Senna – A entrevista 2

Senna – A entrevista 1
17/01/2023
Senna – A entrevista 3
22/01/2023

Leia a 1ª parte desta série aqui https://gptotal.com.br/senna-acidente-e-fatalidade/ e a 2ª, na qual começa a entrevista, aqui https://gptotal.com.br/senna-a-entrevista-1/

DONINGTON – A LARGADA MÁGICA

Eduardo Correa: A outra prova que eu queria que você recordasse, que realmente é uma corrida extraordinária, sob qualquer aspecto, foi a de Donington, deste ano, ou do ano passado (1993).

Eu estive com o Emerson recentemente. Estava conversando num grupo de jornalistas e foi citada essa sua primeira volta em Donington. E o Emerson disse que perguntou pra você como é que você fez aquela primeira curva, aquela primeira volta e você teria dito pra ele que não sabia como fez, né?

O que você lembra dessa corrida? O que te marca hoje, passados alguns meses dela?

Ayrton Senna: (inaudível) Eu larguei até não muito bem…. uma largada…

EC: Não… inclusive o Schumacher foi muito agressivo pra cima de você. Foi uma coisa – você chegou a colocar uma roda fora da pista pra escapar dele.

AS: Eu tive de tirar o pé para evitar qualquer tipo de choque ali. Eu não devo ter largado muito bem e o Schumacher deve ter me dado um aperto. Fora a largada em si, no momento que o Schumacher me deu o aperto, naquele momento preciso, ao longo da volta, eu guiei como eu realmente costumava guiar nos tempos de Fórmula Ford, sobretudo em condições assim bem difíceis. Pista bem alagada, todo mundo com o tanque cheio, carro pesado, pneu com baixa pressão ainda, frio… Foi uma situação de muita interrogação, vai… A gente não sabe o ponto de frear pra curva, não sabe se o carro vai travar o freio dianteiro ou a roda traseira, se vai escorregar, se não vai escorregar, se vai aquaplanar ou não vai, se vem alguém em cima de você…

EC: É… tem 26 carros juntos, né?

AS: É tudo assim, uma loteria… E é imprevisível você julgar o próximo piloto que está diante de você. É totalmente baseado no instinto, uma coisa que é baseada no instinto e, digamos assim, uma forma agressiva, mas ao mesmo tempo um controle tremendo, um domínio muito grande sobre si e a máquina, como se você, como é que eu posso dizer… Você deixa a máquina te absorver…

É como se você derretesse dentro da máquina e ocupasse todos os cantos ali e dessa forma você é uma única coisa com a máquina e totalmente integrado naquele momento, naquela circunstância, da água da chuva, da incerteza, da falta de referência e o medo e a indecisão dos teus oponentes.

É uma corrida de duas horas e você no primeiro minuto e meio desta prova realmente se arrisca muito a jogar tudo fora em troca de um minuto e meio e você tem mais 1h58 de corrida. Então você precisa estar muito seguro e muito certo daquilo que você está fazendo para não fazer uma figura de idiota e sair reto na primeira curva e ficar ali, na caixa de brita, parado, sendo já um piloto experiente que sabe que uma corrida nem sempre se decide na primeira volta. Mas aí é que vem exatamente a sensibilidade de você saber julgar o momento como esse que aquele minuto e meio valia por um grande prêmio.

EC: Sim…

AS: E ali, então, você coloca tudo, aposta tudo. Mas ao mesmo tempo não é simplesmente blefar e se caírem, tudo bem, e se alguém pedir para você mostrar, você não ter jogo. Ali você vem jogar tudo que tem mas de certa forma ter se preparado para aquele momento com antecedência ou seja: ter a certeza que é aquilo mesmo que tem que fazer.

EC: Sim

AS: E dessa forma você não tem meio termo, você não tem momento de indecisão, que é onde você comete os erros que deixa brechas para problemas.

Você entra sabendo exatamente por que você vai fazer e como vai fazer e vai fazer. Então ali você tem a mínima força e uma autoridade muito grande e naquela circunstância toda acabou dando o que deu. Uma volta realmente espetacular porque desmontou aqueles – Prost, Hill – que tinham condições de competir, uns caras assim que demoraram umas cinco ou seis voltas para começarem a encontrar um ritmo e até tem um comentário que posteriormente eu fiquei sabendo, que o Prost chegou para um engenheiro italiano que cuida dos freios tanto de carros da McLaren, quanto da Ferrari e Beneton…

EC: Os Brembo

AS: Eles fornecem os freios para a maioria das equipes de Fórmula 1, tem acesso a todas as equipes, dão assistência técnica e tudo. E o Prost após a corrida, na corrida seguinte, no treino livre…

EC: Em San Marino.

AS: …lá em Donington a McLaren estava usando ABS? O sistema de freio antilocking? Porque da forma que eu passei ele, ele mesmo não conseguia absorver a ideia de como aquilo ocorreu, a não ser que de repente eu estivesse com um sistema de freio antilocking, ABS…

EC: Entendi… Que você não precisava cuidar da pressão sobre o pedal… que o microprocessador ia dosar…

AS: Exatamente, ia tomando conta da minha freada…

EC: Ia dosar a freada pra você…

AS: Como a Williams estava desenvolvendo aquele sistema naquela época, que eles passaram a usar a partir da França, eles foram os únicos que a partir da França tinham aquele sistema. Ninguém mais teve. Nós nunca tivemos, inclusive. Quer dizer… nós iríamos ter a partir do ano que vem, mas foi banido.

