Pais orgulhosos

Temos um campeonato.
13/03/2014
Eterno retorno
19/03/2014

Na abertura do campeonato 2014, uma corrida que deixou três pais muito orgulhosos de seus filhos.

A F1 voltou, acabou nossa crise de abstinência. Tudo aquilo que foi escondido pelas equipes durante os testes começa (repito: c-o-m-e-ç-a) a ser revelado, entre coisas que já desconfiávamos e algumas surpresas. Mesmo com tão pouca amostragem, alguns prognósticos para este novo campeonato já mudaram dramaticamente desde nossos palpites do inverno europeu, em texto dividido em três partes.

A vitória de Nico Rosberg em Melbourne, quase três décadas depois que o pai Keke triunfou no 1º GP australiano, ainda em Adelaide, nos trouxe a confirmação de que a Mercedes realmente é o carro a ser batido. Não é nenhum absurdo pensar que o campeão ao fim do ano sairá de um carro prata, dentro de uma nova hegemonia. O super quarteto de engenheiros, cada um vindo de um canto, está trabalhando bem: Paddy Lowe (ex-McLaren) na direção executiva técnica, Bob Bell (ex-Renault) como diretor técnico, Aldo Costa (ex-Ferrari) na direção de engenharia e Geoffrey Willis (ex-Williams e BAR) como diretor de tecnologia.

Repararam nas onboards de Nico durante a corrida? Era nítido que o alemão estava abaixo do nível máximo do carro, fazendo uma pilotagem até precavida. Os demais competidores, no entanto, estavam em condução bastante agressiva, brigando todo o tempo com o carro que, como foi falado, é muito mais ‘torcudo’ e exige cuidado na dosagem em saída de curva. E houve a confirmação: o powertrain Mercedes (‘motor’ virou uma palavra incompleta…) é realmente o melhor do grid.

Nico partiu como um dragster para uma vitória tranquila de ponta a ponta, com direito a volta mais rápida ainda no começo do segundo stint. É fato que o peso do combustível influencia menos o desempenho este ano, pois os carros estão mais pesados e levam menos quilos (sim, quilos) no tanque. Mas Rosberg cravou a melhor volta no giro 19, pouco tempo depois da saída do Safety Car, quando se esforçava para recuperar a vantagem perdida de 7,7s que já tinha para Daniel Ricciardo. E recebeu a bandeira com sossegados 24,5s à frente.

[Um esclarecimento rápido: Daniel Ricciardo não foi desclassificado porque largou com combustível a mais, mas sim porque seu motor excedeu o fluxo de combustível permitido, que é de 100 quilos por hora, medido por sensores da FIA instalados no carro. O australiano não tinha controle sobre isso enquanto pilotava. A Red Bull apelou da decisão, mas deve perder o recurso.]

Se a Mercedes possui algum ponto fraco, este também é o da maioria dos times: com tantas tecnologias novas, a durabilidade ainda é um caminho a ser percorrido. O pole Lewis Hamilton largou mal (ziguezagueando mais do que o fair play aconselha…) porque seu powertrain já apresentava problemas.

Cada equipe só tem 5 motores para usar em toda a temporada, de modo que daqui em diante teremos uma espécie de ‘Minority Report’, em que a polícia evitava os crimes antes que estes acontecessem: quando os engenheiros de dados presumirem que o motor vai quebrar, vão pedir para o piloto parar antes mesmo que aquela fumacinha azulada comece a sair pelo cano do turbo.

Isso porque as equipes estão proibidas de ter telemetria ativa, senão certamente desligariam o carro por controle remoto mesmo. Exemplo rápido: David Coulthard só pôde ganhar o GP de Mônaco de 2002 porque a McLaren corrigiu remotamente um problema de motor, que estava para quebrar.

Se não há dificuldades em afirmar que a Mercedes tem o melhor carro, propor que a Williams é a 2ª força não soa exagero. A reformulação da engenharia, a opção pelo powertrain Mercedes e até bons ventos trazidos pelo clássico layout Martini fizeram o time de Sir Frank ser competitivo novamente. Valtteri Bottas caçou e ultrapassou muita gente, e se não fosse o pneu rasgado numa lambida no muro, brigaria pelo pódio. Ele foi autor da segunda melhor volta da corrida e seus tempos de volta, no geral, foram acima da média.

Confesso que agora fiquei curioso para saber o que Felipe Massa pode fazer com esse carro. E fico curioso pra saber quantos cabelos Pastor Maldonado já arrancou. Já é dele o prêmio de ‘bad move’ do ano (seria a maldição do #13?). A Lotus, que antes só tinha uma crise financeira, agora tem uma crise técnica a tiracolo. Agora soa como piada as palavras do diretor técnico Nick Chester na pré-temporada de que o time poderia ser “o melhor com motor Renault”, numa provocação à péssima pré-temporada da Red Bull – que sim, vai melhorar.

Ao menos por enquanto, o melhor Renault na pista é da Toro Rosso, que fez seus dois pilotos chegarem nos pontos, incluindo o novato Daniil Kvyat, que roubou de um frustrado Sebastian Vettel o título de mais novo piloto a marcar pontos na F1.

