Quatro velhos do Restelo – no caso, eu, Mario Salustiano e Marcio Madeira, reunidos na casa de Lucas Giavoni, em Sorocaba – encaram juntos o 28 de maio, dia máximo do automobilismo de competição, GP de Mônaco pela manhã, Indy 500 à tarde.
O tom das conversas entre nós foi azedo e enviesado, tanto em relação ao domínio imperial de Max Verstappen quanto à louca loteria americana que, mais uma vez, conseguiu produzir um final totalmente em aberto até os metros finais da prova.
Tirando a segurança dos carros, quase tudo nos desagradava, assim como as caravelas passando diante do Velho do Restelo original, figura marcante d’Os Lusíadas, imprecando contra o novo que se anunciava para aqueles que se aventurassem por mares nunca dantes navegados, do mesmo jeito que nós reclamamos do Kers, Halo, Budget Cap, DRS (se bem que desse eu não sou tão contra assim…) etc.
Se dependesse das opiniões dos Velhos do Gepetos, nutridos nos anos épicos do automobilismo – com seus valores, virtudes e defeitos hoje largamente superados ou amplificados –, a F1 e a Indy teriam se congelado em algum momento dos anos 80, mas, claro, incorporando todos os itens de segurança que vimos desde então.
Somos pessoas que gostam de capacetes com cores simples – eu, por exemplo, adoro os do Jim Clark, François Cevert e Philippe Streiff –, carros facilmente percebidos como tal, que fazem barulho, têm câmbio manual e deixam no ar cheiro de gasolina deflagrada.
Acho que teríamos rejeitado avanços como a suspensão eletrônica, as pesquisas aerodinâmicas exasperadas, o uso de materiais exóticos e sistemas de projeto e simulação por supercomputadores. De repente, teríamos preferido carburadores a injeções eletrônicas de combustível. Como Velhos do Restelo, somos predominantemente conservadores – ainda que nunca reacionários. Estamos certos em pensar assim? O pessimismo quanto ao futuro é um bom guia?
Aqui não é o melhor lugar para se discutir isso, mas me permitam uma breve opinião: em momentos de tantas novidades, seria prudente ir mais devagar. A lição é antiga e foi sintetizada por outro sábio navegante, Paulinho da Viola: “Faça como um velho marinheiro/Que durante o nevoeiro/Leva o barco devagar”.
Quinze dias depois, cada um em suas casas, suspiramos pelas 24 Horas de Le Mans: que corrida! Um verdadeiro GP, com vários carros e pilotos disputando a ponta até a volta final. O paraíso nos teria sido trazido de volta pelo WEC?
Ehr… Não exatamente. A Toyota, certamente a fábrica que mais investiu no campeonato, dominou amplamente as quatro provas iniciais da temporada. Em Le Mans, porém, lhe foi imposto, via B.o.P. – Balance of Power –, mais peso e menos potência nos motores elétricos. Isso tornou possível que equipe recém-chegadas como Ferrari, Peugeot e Porsche se aproximassem. Sem o B.o.P., Le Mans provavelmente teria sido mais um passeio dos japoneses. Visto pelo resultado final, a regra funcionou, proporcionando uma eletrizante corrida. Mas para os velhos do Restelo violou-se um fundamento do automobilismo.
Domingo passado, em Monza, nova rodada do B.o.P., desta vez beneficiando a Toyota, complicou a vida da Ferrari. Confesso minha ignorância total em torno do regulamento do B.o.P. Só sei que ele foi definido na 2ª-feira antes da corrida. Como será nas duas corridas restantes, Fuji e Bahrein?
Não espere que um velho como eu, que há 50 anos alinha o Ferrari 312PB entre os mais belos carros de todos os tempos, teça loas à beleza do Ferrari 499P. É bonitinho, mas aquela bolha aplicada sobre o cockpit é dura de engolir. Lembra o aeroscreen da Indy. Por isso nunca critiquei a estética do Halo…
Acho o Porsche 963 e o Peugeot 9X8 mais bonitos, por linhas e pinturas. Em Le Mans, me peguei torcendo pela Peugeot, em sincera homenagem à ousadia dos projetistas do carro e aos autores daquela maravilhosa pintura, uma coisa, digamos assim, entre o impressionismo e o futurismo.
Como registro: melhor volta na corrida 6 Horas de Monza: Kamui Kobayashi, com Toyota GR010, em 1m36s696. Melhor volta no GP da Itália do ano passado: Sergio Perez, com RBR, 1m24s030, lembrando que Lewis Hamilton marcou 1m21s779 no GP de 2019.
Max Verstappen assume de pleno direito o lugar de Grande Senhor das Pistas, ao lado de Fangio, Clark, Lauda, Prost, Senna, Schumacher e Hamilton. Implacável, ele domina a categoria desde o final de 2021. Pela sua idade, pode pulverizar todos os recordes, ainda mais embarcado em um carro de outro planeta como têm sido os RBR.
O poder, capacidades, determinação e autoconfiança emanadas por Max me espantam e me fazem pensar: a cada novo Grande Senhor que surge na F1, mais louco, focado e doente pela vitória ele parece.
Enquanto isso, imagino que os donos da F1 estão quebrando a cabeça para trazer para a categoria algo parecido como o B.o.P. Caso consigam, fica a pergunta: haverá um sucessor de Max?
Convidado pela Alpine para uma volta na pista na véspera das 6 Horas de Monza como passageiro de André Negrão, o jornalista italiano Mario Donnini conta que embarcou no carro como “um ferido em uma ambulância” e dele desceu como um sobrevivente de um round com Mike Tyson.
Em meio às emoções da volta, ouviu de Negrão – que ganhou minha admiração eterna pela frase: “Monza é uma poesia”.
Abraços a todos
Edu
4 Comments
Ah que prazer ler e refletir sobre as colunas do Edu. Muito bom!
Oi Edu
me fiz uma pergunta nestes dias passados … ainda dá para curtir a Formula 1?
Pensei e respondi: Sim
Comparações com o passado: Não
Em cada década de sua existência, a Formula 1 sempre passou por revoluções. E certamente muita coisa mudou na dinâmica das equipes, pilotos e corridas já naquela época.
Hoje a dinâmica é essa … e uma conclusão: Ainda dá para curtir a Formula 1?
Essa pergunta tem que ser feita aos novos seguidores que com certeza não conhecem o passado da Formula 1.
Eu que acompanho desde 1970, fico imaginando estando em Interlagos … vou adorar e curtir pra caramba …
Daí acima minha resposta ser sim
Fernando Marques
Niterói RJ
Oi Edu
só identifiquei você na foto, de armadura
Quem são os outros 😉
Abraços
Mauro
Zoeira, Mauro
Esta imagem é do filme “O Velho do Restelo”, do cineasta português Manuel de Oliveira, e mostra um encontro encenado entre Camões, Don Quixote, Camilo Castelo Branco e Teixeira de Pascoaes
Abraços