Estive na última terça-feira no lançamento do livro “Interlagos, 1940-1980”. Belas imagens, texto fluente do Paulo Scali (autor de obras sobre o Circuito da Gávea e a carreira de Chico Landi), capa desenhada por Anísio Campos e depoimentos preciosos de quem passou boa parte da vida nas instalações de Interlagos.
O livro conta a história de Interlagos durante a fase de ouro de seu traçado original, que maravilhava e desafiava pilotos de todo o mundo. Não havia piloto estrangeiro que deixasse de elogiar a seletividade do traçado. Podiam reclamar (e muitas vezes reclamavam mesmo) das ondulações, de um ou outro ponto perigoso, às vezes das instalações, mas nunca do traçado. Nurburgring (o original, com quase 23 km) era bem mais difícil, mas isso se devia principalmente ao fato de ser longo demais. Em termos de variedade de curvas, Interlagos era imbatível.
Imagino que Scali tenha escolhido 1980 para finalizar o livro porque foi nesse ano que aconteceu o último GP de F 1 no traçado original. Depois disso, a pista foi usada somente para corridas regionais e nacionais, além de umas poucas de caráter sul-americano, até ser interditada em novembro de 1989 para a reforma que deixou-o com o traçado atual.
Ainda “foca” (jornalista iniciante), cobri o último evento ocorrido antes da mudança da pista. Era uma etapa do Campeonato Paulista de Automobilismo, com seis categorias na programação. Ainda não se sabia nada da reforma: ela só foi anunciada no meio da semana seguinte. Era um domingo nublado e, como sempre acontece nas corridas do Paulista, praticamente não havia público nas arquibancadas. Apesar da movimentação nos boxes, o cenário era desolador e o clima, embora ninguém pudesse prever isso, era de despedida melancólica.
Das corridas em si, recordo muito pouco. A imagem mais nítida que minha memória guarda daquele dia é a da largada da categoria Speed 1600, com quase 80 Fuscas no grid. Não lembro o nome de nenhum dos vencedores. A quem puder me ajudar, agradeço.
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O evento de lançamento do livro do Paulo Scali foi de fazer babar qualquer amante da história do automobilismo brasileiro.
Logo na entrada, havia uma carreteira Chevrolet, usada pelos lendários Catarino Andreatta/Breno Fornari, e um Porsche 550 – não sei se autêntico ou réplica.
No salão, impecáveis, estavam outros oito carros: um Bino Mk 4 da equipe Greco, um Karmann-Ghia Porsche da equipe Dacon, uma carreteira Ford (usada por Vitório Azalin Filho/Justino de Maio para vencer a Mil Milhas de 1965), um Alfa Romeo GTA (nas cores da equipe Jolly-Gancia) e uma carreteira DKW (conhecida como “Mickey Mouse”). E um carro bem mais novo, mas nem por isso menos histórico: o JQ que Rubens Barrichello pilotou no Campeonato Brasileiro de Fórmula Ford de 1989. Havia ainda dois Willys Interlagos de rua, um conversível e um berlineta – este, exemplar único, pois tratava-se de um protótipo com traseira mais longa que a dos modelos que foram vendidos ao público.
Os carros eram atração, mas não faltavam pilotos da velha guarda para contar histórias aos saudosistas. Para onde eu olhasse havia um velho ídolo, pilotos que já eram lenda quando comecei a acompanhar automobilismo em 1978. Pensei: quando será que vou ter nova chance de ver todos eles juntos?
Não tive pudores. Despi-me totalmente da “casaca” de jornalista (até porque não estava fazendo nenhuma cobertura) e saí catando autógrafos no meu livro. Nem sabia direito por onde começar, mas aí vi a figura distinta da senhora Jean (pronuncia-se “jin”) Romero Sanson – a filha do criador do autódromo, Louis Romero Sanson. “Primeiro as damas”, pensei, e fui pedir a assinatura dela. Muito simpática, conversadora, com ótima memória para relembrar fatos acontecidos há mais de 60 anos.
Em seguida, passei aos pilotos. Comecei com Luiz Pereira Bueno, prossegui com Bob Sharp (ele mesmo, nosso colaborador no GPtotal) e seu primo Billy, e completei com Bird Clemente, Nilson Clemente, Norman Casari, Anísio Campos, Lian Duarte, Mário César de Camargo Filho, Geraldo Meirelles, Francisco Lameirão, Almir Donato (piloto de motociclismo nos anos 70 e 80), Jorge Lettry (chefe da equipe de competições da DKW-Vemag) e Miguel Crispim (mecânico dessa mesma equipe e, depois, um dos mais criativos preparadores brasileiros). O último autógrafo da noite foi o do Paulo Scali. Entre os pilotos que reconheci e cumprimentei, ficaram faltando Luiz Evandro Águia e Maneco Combacau, que já haviam ido embora.
Para mim, a assinatura desses senhores vale muito mais que a de praticamente qualquer piloto da F 1 atual. O único capaz de ombrear-se a eles – por razões totalmente diversas – seria Michael Schumacher.
Acabo de perceber uma coincidência. O lançamento do livro aconteceu no Nacional Clube, no bairro do Pacaembu, em São Paulo. A outra vez em que pisei ali foi em 1992, quando Juan Manuel Fangio visitou o Brasil. E, até a última terça-feira, essa havia sido a única ocasião em que pedi um autógrafo. Acho que os ares do lugar me fazem perder a vergonha de assumir o lado tiete…
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Pequena história que ilustra o respeito que Interlagos inspirava nos pilotos.
Durante os treinos para o GP do Brasil de 1992, eu, repórter do Jornal da Tarde, estava na sala de imprensa e conversava com minha namorada e futura esposa, Alessandra, que era repórter da Folha de S. Paulo. Reconheci Patrick Tambay a curta distância e resolvemos tentar bater um papo com ele.
Tambay foi extremamente receptivo e pudemos conversar sobre vários assuntos. Nessa época, ele atuava como comentarista de corridas. Vencedor de dois GPs quando corria na Ferrari (Alemanha/1982 e San Marino/1983), Tambay correu em Interlagos uma única vez, no GP do Brasil de 1979 – justamente o primeiro que vi ao vivo na minha vida. Eu estava na arquibancada da reta que vem logo após a Junção.
Tambay não teve sorte naquele final de semana. Bateu em todos os três dias de treinos e na corrida encerrou sua participação com outro acidente. Lembrei-lhe desse fato, pedi-lhe uma opinião sobre o antigo traçado e ele disse: “Era maravilhoso. Uma pista para macho…”. Não havia qualquer traço de preconceito na frase: o sentido dela era perfeitamente compreensível.
Abraços,
LAP