McLaren, Ferrari e Red Bull devem lutar para mostrar quem é a terceira força. Fernando Alonso mais uma vez tirou de onde não tinha para terminar em 4º. Kimi Räikkönen, ao menos num primeiro momento, está bem incomodado ao volante. Mas podia ser pior: ele poderia ter ficado na Lotus…

Na McLaren, o estreante Kevin Magnussen foi brilhante, bem como seu companheiro Jenson Button. Repararam na corrida que o inglês fez? Com uma classe que os outros não demonstraram, poupou-se e entrou em seus dois pits em momentos perfeitos para ser o 3º colocado. Foi uma corrida ao estilo Button. Prevejo um bom campeonato para ele. Os novos carros favorecem quem sabe usá-los com sapiência.

Sabe Kamui Kobayashi, o kamikase, desastrado, inconsequente, incauto, afobado, imprudente e que deveria receber multa, pontos na carteira, suspensão e até tapas na bunda?

Ele NÃO FOI culpado pelo acidente na largada. Palavras da FIA: “Tendo ouvido o piloto e os representantes técnicos da equipe [Caterham], e especialmente a revisão dos dados técnicos, os comissários determinaram que o incidente foi causado por uma grave falha técnica completamente fora do controle do piloto. A equipe será conduzida a trabalhar com os delegados técnicos da FIA para determinar a causa da falha no sistema”.

Teve muita gente precipitada, apontando dedos inquisitórios ao piloto, incluindo o próprio Massa e o narrador de sempre, que fez a presepada de sempre: escolheu um mocinho (Massa), e um bandido (Koba), e ficou irritantemente malhando o bandido a transmissão inteira, como se esporte fosse um filme B de faroeste…

Mesmo sem saber da falha nos freios (que este ano são eletrônicos, by wire, por causa dos novos sistemas de reaproveitamento de energia e ainda demandam tempo para serem calibrados), eu já pensava ser um reles incidente de corrida, que jamais deveria ser punido.

[Ninguém freia mais tarde pra bater nos companheiros. Ninguém, daquela maneira, provoca acidentes de propósito. Ora, Kobayashi já havia sido punido com a avaria irreversível de seu carro, sendo que ele pode ter perdido a maior chance da história da Caterham de finalmente pontuar. Quer maior punição do que essa?]

Sobre o tema, recomendo a (re)leitura do excelente texto do meu amigo Manuel Blanco.

No começo do ano passado, através do site Motor Posts, Patrick Tambay entrevistou Derek Warwick, seu antigo companheiro de Renault no biênio 1984-85. Entre boas recordações, uma resposta do inglês me chamou atenção:

Tambay: – Como você imagina o automobilismo daqui 20 anos?
Warwick: – Chato, estranho e cheio de coisinhas eco-amigáveis.

Durante a corrida, troquei mensagens com alguns amigos. Um deles, o Júlio ‘Slayer’ Oliveira, me perguntou sobre o som dos novos motores. O termo, muito usado pelo Lobão, é antiquado, mas não achei nenhum melhor para explicar: está faltando paudurecência a esses propulsores. Apesar de serem torcudos e de contribuir para que os carros fiquem mais nervosos, parecem pandas inofensivos. O som é enjoativo.

Pra mim, motor de corrida tem que meter medo. Não precisa estourar tímpano, não é esse o conceito. Mas tem que assustar, se impor, ser intimidador. Fazer um som malvado, seja aspirado ou turbo. Lembrei na hora da música Bad to the Bone, do George Thorogood. Motor de F1 tem que ser mau desde os ossos!

httpv://youtu.be/X9FyQNx8oyU

Pois é, caro Derek… Nem precisou de tanto tempo assim pra pintar seu futuro…

O interessante é que a melhor parte do GP da Austrália não estava em Melbourne. Estava, sim, a 15,5 mil quilômetros de distância. Estava na forma das discretas lágrimas de pura alegria no rosto de Jan Magnussen ao ver o filho Kevin no pódio em sua corrida de estreia na F1.

Jan, ex-F1 e atualmente piloto da equipe Corvette de endurance, estava em Sebring para correr as 12 Horas, acompanhando a corrida em Melbourne com sua equipe. É o tipo de cena que causa mais emoção que a própria corrida.

Jan Magnussen, Keke Rosberg e o falecido John Button, onde quer que esteja: pais orgulhosos.

Aquele abraço!

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

7 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Amigos!

    Segue um vídeo do GP australiano de 2013 e o deste ano, praticamente no mesmo local e tirem vocês mesmo a conclusão do ronco atual dos F1.

    http://www.youtube.com/watch?v=jS4Dh_EAfJI

    Esta bizarro DEMAIS!!!!!!!!!!!!

    Abraço!

  2. Mauro Santana disse:

    Olá Amigos do Gepeto!

    Minha opinião a respeito da corrida.

    1º – A Mercedes é o carro a ser batido, isto esta claro, e Rosberg é o grande candidato ao título, pois o Hamilton tem um psicológico muito fraco, e já sentiu estes 25 x 0 em favor do alemão.

