Senna – A entrevista Final

Senna – A entrevista 4
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Alimentando Lobos – Parte 1
02/02/2023

Leia a 1ª parte desta série aqui https://gptotal.com.br/senna-acidente-e-fatalidade/, a 2ª, na qual começa a entrevista, aqui https://gptotal.com.br/senna-a-entrevista-1/, a 3ª aqui https://gptotal.com.br/senna-a-entrevista-2/, a 4ª aqui  https://gptotal.com.br/senna-a-entrevista-3/, e a 5ª aqui https://gptotal.com.br/senna-a-entrevista-4/ 

SUZUKA 89

Eduardo Correa: 89, em Suzuka. O fato de você não conseguir ultrapassar o Prost naquela situação, aquilo foi explicado várias vezes pela imprensa, pelo fato do Prost ter regulado o carro dele com menos aerofólio, portanto, ter alguns quilômetros a mais de velocidade que você em reta e estar preparado pra te segurar nas curvas, como ele de fato fez, e como a própria característica de Suzuka favorece, né?

Foi isso mesmo? Realmente houve o fato de você não ter velocidade final suficiente pra ultrapassar em reta, foi decorrente dessa regulagem diferente dos carros?

Ayrton Senna: Não, não, não. Eu diria que os carros naquele Grande Prêmio estavam muito similares nas regulagens o que foi uma consequência natural dos dois dias de treinos, que a gente foi treinando e ajustando, ajustando, ajustando e chegou num ponto quase ideal de regulagem tanto para ele quanto para mim. E então os carros eram muito parecidos em performance. E isso tornava difícil qualquer tipo de ultrapassagem.

Ele guiou bem naquela prova, guiou forte, constante durante a corrida inteira e eu fui procurando ganhar dele no cansaço, ou seja, acompanhando o ritmo forte colocando pressão nele o tempo todo, desgastando ele, pra talvez quem sabe, na segunda metade da corrida, eu conseguir pegá-lo.

E que foi o que ocorreu. Ele foi desgastando, desgastando. E no final, talvez a minha gana de ganhar, minha vontade, era maior do que a dele e eu estava mais forte do que ele no final da corrida.

E então a vantagem começou a aparecer e eu percebi que era naquele ponto, sem tentar, só avaliando durante toda a corrida onde eu era um pouquinho mais rápido do que ele, e eu ficou muito claro na minha cabeça que aquele era o ponto de ultrapassagem, que ali era viável desde que eu estivesse numa condição ideal etc., etc. de posicionamento (inaudível).

E foi quando então eu encontrei a ocasião e executei a manobra só que ele, percebendo a manobra que eu estava fazendo, ele jogou o carro em cima do meu.

EC: Me espanta um pouco, Airton, que no final das contas, tenha-se falado tão pouco e a própria imprensa, mesmo as pessoas que da imprensa que sempre estiveram ao seu lado, mesmo a própria imprensa brasileira, como se, como se desvalorizou a atitude do Prost, porque o Prost estava a uns 5 ou 6 metros antes da curva, antes de jogar o carro pra direita…

AS: É…

EC: Quer dizer, foi uma atitude de…

AS: como tinha vídeo, da câmera do carro, enfim, tanto minha quanto a dele…

EC: Sim…

AS: e que dava o visual do capacete, do volante e da curva deu pra ver dentro do carro dele, a câmera dele mesmo, mostrando que ele olha assim no espelho…

EC: E joga pra direita duas vezes…

AS: …quando ele vê que eu estou ao lado dele, que tem a sequência de marchas e nisso, a curva está lá na frente e nesse momento não existe curva porque ele simplesmente vira bruscamente o volante contra, à direita, que era exatamente aonde estava o meu carro e ali começa a enganchar os dois carros e acontece o que acontece.

Tem uma visão também, por cima, do helicóptero, onde a mudança brusca de direção. Então, foi evidente o que o que ocorreu, mas havia uma situação política toda, sabe?

EC: É e foi realmente lamentável o que aconteceu depois, quer dizer, tanto quanto o que aconteceu na pista, né?

AS: Mas aí já estava tudo direcionado como resultado e a força na época era do Balestre e o Prost era diretamente ligado a ele (inaudível). Foi assim uma vergonha, uma vergonha, de forma muito evidente, era muito claro o que estava ocorrendo.

Mas o que ocorre não só na Fórmula 1 mas em todos os esportes, você fala de Olimpíadas, de Judô, de Futebol, geralmente os homens que tem o poder nessas federações, nesses comitês e tudo o mais, eles se julgam todos poderosos, eles se acham intocáveis, e nem sempre tomam decisões de forma modesta, ética…

EC: Ou pró esportivas…

AS: …seguindo os estatutos deles mesmos, os regulamentos que eles mesmos aprovaram e aquilo foi um exemplo, mas ele não é o único exemplo não só na Fórmula 1, como não é o único exemplo no esporte em geral. Tem muita coisa que aconteceu e continua acontecendo no nosso dia-a-dia nessas entidades todas e que caracteriza-se esta situação de força, de poder, (inaudível).

