Senna – A entrevista 3

Senna – A entrevista 2
19/01/2023
Senna – A entrevista 4
24/01/2023

Leia a 1ª parte desta série aqui https://gptotal.com.br/senna-acidente-e-fatalidade/, a 2ª, na qual começa a entrevista, aqui https://gptotal.com.br/senna-a-entrevista-1/  e a 3ª aqui https://gptotal.com.br/senna-a-entrevista-2/

A CORRIDA, DE DENTRO DO CARRO

Eduardo Correa: Você tem como curtir isso (uma vitória como a de Donington) dentro do carro? Você percebe o que você está fazendo? Quer dizer… você tem uma dimensão da corrida? Ou o nível de concentração é tão grande que você não pára, você não diminui…

Ayrton Senna: Não, não… Você tem que ter uma sensibilidade para administrar o que você está fazendo ao mesmo tempo em que você está executando. E é importante você aplicar corretamente o tempo de apertar que estrategicamente falando é a resposta que você tem de dar aos adversários e o momento em que você está vulnerável e tem de maneirar o ritmo.

Então tem que administrar aquele momento, num determinado número de voltas, até ir novamente para a uma situação em que você pode estender aquela liderança ou assegurar mais ainda a tua vitória.

É um sentimento, assim, um feeling, de sensibilidade no caminho. Isso é importantíssimo para definir a estratégia de corrida a cada volta.

Você pode ter definido uma estratégia antes do início da prova baseado nas informações que você tem, dos três dias de treino, de corrida, da situação do seu carro, dos problemas, pela sua decisão, sua experiência, mas depois, a partir do momento em que você tem de andar, você tem que ter total flexibilidade para auto-ajustar sua própria estratégia.

À medida que a prova vai acontecendo, vai se desenrolando, muitas coisas não esperadas ocorrem e a sua reação indica uma (inaudível) situações novas, mudando a sua estratégia inicial, de preferência, sempre. Então é importantíssimo…

EC: Sim… Senão a estratégia não vale nada, né?

AS: Pois é. É uma coisa fascinante até, diria porque é um quebra-cabeça, é um quebra-cabeça que você posiciona as pedras de tal forma antes de formar o tabuleiro, imaginando mais ou menos a forma como vai encaixar as pedras. Depois, de repente, vem a largada e alguém mexe no tabuleiro e elas saem um pouco da ordem. Você tem recolocá-las novamente, a partir de uma ordem diferente para chegar ao resultado final.

Você tem que ter a sensibilidade de visualizar tudo isso. Pegar a pedra certa no momento certo é que faz o resultado, né?

SENNA E A HONDA

Eduardo Correa: Ayrton, eu queria que você agora me falasse um pouco sobre a sua influência em dois momentos da sua relação com a Honda.

Eu gostaria de saber até que ponto você influenciou – e às vezes eu acredito que você tenha tido um papel muito grande na ida da Honda em primeiro lugar para a Lotus e, em segundo lugar, na associação como a McLaren.

Ayrton Senna: Canadá, Canadá 85. Ali eu percebi que a Honda teria um motor vencedor nos anos subsequentes.

Eu percebi que eles tinham encontrado a fórmula do futuro. Tecnicamente eu percebi porque eu guiei junto com o Keke Rosberg que estava guiando Williams com motor Honda, mesmo eu estando atrasado algumas voltas – eu tive problemas com o turbo, que tinha soltado, eu parei nos boxes, fiquei algumas voltas até os mecânicos recolocarem o turbo, eu voltei à pista – e voltei junto com o Keke, por coincidência, e fiquei brigando com ele a corrida inteira, embora eu estivesse algumas voltas atrasado.

Dava para acelerar tudo o que dava, não me preocupando com o consumo de combustível, que nessa época era também importante etc. E eu percebi que o Keke estava andando muito porque ele estava correndo para terminar a prova na volta do vencedor etc. E para ele andar naquele ritmo que ele estava andando fazer o número total de voltas sem ter problemas de combustível é que a eficiência daquele motor, não só a potência máxima, mas a eficiência era algo assim, fantástica.

Até aquela prova, a Honda não tinha (inaudível).

EC: É… a temporada deles em 84, apesar da vitória em Dallas, foi um desastre fantástico…

AS: (inaudível) Ali, eu percebi que a fórmula tinha sido encontrada. E a partir daquele momento eu tratei de pesquisar mais o assunto e descobri que eles tinham estreado uma versão nova do motor Honda naquela prova, tinha introduzido e realmente provou ser a opção certa etc. e dali eles partiram para o sucesso e foi exatamente ali.

Então, a partir daquele momento, eu passei a me aproximar dos japoneses, procurando entender melhor quais eram os objetivos deles em termo de Fórmula 1.

EC: Você nunca tinha tido nenhum contato com a Honda, até então?

AS: Não…

EC: Eles próprios tinham chegado a Fórmula 1 …

AS: A gente foi se aproximando, se aproximando, se aproximando e o que existia era uma estratégia assim, comum, tanto para eles quanto para mim, embora eles fossem uma fábrica, um fornecedor de motores para as equipes, e eu apenas um piloto que estava no início da carreira.

Mas basicamente a gente tinha alguma coisa em comum: eu queria muito vencer, estava no início da minha carreira, tinha todo um potencial mas tinha ainda de, realmente, comprovar. Eu já tinha vencido Grandes Prêmios naquela época, mas precisava ganhar campeonatos, ganhar constantemente. Mas eu era muito competitivo, era jovem e tinha um desejo muito forte de crescer, de aprender, de vencer.

Eles também já estavam na Fórmula 1 há dois ou três anos, eu acho, desde o início do projeto sem sucesso, só com problema, investindo muito pesado e com uma estratégia clara, um desafio técnico para eles, de se sobrepor a todos os demais.

E ficou evidente que nós tínhamos o mesmo desejo, embora viessem por caminhos diferentes, pertencentes a culturas diversas, mas era o mesmo objetivo, igualzinho. Era uma questão de comunicação.

E eu entrei então pela porta da frente, eu diria, porque eu simplesmente tive uma reunião com eles, que foi em Mônaco, em 86, e dali eu fui crescendo, crescendo, procurando, me aproximando deles e tive receptividade e aí nós marcamos uma reunião em Mônaco 86, num hotel chamado Beach Plaza e fui lá sozinho e entrei no quarto com os japoneses, tinham quatro ou cinco deles lá dentro.

Mas eu fui, pensando numa coisa: tudo o que eu ia falar era exatamente o que eu realmente acreditava. Eu ia tentar vender… não era conversa de vendedor, tá? Eu ia falar exatamente o que eu pensava, o que eu precisava e o porquê disso sobre um assunto que a gente ia ter. Porque, com isso, a verdade era a verdade. Naquele momento e dali a dez anos continuaria sendo a verdade.

E foi o que ocorreu. Nós fomos conversar e resolver o problema. O que a gente ia fazer, o que já tinha feito, o porquê de uma série de coisas etc. E eu percebi que ali eu entrei mesmo pela frente e naquele momento eu tive as portas da Honda abertas.

EC: Sim…

AS: E foi nada mais nada menos, fora o potencial que eu tinha, mas foi realmente porque eu entrei de cabeça e entrei honesto.

E eu acreditava realmente que eles tinham, na minha opinião, eles tinham a fórmula do sucesso. Disse a eles inclusive quando é que eles encontram aquela fórmula, que era uma coisa que eu tinha deduzido e aí foi o que eu falei… Foi no Canadá no ano passado – já tinha se passado quase um ano – que eu passei a acreditar em vocês porque ali eu presenciei de maneira clara que vocês tinha a tecnologia e que você iam vencer a partir daquele momento como vocês realmente venceram no final de 85 e 86.

EC: É… o final de 85 já foi deles…

AS: É, e eu falei assim: ali no Canadá é que vocês descobriram alguma coisa que eu não sei o que é – naquele tempo, eu não sabia – e aí ali eles olharam pra mim e falaram: é realmente (inaudível).

E aquela era a última cartada deles para andar para valer ou não. E deu certo. Eles acertaram realmente e eles confirmaram isso para mim: foi exatamente ali (inaudível).

Então acho que ali houve assim, uma coincidência dos fatos com o fato de eu ter percebido, por eu ter presenciado uma situação especial e ter notado (inaudível) coisa de oito meses mais tarde, né? E eles sentiram que eu tinha um compromisso total, um objetivo, um sonho.

E nós dali em diante começamos a nos reunir mais, mais constantemente e desenhar um plano de futuro, uma estratégia de futuro onde possivelmente nós operássemos e logicamente eu corria pela Lotus e o meu desejo é que eles então fornecessem motores à Lotus.