    2º – A Williams esta forte, mas o Massa vai se incomodar com o seu companheiro, pois o Bottas não é bobo e vai sentar a Bota no pedal da direita.

    3º – Quero ver como Raikkonen e Button vão se comportar, pois os seus dois companheiros são fortes, e o espanhol é bicampeão e uma verdadeira fera!

    4º – O ronco destes carros parece algo de filme de ficção científica barato, pois é muito tosco!

    5º – E pra encerrar, esta punição no carro do Ricardo, na minha opinião foi tudo armado mesmo pela RBR, tipo, os caras fizeram isso logo no carro dele e não da estrela tetracampeã pra ver no que ia dar, se a FIA ia ou não punir.

    Lembram que muito se falou do ano passado que a RBR estava utilizando o controle de tração no carro do Vettel!?

    Então, como que pode somente um dos carros, e logo o do australiano, andar tão forte e o do alemão tão mal!?

    Como a FIA pegou, os caras do energético vão ter que achar outra marca de whisky para misturar com os Red Bull, mas na minha opinião, Whisky deve ser tomado estilo Cowboy, ou seja, sem misturar com gelo e nem energético.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  3. Fabiano disse:

    1) O barulho dos motores não me incomodou tanto assim, pela TV não fez tanta falta assim, além disso, bastava o pessoal da técnica aumentar o volume do som ambiente para que isto fosse resolvido (para os TELEspectadores!);
    2) Será que o problema envolvendo o fluxo de combustível no carro do Ricciardo foi premeditado pela Red Bull para mostra a força do seu chassis e botar pressão na Renault? Bom, que ficou claro que o problema está no motor, isso ficou. Se a Renault resolver seus problemas, acho que ninguém segura a Red Bull, quer dizer, talvez a Mercedes (que não mostrou todo o potencial) segure;
    3) A Williams acertou a mão neste ano, e está para 2014 como a Lotus estava para 2013. Espero que mantenham o desenvolvimento e não fiquem sem grana como a Lotus. Ah, e que os pilotos consigam se livrar das confusões. Lembro que em 2012 a equipe também tinha um bom carro no início do ano, mas Bruno Sena e Maldonado não aproveitaram todo o potencial enquanto podiam.
    Abraço!

  4. Enzo B. Bortolotti disse:

    Muito f[acil entender porque o BCE fica em territorio teutonico!!!

    Um abraco gente!!

  5. Fernando Marques disse:

    Infelizmente não tive como assistir a corrida mas pelos comentários é possível acreditar que o Felipe Massa terá um carro decente em 2014.
    Se ninguém reagir logo, digo melhor, se a RBR ou Ferrari demorarem a reagir creio que a Mercedez vai ter uma boa gordura para queimar mais frente no campeonato. Esqueci do Hamilton … a meu ver ele não pode mais errar daqui para frente …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  6. Lucas Giavoni disse:

    Um assunto acabou ficando de fora do texto, aproveito o espaço.

    Para mim, a pior parte do GP da Austrália também não estava em Melbourne, mas sim no site oficial da F1.

    A nova cronometragem em tempo real (live timing), provida pela Rolex, é uma merda. Comparado com o sistema usado até o ano passado, provido pela LG, ele perdeu vários itens. Um retrocesso horroroso, pois perdeu-se muitas informações relevantes para o acompanhamento da corrida.

    No novo live timing foram tirados tempos de volta em cada setor, distância total para o líder (só há distância entre pilotos), número de paradas no box, informação meteorológica (que incluía temperatura do ar, temperatura da pista, pressão atmosférica, umidade relativa, velocidade e direção do vento e se havia ou não chuva), evolução de posicionamento na corrida (lap chart) e velocidade máxima em cada setor.

    Em compensação, tudo isso que foi tirado e mais alguns outros mimos estão no novo aplicativo para celulares e tablets que rodem com iOS Apple e Google Android. O app está à venda a preços proibitivos, a título de “Premium Feature”.

    Como sempre, Bernie criando dificuldade pra vender facilidade. Ele quer ganhar em tudo, sempre. Isso é profundamente irritante. Como diria o velho mestre Alborghetti, é pra ficar puto da cara.

    Lucas Giavoni

    • Lucas dos Santos disse:

      É, xará, eu também fiquei extremamente frustrado com a “destruição” do Live Timing.

      Quando vi o que fizeram com a cronometragem eu simplesmente fechei o site e acompanhei a corrida apenas pela TV. A sensação foi como voltar aos anos 90, quando dependíamos dos narradores para obter informações adicionais sobre a corrida – as quais somente eles tinham.

      No passado eu até cogitava comprar o aplicativo, mesmo a um preço proibitivo, pois achava interessantes as informações adicionais que ele oferecia. Mas hoje me nego a adquiri-lo, mesmo que, porventura, descubra um meio de não pagar por ele! Para mim, o Live Timing “morreu”, acabou, pois o que fizeram é inaceitável!

Deixe um comentário para Enzo B. Bortolotti Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *