Os pecados de todos nós

Fangio e Schumacher, os deuses da Fórmula 1
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UM MAVERICK EM LE MANS
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Panda

Ao contrário da maioria dos nosso leitores, não tenho uma opinião monolítica sobre Schumacher.

Claro que o reconheço como um campeão superdotado e fora de série mas meu nível de simpatia por ele gira em torno da indiferença. Cuspo no Schumacher da Austrália 94 – quando impediu na sacanagem o título de um dos meus pilotos preferidos – e no Schumacher da Áustria 02 – já que era o único membro da Ferrari capaz de reverter os acontecimentos – mas não posso deixar de me congratular com a habilidade profunda do alemão em tirar proveito de um carro de Fórmula 1 atual e converter a incrível superioridade técnica da Ferrari em uma fieira de recordes e vitórias sem precedentes na categoria (friso categoria porque há quem tenha vencido mais do que Schumacher em outras categorias do automobilismo).

No domingo, não senti nada de especial. História? Sim, é claro que é um privilégio ver um piloto sair do zero para o infinito (acho que assisti a todas as corridas de Schumacher na Fórmula 1) da mesma forma que ver em pessoal o Brasil ganhar cinco títulos mundiais de futebol – e o Santos dois – ou o homem chegar a Lua.

Mas boa parte dos nossos leitores não estão nem aí para a história e querem que o Schumacher e seus recordes se danem. A antipatia pelo alemão cresce na medida em que ele estabelece mais recordes e se torna mais e mais poderoso, sem contar que o alemão ocupou, e com méritos, o lugar Senna na Fórmula 1, um fato doloroso para nós.

Não há o que recriminar nas paixões do esporte mesmo porque uma coisa e outra são quase que sinônimos.

Mas queria lembrar que os defeitos e “defeitos” normalmente imputados a Schumacher podem ser encontrados em todos os demais grandes campeões, inclusive Fangio.

Assim, de bate-pronto:

– Fangio foi campeão em 56 porque, em três corridas, pediu a seus colegas de equipe que lhe cedessem o carro em meio à prova, coisa permitida à época. Na corrida final, em Monza, ele pegou o carro de Peter Collins, que tinha chances matemáticas de ganhar o campeonato.
– Jim Clark nunca permitiu ou deu espaço para que a Lotus colocasse ao seu lado um companheiro de equipe pé-pesado. Em 67, quando a equipe contratou Graham Hill, então com 38 anos de idade, deixou claro que ele seria o segundo piloto da equipe apesar de contar com um título mundial. Coisa parecida pode se dizer de Niki Lauda, Nelson Piquet e Ayrton Senna ainda que, por vezes, tenham de ter engolido por falta de opção companheiros de equipe como Prost e Mansell.
– Jackie Stewart era descrito por todos como um cavalheiro. Quase sempre era. Mas sabia jogar sujo, como na África do Sul 73, quando fez ultrapassagens sob bandeira amarela contando com as vistas grossas dos fiscais. Outra coisa sobre Stewart: de seus três títulos, dois eles ganhou correndo contra ninguém, a ponto de marcar quase o dobro de pontos do vice-campeão.
– Antipático, esnobe? Quer alguém mais antipático, esnobe e desbocado – e falando muita besteira – do que Nelson Piquet?
– Sobre Alain Prost nem é preciso falar. Futriqueiro, arrivista, ciumento, vingativo, francês. Precisa dizer mais alguma coisa?
– Ayrton Senna, que me perdoem seus incontáveis admiradores, entre os quais me incluo, mas o cara era doente pela vitória e estava disposto a pisar no pescoço da mãe por ela.

Vamos parar por aqui porque não quero parecer estar detratando a memória de grandes campeões. Só queria observar que defeitos e “defeitos” de Schumacher, Fangio, Clark, Senna e Cia são questão de ponto de vista e que a perspectiva de longo prazo sempre acaba amaciando as coisa. O que não diremos daqui a alguns anos, eu, você e os leitores, do sucessor de Schumacher?

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Para quem não entendeu a troca de Jenson Button por Fernando Alonso na Renault, aqui vão duas tentativas de explicação.

Primeiro, Alonso deve custar menos para a equipe do que Button. Segundo, Flavio Briatore é um venal. Ele tem sob contrato tanto Trulli quanto Alonso e vai privilegia-los o quanto quiser e ninguém tem nada a ver com isso.

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O esperto Button saltou rapidinho para a Bar. Pode não ser grande coisa agora mas é dado como certo que a equipe será encampada pela Honda, que faria motor e chassi. Diante da lama da Jaguar e Jordan e fechadas as portas nas quatro equipes grandes, restaria a Button optar entre Bar e Toyota. Provavelmente optou por onde lhe ofereceram mais dinheiro.

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A contratação de Alonso pela Renault foi um punhalada nas costasde Jacques Villeneuve, a quem resta apenas a possibilidade de aceitar os termos da Bar, que lhe oferece um contrato de longo prazo por um precinho camarada.

Mas, contudo, todavia, aceitar os termos da Bar talvez não seja o bastante para garantir o valente canadense, descrito como o segundo piloto mais importante da Fórmula 1 (herdou este posto quando Pedro Paulo Diniz se aposentou). Pode ser que a Honda exija da Bar um japonês na equipe. E aí, meu amigo, pode sobrar para Takuma Sato – e o Villeneuve que se lasque…

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Não entendeu a piada do parágrafo anterior, onde digo que Pedro Paulo Diniz era o segundo piloto mais importante da sua época?

Pois fique sabendo que ele era reputado desta forma por Flavio Briatore em pessoa. Também, com os milhões de dólares que o bom Pedro levava em patrocínios para as equipes…

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Meio na galhofa sempre defendo na rodas de bate papo o Galvão Bueno. Digo que parto do princípio de que locutor esportivo está lá para falar besteira mesmo.

De brincadeira em brincadeira, comecei a exercer marcação cerrada sobre o Galvão e percebi que ele raramente erra nas suas avaliações, principalmente de estratégia de corrida, ao contrário do Reginaldo Leme, que raramente acerta uma. No GP do Brasil, por exemplo, quando era evidente que Rubinho faria duas paradas, Reginaldo insistia que ele faria uma parada só. Galvão, pela simples velocidade do brasileiro no começo da prova, matou a charada.

Mas o que quero dizer é que, no domingo, ao insinuar maracutaia da Ferrari contra Rubinho, Galvão ultrapassou todos os limites do razoável, mesmo considerando que faz parte do seu trabalho torcer e empolgar a audiência com comentários verde-amarelos.

A inconveniência de Galvão só foi superada pela incrível e imperdoável grosseria de Reginaldo Leme durante os treinos de sábado.

Ao ver uma imagem no vídeo da mulher de Olivier Panis, Reginaldo, do alto dos seus não sei quantos anos de TV, esporte e Fórmula 1 (o cara cobriu o jogo em que Pelé fez o milésimo gol!), achou necessário registrar: “ela não é isso tudo o que vocês estão vendo”.

Com esta, eu encerro por aqui.

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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