em mais uma rodada o tri de Verstappen”. Estou errado?

Com 6 GPs disputados, Max computou 144 de 164 pontos disputados até agora, incluindo posições de corrida, voltas mais rápidas e uma Sprint. Isso dá estonteantes 87% de aproveitamento, em meio a 100% de vitórias da equipe Red Bull.

Não deixa de ser impressionante também o retrospecto de Fernando Alonso este ano. Mesmo com um companheiro que só marcou 27 pontos (coisa que o espanhol consegue em duas corridas – e ainda volta troco), a Aston Martin é atualmente a vice-líder de Construtores, à frente da Mercedes, de quem é cliente. Só depois disso vem a Ferrari.

 

 

Vamos ao “almoço” com as 500 Milhas de Indianápolis. A pergunta que talvez seja a mais importante da corrida é: como Joseph Newgarden escalou o pelotão para vencer?

Se me perguntassem qual é a principal palavra que define essa corrida, digo que minha escolha não é “velocidade”, mas sim “ritmo”.

Uma coisa é ter um carro muito veloz pra qualificar, como principalmente McLaren e Ganassi demonstraram ter. Outra é ter um carro que tenha excelente ritmo pra corrida. Quando vi Will Power sendo o mais rápido do último treino livre, situação na qual todo mundo vai pra pista, tinha certeza que a Penske poderia ter um bom carro pra corrida, ainda que tivesse sido discreta no qualify. Só não imaginava que a melhor Penske do dia seria a de Newgarden.

Newgarden largou apenas em 17º e não era difícil descartá-lo como concorrente à vitória. Em suas primeiras voltas, porém, já começou a ganhar posições. Após a 1ª rodada de pits, já estava na 9ª colocação. Manteve-se discretamente no Top-10 e sua primeira aparição entre os cinco primeiros se deu exatamente na volta 100, enquanto disputava posição com o companheiro Will Power – outro que tinha bom ritmo, mas que acabou não tendo a sorte a lhe sorrir.

A primeira metade da prova foi, sim, bastante conservadora, o que não se repetiria na segunda metade, sobretudo nas 50 voltas finais. Mas Newgarden soube ser agressivo em dois momentos cruciais. O primeiro deles na relargada a oito voltas do fim. Enquanto Marcus Ericsson ultrapassava Pato O’Ward, ele se aproveitou para passar os dois, por fora, e assumir pela primeira vez a liderança. Foi um movimento perfeito.

E depois, ainda teria fôlego para mais um bote, final, contra o mesmo Ericsson. Ora, estava muito claro que Ericsson iria mais uma vez ziguezaguear, como fez para vencer em 2022. Pois Newgarden não apenas fez a marcação correta dos movimentos do rival, como passou de maneira irresistível e, na reta de chegada, fez um movimento ainda mais extremo, sem dar chances para um revide.

Por sua carreira no geral e pelo que fez no domingo, Newgarden teve uma vitória mais que merecida.

Roger Penske, que agora é dono da Indycar e do Indianapolis Motor Speedway, não resistiu ao seu papel institucional no pódio e comemorou a vitória do time que leva seu sobrenome e (claro), continua sendo dele.

Fortes candidatos pela Ganassi, Alex Palou foi atrasado pelo incidente nos pits com o desastrado Rinus Veekay, enquanto Scott Dixon teve logo cedo um problema de forte vibração no carro, sendo obrigado a fazer um pit fora de escala. Ambos tinham carros tão bons que fizeram corridas de recuperação para chegarem em P4 e P6, respectivamente.

O maior susto do dia, de longe, foi aquele pneu do carro de Kyle Kirkwood que voou acima das cercas, fruto do acidente com a celebrada McLaren de Felix Rosenqvist na volta 183. Ficou barato esse pneu ter apenas atingido um carro no estacionamento, bem como a capotagem de Kirkwood foi totalmente sem consequências ao piloto.

Está difícil concordar com o uso abusivo das bandeiras vermelhas, tanto na F1 quanto na Indy.