E os líderes desses grupos se acham os superpoderosos. A gente acaba enfrentando uma série e dificuldades. Mas é o sistema…

A POLÍTICA NA FÓRMULA 1

Eduardo Correa: Na sua opinião até que ponto todo esse envolvimento de política e de negócios tem prejudicado a Fórmula 1 como atividade esportiva?

Ayrton Senna: Olha, tudo tem a parte boa e a parte negativa.

É muito difícil você separar e dizer não a toda a cobertura que ela tem, através dos jornais, através da televisão, a penetração mundial que ela conquistou e que é uma coisa boa porque ela sendo o que ela é hoje ela atrai interesses enormes econômicos e políticos (inaudível).

Não é correto, não vejo como correto, porque se a Fórmula 1 atingiu os níveis de audiência que atingiu é porque ela tem todo um espetáculo a oferecer, que foi se profissionalizando, foi bem promovido e foi comercializado (inaudível) e por ela ter esta penetração toda e etc., ela acabou tendo muito mais investimentos que fizeram dela realmente a atração principal do automobilismo mundial e isso trouxe tanto ao público aficionado na Argentina, no Paraguai, no Chile, no sul do Brasil e países que não tinham corrida e acabaram tendo acesso em suas casas pela televisão – países como a China, África do Sul, Nigéria, qualquer país do mundo tem na televisão as corridas, que anos atrás não tinha

Por que têm as corridas na televisão? Porque por trás tem as multinacionais que investem e viabilizam todo este circuito fechado.

E então o torcedor saiu ganhando com isso (inaudível). As equipes crescerem, se profissionalizaram, fizeram os carros mais sofisticados, carros mais seguros, as companhias de automóveis puderam entrar, investir, ter o seu retorno tanto em imagem quanto tecnológico, desenvolvendo produtos que elas acabam integrando nos seus carros de linha, os pilotos acabaram tendo um reconhecimento maior pelo seu trabalho, seu esforço, seja ele em termos de imagem quanto material.

Então existe muita coisa boa que vem como consequência do reconhecimento e da penetração.

Por outro lado, o interesse também cresceu em relação ao que está em jogo, o que está em disputa e muita, muita coisa, realmente, vem de negativo, que é a disputa pelo poder (inaudível).

EC: Sim. Eu não consigo imaginar quanto dinheiro existe…

AS: O problema aparece nesse ponto, criticamente e comercialmente falando, eu diria o seguinte: eu, em particular, consegui me ajustar bem esportivamente e comercialmente falando, politicamente não. Politicamente eu acho que deixei muito a desejar, mas ainda não terminei a minha carreira e pretendo aprender mais desse lado em particular, sobretudo do lado político da coisa e esportivo para realmente sentir um certo bem estar e até mesmo em paz esportivamente (inaudível).

Mas, no computo geral, eu não tenho dúvida nenhuma do que existe de positivo, do que existe de bom, supera em muito a parte ruim, difícil da Fórmula 1.

EC: Ok Ayrton. Eu te agradeço extremamente a sua atenção, a sua gentileza e a seriedade com que você tratou cada pergunta. Você me deu um material riquíssimo para o livro vai enriquecer muito o livro. Realmente te sou muito grato!

Espero que o resultado final também seja do seu agrado, que o texto que eu estou terminando agora expresse a admiração que eu tenho por você, que não é só de esportista é de homem, também, o de exemplo para as nossas crianças – uma coisa que está tão fora de moda, um esportista hoje dar o exemplo como o Pelé dá, como você tem dado. Uma coisa que parece tão careta e que ao mesmo tempo é tão necessária para um país conturbado com esse hoje. A coragem moral que você teve, de em várias situações dizer a verdade, realmente espero que o livro expresse essa admiração.

AS: Foi um prazer! Espero que você tenha sucesso aí no teu trabalho. E que você realmente também fique também satisfeito com você mesmo de colocar todas essas pedrinhas no seu quebra-cabeça!

 

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

3 Comments

  1. Lauro Roberto Marinoso disse:

    Uma pena o Ayrton não estar mais aqui, depois de tanto tempo, ele poderia falar mais abertamente tudo que ele pensava sobre esse lado podre, da política na F1.

  2. Rafael Friedrich Rudolf B Manz disse:

    Excelente, bom final de semana a todos

  3. Fernando Marques disse:

    Edu,

    Parabéns pela entrevista
    Tudo muito legal também por nos relembrar os bons tempos de glória do Brasil na fórmula 1.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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