A temporada de 2023 — e ainda temos mais provas por acontecer, podendo isso ser aumentado — ruma para ser, nos números, o campeonato mais dominado por um piloto, ainda que Jim Clark tenha realizado as temporadas perfeitas considerados os resultados válidos. Naquele tempo, os carros quebravam, né? Mesmo colocando Clark na equação, tem-se a impressão de que Verstappen realiza, atualmente, o maior massacre já impingido por um piloto na era moderna-contemporânea da categoria.
Resolvi trazer, de forma sucinta, um comparativo entre o holandês e seu quase-compatriota, o alemão Michael Schumacher, precisamente no ano de 2004. Schumacher já havia feito, em 1994, 2001 e 2002, temporadas completamente dominantes, mas cada uma delas teve seus poréns: 1994, a morte de Senna, desclassificações, suspensões e suspeitas; em 2001, a concorrência pirou o cabeção; e em 2002 foi a Ferrari que, literalmente, segurou Barrichello.
(C) LAT Photographic
Em 2004, a história foi um pouco diferente.
Pole = vitória
Tanto Schumacher quanto Verstappen (até o momento em que escrevo estas linhas) venceram todas as vezes em que partiram da pole-position nas respectivas temporadas analisadas – e estendem suas marcas quando somadas as últimas poles que marcaram nos anos anteriores (2003 e 2022): Schumacher largou oito vezes em primeiro naquela temporada, e vencera outras quatro corridas, em 2003, partindo da pole; Max largou em primeiro dez vezes ao longo de 2022, vencendo em todas as ocasiões, e nas suas quatro poles anteriores de 2022 também venceu.
Volta mais rápida
Outro recorde de Schumacher naquela temporada – e duas vezes igualado por Kimi Räikkönen, em 2005 e em 2008 – foi o das melhores voltas em corrida num mesmo ano: ele foi dez vezes o autor do giro mais rápido em 2004. Até aqui, com as mesmas 18 provas disputadas, Max anotou 8, num período em que a melhor volta da prova tem o glamour de um ponto extra. Max, já vimos, gosta de fazer o primeiro lugar em todas as mensurações possíveis, portanto, aí estaria uma marca pra se buscar.
Sequências
Verstappen conseguiu, neste ano, um feito impressionante: entre os GPs de Miami (quinto da temporada) e da Itália (14º), só deu Max: foram, portanto, dez vitórias consecutivas, superando o recorde anterior, de Sebastian Vettel, em 2013, e o de Alberto Ascari, entre 1952 e 53 – sim, eu sempre fui partidário da ideia de que o recorde de Ascari era de nove vitórias seguidas, e não 7, pois nem ele nem a maioria dos pilotos da Fórmula 1 disputavam as 500 Milhas de Indianápolis, que pertencia ao calendário da F1 (e o inverso também acontecia, os pilotos das 500 milhas não correndo na F1 – conhecem Lee Wallard e Bill Vukovich?).
Antes de Vettel, quem mais se aproximara – e, oficialmente, igualara – do recorde de Ascari havia sido justamente Schumacher, em 2004: ele venceu sete provas seguidas, entre a 7ª e a 13ª etapas do ano. No entanto, a marca de Schumacher, se olhada com a lente de aumento, impressiona ainda mais: o alemão venceu 12 das primeiras 13 corridas, cinco consecutivas desde o início da temporada – um recorde, dividido com o Mansell de 1992 – e mais essas 7 mencionadas. O buraco é o GP de Mônaco, onde Schumacher liderava e, durante o safety car, sofreu um acidente bizarro no túnel [os Cenistas mais fanáticos diriam que foi Ayrton que impediu, pois o alemão poderia, naquele dia, igualar a marca de Senna no principado].
Verstappen, por outro lado, nas primeiras 13 corridas, tem duas não vitórias, a segunda e a quarta etapas, vencidas por Sergio Perez, piloto que, no momento em que falo, parece o vice mais insosso de todos os tempos.
Perez ou Barrichello?
Rubinho, naquele ano, foi muito bem: seus 114 pontos são mais, por exemplo, do que o total obtido pelos campeões mundiais de 2007 e 2008, por exemplo, para citar temporadas com mesmo número de corridas (em 2007, foram 17) e com igual formato de pontuação. Também naquele ano, Rubens foi o piloto que mais completou voltas, quase todas; ainda, subiu 14 vezes ao pódio (uma marca absurda, se pararmos pra pensar), marcou 4 poles, venceu duas corridas, na China e na Itália, e anotou 4 voltas mais rápidas. Em todas essas marcas ele foi o segundo do ano.
Dá pra comparar com o que (não) faz Perez?…
E fora de casa?
Button e Hamilton dividiram a McLaren entre 2010 e 2012, e ninguém pode dizer que Hamilton tenha efetivamente superado seu compatriota. Eram, sim, estilos bem antagônicos, e Lewis – 2010 e 2012 – esteve mais perto do Mundial do que Button esteve em 2011 (vice), mas na soma de tudo, a performance é muito próxima, e a migração de Lewis pra Mercedes diz muito mais do que aparentemente vemos.
No entanto, o Button de 2004 era um piloto em escalada, ao passo que o Hamilton de 2023 é um heptacampeão consagrado. Noves fora, Jenson tinha em sua BAR um equipamento com distância menor para a Ferrari do que Lewis com sua Mercedes tem para a Red Bull.
O quarto em 2004 foi Fernando Alonso, com as milagrosas largadas da Renault, e em 2023 também é o espanhol, mostrando sua longevidade impressionante, mas ficando visível (em 2004 ele marcou uma pole) que lá ele tinha alguma chance a mais do que tem hoje com a Aston Martin.
Ferrari e Williams (com Sainz e Leclerc, Montoya e Ralf, respectivamente) faziam as vezes da terceira equipe dos construtores, e não vejo, sinceramente, muita diferença em favor dos atuais, ainda que na média eles tenham apresentado melhores momentos do que os pilotos de Sir Frank, sobretudo nos recortes aqui comparados.
A McLaren atual, com Lando Norris, também é (muito!) mais consistente do que era então, mas Kimi venceu na Bélgica naquele ano.
Low points
O pior dia de Schumacher, naquela temporada, foi o GP da China, quando já tinha seu título mundial garantido: com a iminente perda de 10 posições por conta da troca de motor, o alemão largou no final do grid. Conseguiu evoluir, marcando a volta mais rápida do dia e, em dado momento, visitando a sexta colocação, mas terminou fora da zona de pontos (12º) e uma volta atrás do vencedor da prova, Rubens Barrichello.
No Brasil, Schumi também foi mal, largando em 18º (desta vez, um mau treino o prejudicou, época em que o regulamento da classificação ainda estava em experimentalismo), mas ainda conseguiu pontuar – foi sétimo. De resto, só vitória ou segundo lugar.
Verstappen, até o momento, além de suas vitórias teve dois segundos lugares e somente uma corrida fora do pódio: em Singapura. Assim como Schumacher em Interlagos, o holandês não teve seus melhores dias nos treinos, ficando fora do Q3 por apenas 0.007s. Mas terminou a corrida em quinto, beneficiado pelo tosco erro de Russell no final da prova.
Melhor performance
A grande corrida de Verstappen no ano talvez tenha sido no GP de Miami: largando apenas em nono, o holandês, em ritmo impressionante e numa pista de “rua” recente no calendário, assumiria a ponta antes da metade da prova, a maioria de suas posições sendo ganhas na pista.
Dos desempenhos de Schumacher, o mais marcante foi o da França, em Magny-Cours. Schumi não largou “lá atrás” (partiu em segundo), mas a estratégia aparentemente suicida lhe rendeu a vitória: ele realizou quatro (!) pit stops no GP da casa da Renault, que ansiava por uma dobradinha – e isso pareceu bem possível, em dado momento, mas acabou perdendo a chance de ver seus dois pilotos no pódio na última volta.