EC: Sim.

AS: Então, como ele já estava treinando com esse sistema, já sabia das vantagens, ele já pensou que provavelmente a McLaren também tinha e estava usando esse sistema na chuva lá e que por isso eu tinha corrido daquela forma.

EC: Sim…

AS: E o italiano falou não, não tem ABS coisa nenhuma… Sou eu quem fornece os freios pra ele e (inaudível) da Benetton, da Ferrari, e não tem nenhum sistema de ABS. São detalhes que acabam dando voltas e caem no ouvido da gente e que atestam, de repente, uma situação muito especial.

DONINGTON – AS ULTRAPASSAGENS INESQUECÍVEIS

Eduardo Correa: Você tem alguma recordação especial sobre a ultrapassagem que você fez sobre o Karl Wendlinger? Você ainda tem essa lembrança, que você ultrapassou por fora numa curva à esquerda, aproximadamente, pelo que eu entendo de Donington, mais ou menos no meio do percurso, entre…

Ayrton Senna: Eu sei onde é, eu sei onde é…

EC: Foi uma curva à esquerda onde você entrou numa velocidade aparentemente tão alta que eu em casa eu falei “puts, ele não vai conseguir fazer a curva”. E foi aquela a ultrapassagem que mais me chamou a atenção. Isso é uma, digamos, uma impressão pessoal minha… Você lembra dessa ultrapassagem?

AS: É lógico, é lógico que lembro. Ali é um mergulho que vai da primeira curva depois (inaudível), uma noventa graus à direita, depois você acelera, põe terceira, quarta, quinta e ali você já estaria em sexta.

EC: Sim…

AS: Isso no seco. Mas no molhado…. então aquela volta era em quinta…. então você mergulha ali numa sequência. Um S veloz que vai continuamente à direita, de repente vira à esquerda, nesse mergulho, que é onde eu passei ele por fora mesmo. Foi nessa parte no meio do “S”, que vira para a esquerda, eu peguei, tirei por fora e fui em frente.

E ali foi uma manobra calculada porque eu sabia que a tendência dos demais, sendo a primeira volta, não tendo toda aquela sensibilidade sobre o carro, a familiarização que você tem com o carro… aderência… a velocidade ideal na curva etc., carro frio, carro de tanque cheio, ali o pessoal provavelmente… o líder ia maneirar um pouquinho… o segundo mais um pouco, o terceiro mais um pouco e assim por diante…

EC: Sim…

AS: Todo mundo teria uma atitude assim…. muito reservada, vai, eu colocaria…

EC: Entendi…

AS: Na minha opinião, né? E ninguém esperaria que um competidor viesse ali por fora, embalado, como se já estivesse andando há dez voltas, já totalmente seguro da velocidade ideal, sem perigo de dar um escorregão e sair fora etc. E ninguém ia esperar isso. E eu já estava consciente disso (inaudível) eu já tinha consciência que…

EC: Você já tinha derretido nessa altura…

AS: Oi?

EC: Já tinha derretido dentro do carro. Já estava integrado…

AS: Já tinha consciência que ali seria um ponto de pegar o pessoal de surpresa. Então eu executei a manobra. Vim embalado, tirei do Wendlinger e passei batido por fora mesmo.

EC: E já preparou a ultrapassagem pelo Hill, né?

AS: É o Hill foi duas curvas mais tarde…

EC: Você chegou muito mais rápido do que ele. Ele ainda tentou se impor, mas é bem aquela coisa da moral. Realmente, você ultrapassou o Hill por uma ação mais moral do que de volante mesmo. Aquela situação de se impor frente ao adversário.

AS: É que eu fiquei determinado. Eu sabia que a minha chance naquele momento estava ali, estava naquela primeira volta, se conseguisse ganhar aquelas posições todas. Na largada, eu não sabia se era quarto ou quinto… Entendeu?

EC: Nesse momento eu não sei se era quarto ou quinto… Eu acho que era quarto, atrás do Schumacher.

AS: Eu inclusive perdi na largada pro Schumacher também essa posição. Então eu caí na largada pra quinto, sexto…

EC: E o Karl Wendlinger passou por você, também…

AS: Então, ali eu tinha que recuperar aquilo que eu tinha perdido e mais as outras posições que eram normais da minha própria posição de largada logo na primeira volta, enquanto estava todo mundo se encontrando, perdido, se achando. Ali então eu teria condições de executar ultrapassagens, tomar a liderança e pegar a pista limpa, na frente, sem cortina d´água, sem problema de visibilidade e agressivamente guiando eu poderia tirar uma diferença nas primeiras voltas que aí, depois, os outros iam ter de tirar e tinha um fator psicológico, que aquilo ia descontrolar um pouco a cabeça dos caras algumas voltas.

Então, eu sabia. Na minha cabeça, eu tinha aquilo assim muito claro, que era uma questão estratégica, fundamental, pra aquela corrida e até mesmo uma questão de prazer pessoal, de executar tais manobras como aquelas, com sucesso. Não era jogar tudo ou nada e se perder… Não. Jogar pra valer, mas com muito segurança.

EC: Sim. Sem blefar, como você falou antes…

AS: Exatamente.

EC: Estar preparado pra apostar alto e bancar a aposta, né?

Na segunda-feira, dia 23/1, Senna fala da sua ligação com a Honda e a McLaren

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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