AS: E foi o que…

EC: A solução…

AS: Mais tarde acabou ocorrendo realmente e eu, sem falsa modéstia, é um fato. Realmente eles foram para a Lotus por todo o relacionamento que eu procurei construir com eles e a gente conseguiu.

A HONDA, ENTRE A LOTUS E A MCLAREN

Eduardo Correa: Ayrton, não se aventou a hipótese de você ir para a Williams em 86?

Ayrton Senna: Não. Não, porque eu estava muito ligado à Lotus e eu tinha, assim, um desejo de construir com a Lotus um carro vencedor.

Então, assim, o meu ideal era elevar a Lotus a um nível bem melhor do que eles já estavam na época, certo?

Esse plano era possivelmente levar a Honda como um fornecedor de motores. O que posteriormente acabou por, digamos assim, se desmanchar porque, era um trabalho bom… Mônaco é geralmente início de maio…

EC: Maio…

AS: Eu trabalhei então, do início de maio de 86 até dezembro de 86 sem ter um contrato renovado com a Lotus, apenas na expectativa de realmente de botar o motor, juntar a Honda e a Lotus e construir uma equipe junto com o pessoal e deixando os aspectos do contrato para mais tarde porque era uma coisa assim, que seria apenas uma consequência.

EC: Perfeito. Era o menos importante naquela altura.

AS: Exatamente. Então foi baseado mais na palavra das pessoas, mesmo porque a John Player estava pulando fora

EC: Exato, e a Camel estava vindo.

AS: E eu tinha que encontrar um bom patrocinador para poder garantir o contrato e tudo, né? Então, eu dei tempo a eles para que encontrassem e fizemos apenas acordo verbal.

E quando foi em dezembro, o carro novo já estava sendo desenhado, fabricado etc., fim de janeiro, início de fevereiro, quando chegou na hora de dizer: “vamos colocar no papel”, eles começaram a me enrolar, a me enrolar, aí eu percebi que tinha alguma coisa que não estava indo muito bem e aí eu descobri que infelizmente eles estavam tentando mudar as bases do nosso acordo verbal.

Na época, eles já tinham a Camel, já tinham um contrato com a Camel, que era da Reynolds que estava entrando na Fórmula 1. Eles tinham um patrocinador forte, não tinha razão para mudar, muito pelo contrário. E então eu percebi que infelizmente eu estava, como eu diria, com um problema sério diante de mim, um problema ético em termos de futuro porque eu estava investindo em pessoas e numa equipe na qual, de repente, não estava sendo recíproco.

E eu me decepcionei. Assim mesmo fiz prevalecer o que tinha sido combinado verbalmente porque o que eu tinha nessa altura era uma força muito grande, porque eu tinha a Honda por detrás, os ingleses ainda não tinham uma ideia exata da força que eu já tinha, que era uma coisa muito, muito – não é secreta –, mas uma coisa assim muito discreta que só os japoneses e eu sabíamos porque realmente estava no canal de comunicação que nós tínhamos um com o outro. Era lá que estava a força…

EC: Na confiança recíproca…

AS: Exatamente. Então…

EC: E que é a atitude que o japonês mais valoriza nas suas relações comerciais.

AS: Pois é…

EC: Esse é o segredo da economia japonesa. É a informalidade e a seriedade com que os negócios são tratados

AS: Exato. Então… e outra, tendo a convicção que tinha da Honda me apoiar, eu pisei firme e fiz prevalecer, mas ali eu perdi o embalo.

EC: É… se plantou a semente do mal, né?

AS: É… eu perdi o embalo e então naquele momento eu percebi que eu tinha que reavaliar o meu futuro e estabelecer uma nova estratégia sem muito – eu fiquei até muito triste porque eu tinha trabalhado tanto por aquilo e… e antes mesmo de sentar no carro com motor Honda, que era um sonho da Lotus, o Lotus Honda, eu já tinha que desistir daquele projeto, praticamente, entendeu?

Mas eu não podia pular fora naquele momento porque a Honda já estava dentro da equipe e eles iam fornecer de qualquer forma o motor para 87 (inaudível), os motores já haviam sido fabricados e não podia cancelar o projeto, entendeu?