Resumidamente, confesso que ainda me impressiono mais com o Schumacher de 2004 do que com o Verstappen de 2023.
Por quê? Hoje, em qualquer corrida (mesmo nas famigeradas sprints), uma não vitória de Max te surpreende a ponto de você se perguntar que tipo de bizarrice aconteceu no GP. Em 2004, o alemão já tendo vencido os últimos quatro campeonatos (e em 2003 foi por muito pouco, superando a morte de mãe e um princípio de incêndio para vencer corridas), você torcia efetivamente para que Schumacher perdesse em algum momento, e tinha esperanças nesse sentido em vários dos fins de semana.
No entanto, parafraseando Gary Lineker, naquela época “a Fórmula 1 era uma corrida com 20 carros na qual o alemão sempre vencia.”
Abraços,
Marcel Pilatti
5 Comments
Já estava com saudades das comparações e analogias do Marcel!
A meu ver, a comparação entre os desempenhos do Barrichello de 2004 e do Pérez de 2023, amplamente favorável ao brasileiro, é meio que uma faca de dois gumes sob o ponto de vista interpretativo.
Afinal, por um lado ela sugere que a vida de Verstappen é atualmente mais fácil do que terá sido a de Michael 19 anos atrás, como o texto não deixa de registrar. Mas, por outro lado, a falta de um referencial direto em comum pode significar também que o Red Bull atual seja mais difícil de guiar, mais personalizado ao primeiro piloto, ou menos competitivo do que a Ferrari de 2004, ou ainda que Michael tivesse maior dificuldade para operar em nível máximo de excelência em todas as pistas ou circunstâncias.
Claro que temos vários indícios de que Rubens estava entregando muito mais desempenho, mas no fim ainda me parece um terreno um tanto movediço.
Abraço, meu amigo.
Márcio,
Vc sabe o que ferrou o Barrichello na Ferrari.
Ele ser considerado ( e acho que vale até hoje) o melhor piloto 1 B que a fórmula 1 já teve. Nem Massa com todo o paternalismo que teve na Ferrari, conseguiu esse status
Fernando Marques
Irmão,
Creio que qualquer prisma analisado irá apontar que Barrichello é/foi superior a Perez em qualquer amostra analisada. Isso posto, entendo que deveríamos, sim, esperar mais de Barrichello. Resulta que em seus anos com Schumacher, somente em 2002 ele conseguiu uma proximidade real. Seus ótimos números em 2004 – estatisticamente, sim, seu melhor ano, por vários fatores expostos no artigo – no fim das contas, pelo menos pra mim, mostram que ele poderia ter alcançado o tão sonhado título correndo nessas condições em épocas ligeiramente diferentes.
2004 e 2005 foram os anos com os piores sistemas de treinos, em minha opinião, e por piores me refiro realmente ao reflexo desempenho-tempo. Depois do malfadado sistema de uma volta lançada adotado em 2003, para 2004 a sessão da sexta-feira foi transferida para sábado e a ordem foi designada de acordo com o resultado da corrida anterior. Rubens tinha uma primazia ante Michael em alguns GPs, e o sistema o favoreceu nessas circunstâncias.
Mas, no fim das contas, Schumacher foi quem mais fez poles. As vitórias de Rubens vieram com tudo decidido, mais ou menos como acontecera em 2002, mas sem a necessidade de interferências diretas da equipe para tirar Rubinho do jogo, fosse antes ou durante a prova.
No fim, podemos dizer que Perez bateu Max num período em que ele/RBR ainda estavam se adaptando. Já Rubinho bateu Schumi quando não havia muito mais em jogo.
Muito bom.
E o que é melhor: a provocadinha rendeu mais um pouco de texto 🙂
Abraço, meu amigo.
Marcel,
os resultados do Verstappen esse ano são absurdamente tão dominantes quanto foram os do Schumacher em 2004 … independente de quem foi o mais dominante, a torcida para Verstappen não vencer uma corrida continua sendo a unica esperança da gente poder ver uma corrida animada em 2023 … essa é a verdade …
Fernando Marques
Niterói RJ