A manobra arriscada de Pato O’Ward pra cima de Marcus Ericsson na volta 192 em muito lembrou o mergulho suicida de Takuma Sato em Dario Franchitti na edição 2012, lance que acabou definindo a vitória a favor do escocês – mas que também mostrava que o japonês andava muito bem na pista, a ponto de ser vencedor em duas oportunidades.

Ericsson, firme, já estava comprometido em sua trajetória e, pra não levar os dois carros pro muro, Pato foi demais pra dentro, freou e perdeu-se sozinho. Tinha carro pra vencer.

Dito isso, os maiores perdedores do dia foram Ganassi e, principalmente McLaren, que teve praticamente todo o tempo com pelo menos três dos seus quatro carros entre os 10 primeiros. Como dito, O’Ward e Rosenqvist se acidentaram, Alexander Rossi não teve o momentum necessário para escalar o pelotão nas voltas finais (foi P5), enquanto Tony Kanaan tentou uma configuração mais radical, com mais asa, o que acabou se revelando equivocado para a porção final da corrida – no entanto, tinha mesmo é que arriscar.

A última prova de Indy pode não ter tido pra TK o resultado desejado, mas era nítido o quanto ele curtiu toda a jornada e quanto ele havia levado energias positivas para a McLaren. Foi igualmente gostoso ver o quanto os fãs retribuíram e quanto ele se mantém popular e querido por todos. O passão que ele deu pela grama na volta 69 levantou a torcida.

Obrigado por tudo, Tony Kanaan.

Repararam? A vitória da Penske, de um Newgarden que é mais piloto que Ericsson, em meio a um fim de corrida tão turbulento, não deixou de ser, de novo e a seu modo, ordem em meio ao caos.

 

Abração!

Lucas Giavoni

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

4 Comments

  1. Leandro disse:

    Eu estava torcendo muito por uma vitório do Tony… depois queria que uma McLaren vencesse, tiveram a vitória perto, no fim foi bacana Newgarden ter vencido e principalmente: o pneu ter acertado somente um carro.

  2. MarcioD disse:

    A Indy 500 é uma corrida que espero ansisamente todo ano.

    Muitas disputas , alternâncias na liderança com emoção até a última volta.

    E certa vez que o JR Hildebrand, com a corrida ganha, bateu o carro na última curva da última volta?

    A corrida apresenta uma combinação de altas velocidades, resistência, uso de vácuo, controle de consumo, estratégias, manobras arriscadas e certeiras, batidas e sorte.

    O Veekay numa saida atabalhoada dos boxes acertou o Palou. Ambos estavam entre os favoritos…..

    O Pato numa.manobra arriscada acertou o Félix. Ambos.estavam entre os favoritos…..

    E que manobra fantástica do TK hem? Fechou com chave de ouro sua participação na Indy 500!!

    Muito legal ver um cara que largou do meio do pelotão vencer a prova e comemorar ‘com o público atrás do alambrado.

    E que a corrida.do.ano que vem possa nos reservar emoções e surpresas ainda maiores!!

    • Leandro disse:

      É Marcio, mas aquela batida do Hildebrand foi a que deu da vitória para Dan Weldon né, que perderia a vida no final da mesma temporada.

  3. Fernando Marques disse:

    Lucas

    GP de Mônaco, por causa da chuva, até que foi divertido …
    E me pergunto pra que ter mais corridas nesta temporada … só Verstappen pode chegar na frente de Verstappen … entende?
    Mas mesmo assim é de se tirar o chapéu pelo que o Alonso vem fazendo na Austin Martin …
    Esta 3ª colocação do Ocon foi uma surpresa, mas se reparar a outra Alpine com Gasly andou bem também neste fim de semana …


    500 Milhas … sempre o mesmo enredo, casa sempre cheia, mas sempre com fortes emoções e belos embates … gostei muito da corrida …
    O que me me incomoda é com o fim de carreira de TK e Helinho C. Neves não temos mais brasileiros na Indy também … complicado

    Fernando marques
    Niterói RJ

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