As manhãs de sábado ganharam uma atração a mais para mim, em 1999, quando passei a assinar o canal a cabo que transmitia as provas de Fórmula 3000. Era a conta certa: depois do treino da Fórmula 1, um intervalo providencial para colocar a casa em ordem (também sou dona-de-casa, lembrem-se!) e logo eu voltava para a frente da TV, interessada naquela categoria que, por muitas vezes, rendia pegas mais emocionantes que os da Fórmula 1.
Naquele ano, a disputa acirrada pelo título ficou algo prejudicada pelo desempenho consistente do alemão Nick Heidfeld, que dominou a categoria desde o início e não demonstrou ter muita dificuldade em garantir o campeonato. No final da temporada, enquanto acariciava minha discreta barriga de grávida, segredava ao pequeno feto que ali estavam dois futuros campeões: ele mesmo e Nick Heidfeld.
Claro, toda mãe tem certeza de que seu filho será um grande campeão. Mas de onde viria essa convicção de que o jovem piloto alemão também alcançaria o topo do sucesso? Não era exatamente sua forma de pilotar que me dava esse indício, mas antes um aspecto pouco ou nada científico: seu nome. Nick Heidfeld. “Nick Heidfeld!”, eu repetia nas manhãs de sábado, e sempre completava. “Um piloto com esse nome nasceu para ser campeão!”.
Ninguém discutia. Não se discute com uma grávida, e além do mais o jovem Nick tinha tudo para se dar bem de fato na Fórmula 1: bom piloto, tinha acabado de se sagrar campeão na categoria de acesso mais importante, vinha escoltado pela estrutura da McLaren, a grande força da Fórmula 1 nos dois anos anteriores.
McLaren… Foi aí, na minha opinião, que a porca de Nick torceu o rabo e o chucrutedo alemãozinho desandou. Vamos voltar um pouco àquela época para entender essa história. Heidfeld foi campeão da F-3000 pela McLaren Junior, certamente o melhor “pacote tecnológico” daquele campeonato de 1999. O carro era bom, o piloto não decepcionou. Aos olhos de Ron Dennis, Nick surgia como um aluno aplicado que tem à mão os melhores professores, a melhor escola, os melhores livros. Passar em primeiro lugar no vestibular era praticamente uma conseqüência lógica.
Mas como qualquer jovem quando alcança a maioridade, Nick viveu a embriaguez da liberdade e trilhou um caminho diferente daquele que seu mentor idealizava. Nick assinou com a Prost para o campeonato de 2000, e Ron Dennis manifestou claramente seu desagrado com a decisão do pupilo.
Parecia praga de mãe (ou de pai, no caso). A Prost fez uma temporada abaixo da crítica em 2000, sem marcar um ponto sequer. Nick, em que pese o nome de campeão, parecia fadado à maldição da Fórmula 3000, que se notabilizou por estigmatizar jovens promessas do automobilismo que, uma a uma, faziam água na Fórmula 1. Nomes? Luca Badoer, Christian Danner, Ivan Capelli, Stefano Modena, Christian Fittipaldi, Roberto Moreno, Ricardo Zonta, Vincenzo Sospiri, Erik Comas. Chega, né?
Quietinho, talvez de cabeça baixa pelo insucesso precoce, Nick livrou-se do encosto, quer dizer, da Prost, e se transferiu em 2001 para a Sauber. Correr pela equipe de Peter Sauber, como todos sabem, é como dançar com a prima gostosa ou jogar pelo São Caetano: você pode se destacar perante os outros e até se divertir em alguns momentos, mas sabe que não vai faturar nada mesmo.
Foi o que aconteceu com Nick, mas nessa passagem pela equipe Suíça, um outro fato marcou sua já discreta carreira na Fórmula 1. Peter Sauber escolheu como companheiro de Nick um jovem finlandês cujo nome também não deixava por menos: Kimi Raikkonen. Parecia provocação com os locutores: Heidfeld e Haikkonen, um verdadeiro trava-língua. Raikkonen vinha escoltado pelo ex-campeão e atual gorducho Keke Rosberg, seu empresário, e tinha o aval do compatriota Mika Hakkinen, bicampeão mundial e postulante ao tri em 2000, quando foi batido por Schumacher.
Em seu ano de estréia, Raikkonen foi a Viúva Porcina do circo, aquela que era sem nunca ter sido. A expectativa em torno de seu desempenho e o duplo apadrinhamento ilustre fizeram com que seu nome alcançasse o prestígio dos futuros campeões, embora ele mesmo não tivesse título de expressão nenhuma no currículo. Mas a verdade dos números não correspondia à valorização do passe de Raikkonen: durante toda a temporada, Heidfeld foi seguidamente mais rápido que o finlandês nos treinos e terminou o campeonato à sua frente.
Findo o ano de 2001, Hakkinen se cansou da brincadeira e foi curtir a vida ao lado da mulher Erja (a mulher do Hakkinen não tem nada a ver com a história, mas não poderia deixar de aparecer em um comentário que versa tanto sobre nomes. Erja – pronuncia-se Éria – é de fato um nome sensacional). Às portas da aposentadoria, Hakkinen ainda deteve-se alguns minutos no padock para fazer gestão política em favor de seu protegido. Mesmo com resultados seguidamente piores que os de Heidfeld, Raikkonen foi confirmado para o lugar do compatriota na McLaren, a partir do ano seguinte.
E nosso pequeno Nick ficou mais dois anos na Sauber, naquela vida besta de dançar com a prima. Mas a vida ainda lhe sorriria seus dentes de chumbo em 2004, quando o destino do quase-futuro-campeão foi a combalida Jordan, na qual por milagre ou caridade do destino ainda conseguiu marcar três pontos na temporada.
Cinco anos se passaram desde que eu previ o futuro glorioso de Nick Heidfeld. Meufilho já está taludinho e, até agora, o pequeno alemão não decolou. Quietinho, como convém a quem sabe fazer política, Nick parece não ter se dado por vencido. Foi ficando no pedaço, e se aproximando de quem realmente dá as cartas hoje, na Fórmula 1. E quem dá as cartas, senão as grandes montadoras associadas às equipes? A pressão da BMW pelo nome de Nick soou natural para quem conhece um pouco do universo da Fórmula 1. Antes do “vestibular” entre Nick e Antonio Pizzonia, ouvi (e li) alguns comentaristas de Fórmula 1 dizendo que, se a BMW pressionava de um lado, a Petrobras fazia o mesmo de outro. Ora, meus tolinhos, o que é mais determinante para o bom desempenho de um carro – o motor ou o combustível? Se a questão era essa, desde o início, pareceu-me claro que os alemães ganhariam de “nós”.
Por ter deixado um brasileiro a pé, Nick Heidfeld talvez ganhe a antipatia de parte da nossa torcida. Não a minha, porque se existe uma qualidade que admiro em uma pessoa é a obstinação. E também a inteligência: Nick marcou passo na Fórmula 1 e talvez já tenha passado do ponto para se tornar um grande campeão, vai saber, mas de qualquer forma se pôs ao lado das forças determinantes da categoria hoje em dia. Raikkonen está consolidado como o grande desafiante de Schumacher e o bom desempenho da McLaren nesse início de ano talvez aponte que a sorte continua sorrindo mais para Kimi do que para Nick.
De qualquer forma, Nick parece empenhado em aproveitar sua grande e real chance de cumprir a minha profecia, enquanto Kimi enche a cara e dança pelado em boates suspeitas por aí. Não que tenha algo de errado nisso, mas esses caras gostam de facilitar a vida do alemão, o outro, o mesmo, o de sempre…
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Alessandra Alves |