EC: Claro…

AS: E demais, eu tomei uma decisão, eu fui em frente. Mas já ali eu comecei a desenhar a McLaren Honda e o que o que existia é que naquele ano, o próprio Ron Dennis com o Prost, que corria pela McLaren em 86, foram ao Japão…

EC: Foram no Japão. Sim… Foi bem noticiado, isso.

AS: …para conseguir os motores Honda – e não conseguiram. Justamente porque a Williams tinha motores Honda e a Lotus teria motores Honda devido ao trabalho que eu tinha feito com os japoneses desde Mônaco.

E isso, fosse o Ron Dennis, o Prost ou quem fosse, ninguém ia mudar isso. Porque a alternativa seria eles não darem à Lotus e darem à McLaren. E isso não ia acontecer, embora a McLaren tivesse vencido o campeonato e tudo o mais, tivesse o Prost como campeão do mundo e assim por diante.

Mas a atitude do Ron Dennis com os japoneses, já em 86, foi tal que eles não gostaram do Ron, da atitude, da forma de tratar e tudo o mais. Então eles não tinham, de certa forma, simpatia pelo Ron. E era uma coisa clara porque eles mesmos me diziam isso nas reuniões. E como é que eu ia mudar, digamos assim, a sensibilidade, o feeling que eles tinham com relação ao Ron para tornar eventualmente viável?

EC: A associação…

AS: Eu estava com uma batata quente na mão porque eu tinha construído na cabeça deles a Lotus. Fiz eles irem para Lotus, mesmo contra o Ron, na época. E aí, antes mesmo de começar o campeonato, eu já estava com problema de ter que demonstrar a eles, em cima duma verdade, né? Mas ter que demonstrar a eles que o futuro não era exatamente a Lotus, mas sim a McLaren naqueles próximos anos. Que era também uma consequência que eu tinha, um raciocínio que eu vinha fazendo sobre a McLaren, Lotus e tudo mais.

Então nós iniciamos o campeonato no Brasil, era o carro de suspensão eletrônica e tudo mais. Nós trabalhamos para valer. Aí em Mônaco – foi em Mônaco, novamente…

Em Mônaco eu venci o Grande Prêmio e tomei uma decisão, vencendo o Grande Prêmio, assim, definitivo, que eu não iria continuar na Lotus no ano seguinte.

EC: Certo. Foi a primeira vitória com o carro com a suspensão eletrônica.

AS: Exatamente. Então, veja só, eu me lembro, foi muito forte a sensação, que eu venci a corrida em Mônaco, que era Lotus Honda, primeira vitória de um brasileiro em Mônaco, primeira vitória da Honda em Mônaco e aquela vitória eu decidi – porque eu sabia ao longo daquele mês de março e abril, definitivamente, que o futuro não estava para Honda e nem para mim, não estava na Lotus.

EC: Sim…

AS: E então, dali, já comecei a trabalhar os japoneses com relação ao Ron. Tanto é que eu me lembro, nessa época eu morava na Inglaterra. Acabou a corrida, nós voltamos para Londres e chegamos no domingo à noite, mesmo, fomos para o hotel da Honda, jantar juntos, mecânicos e tudo o mais. Acabou o jantar, entramos uma reunião, tipo meia noite, uma hora da manhã. Depois de uma final de semana de corrida, ehn?

EC: Sim…

AS: E fomos até três, quatro da manhã, eu e mais seis japoneses, para falar sobre final de semana e tudo mais e sobre o futuro.

Então, ali eu coloquei o meu ponto de vista. O porquê daquilo tudo, o porquê da Lotus, o porquê da McLaren. E iniciei o trabalho de mostrar a eles que, de repente, o Ron, era o jeito do Ron Dennis etc. Mas tinha que ser considerado, tinha que ser pensado, por isso, por aquilo, e comecei a trabalhar.

E pouco a pouco então eu vendi a ideia de McLaren e Honda para eles. E ela se concretizou nos meses seguintes.

Na quarta-feira, dia 25, Senna fala da sua carreira na McLaren e como influenciou a Lotus a contratar Nelson Piquet.

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

2 Comments

  1. Thiago Valerio da Rocha disse:

    Grande Eduardo Correa. Um prazer ouvir e ler essas entrevistas. Grande abraço de SJCampos/SP

  2. Fernando Marques disse:

    Fim de semana na estrada curtindo um friozinho na serra fluminense (Friburgo) …
    As entrevistass estão sensacionais.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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