Senna, no começo

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Acabou a maratona Senna, aqui no GPTotal e em toda a grande imprensa. Muita coisa interessante emergiu, muitos mistérios e “mistérios” foram debelados, outros prosseguem. Quem sabe daqui a dez anos…

Indiscutivelmente o melhor de tudo foi o livro de Ernesto Rodrigues, Senna, O Herói Revelado.

Ernesto cumpriu a promessa contida no título do livro e Senna aparece inteiro, inclusive em seus aspectos menos admiráveis. Era um ser humano, afinal, como eu e você, com todas as suas grandezas e misérias.

Não sei se ganhamos grandes coisas revirando a vida pessoal dos nossos ídolos. Melhor, talvez, ficar só com o esportista. Que nos sirva de lição para o futuro: grandes pilotos nem sempre são grandes homens. Aliás: será que existem grandes homens?

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Apreciei especialmente, ainda que só tenha lido uma pequena parte, a série de fascículos publicados por Autosprint. Redigidos pelo jornalista Cesare Maria Mannucci, um veterano da revista italiana e que aprendeu português com uma namorada brasileira, os fascículos elucidaram dois episódios que eu conhecia mal: os testes de Senna com a McLaren e Brabham durante 83, antes de estrear na Fórmula 1.

Segundo Mannucci, Senna sempre soube que a Brabham era a sua melhor chance de começar em uma equipe grande. Na Williams, a despeito de ter ido muito bem no teste de julho de 83, nenhuma esperança lhe foi dada por Frank, que já tinha o seu time de pilotos fechadíssimo para 1984: Keke Rosberg e Jacques Laffite.

Na McLaren, a situação era idêntica: Alain Prost e Niki Lauda já estavam de contrato assinado. Mesmo assim, Ron Dennis ofereceu a Senna a oportunidade de treinar, em 27 de outubro, em Silverstone, como normalmente faz com o campeão da temporada da F3.

Ron não simpatizava com Senna, depois que este, ainda nos anos da Fórmula Ford, esnobara a possibilidade de tê-lo como empresário. E Ron não perdeu a chance de lembrar a Senna quem mandava ali. Iniciado o treino, ele o chamou de volta aos boxes depois de apenas uma volta lançada e, na frente de todos, deu-lhe uma bronca por considerar que estava andando rápido demais.

Senna foi o mais rápido entre os pilotos que testaram com a McLaren aquele dia, estabelecendo sua melhor volta exatamente no momento em que o motor do McLaren entregava os pontos: 1m14s3, tempo praticamente idêntico ao de Lauda na classificação do GP da Inglaterra e mais de um segundo mais rápido que John Watson, o do outro piloto da equipe em 83.

Mas Mannucci tem uma história bem interessante sobre esta volta rápida.

Nesta altura, o sempre esperto Bernie Ecclestone já havia notado o talento de Senna e o queria na Brabham, ao lado de Nelson Piquet. Por isso, mandou um olheiro seu vigiar o teste da McLaren. Este olheiro estava situado num ponto da pista onde o motor ainda não havia quebrado e, pelo cronômetro dele, o tempo de Senna foi de 1m13s8. Será que Ron Dennis, do alto da sua arrogância, não se deu conta do temporal de Senna?

Primeiro parênteses: a McLaren não estava com a bola toda em 83. A pole em Silverstone fora marcada por Arnoux, com Renault Turbo, em 1m9s5. Segundo parênteses: ao testar pela primeira vez o Toleman com o qual estrearia na Fórmula 1, Senna marcaria, na mesma Silverstone, 1m11s5. Terceiro parênteses: Williams teve um desempenho apenas razoável em 84, terminando o ano em 6o no Mundial de Construtores. Já a McLaren arrebentou, marcando quase três vezes mais ponto que a vice-campeão e fazendo os dois primeiros lugares no Mundial de Pilotos.

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O problema de Senna com a Brabham, muitos dizem, teria sido um veto de Piquet, que não o queria como companheiro de equipe. Sempre duvidei dessa história. Bernie Ecclestone aceitando vetos de Piquet? Ele não os aceitava nem do presidente da Federação Internacional de Automobilismo. Como os aceitaria de um piloto a quem sempre tratou a pão e água?

Mannucci esclarece a questão: o problema era, todo ele, com a patrocinadora da Brabham, a Parmalat, que exigia um piloto italiano na equipe. Bernie bem que tentou dobrar Calisto Tanzi, o chefão da empresa, hoje preso por fraudes fiscais, tendo-o visitado em companhia de Senna. Nada feito.

Mesmo assim, Bernie convida Senna para um teste na pista curta de Paul Ricard junto com outros pilotos e, surpresa!, o italiano Mauro Baldi (experiente de dois anos na Fórmula 1) é um décimo de segundo mais rápido do que o brasileiro.

Piquet estava na pista e deu algumas voltas com o carro para acerta-lo. Depois Gordon Murray reuniu os quatro pilotos que iriam testar naquele dia e os avisa que, para facilitar as coisas, não teriam direito a regulagens próprias. Depois do treino, na volta à Londres, Bernie deu uma carona a Senna em seu próprio avião.

No final, o contrato com a Parmalat prevaleceu e a vaga ficou para Teo Fabi, que marcou apenas nove ponto durante a temporada. Piquet marcou 29.

Com o passar do tempo, Senna minimizaria a questão Parmalat, insistindo na tese do veto do Piquet. Grandes pilotos nem sempre falam a verdade…

Aliás, Mannucci lembra que foi Piquet, em uma longa conversa com Senna durante o GP da Inglaterra de 83, os dois dentro de um BMW estacionado no paddock, quem cantou a bola de que Riccardo Patrese estava saindo da Brabham, abrindo uma vaga e advertiu Senna a não aceitar aqueles contratos demoníacos que Bernie estendia aos novatos – como fez com o próprio Piquet – e que lhe assegurava controle total sobre a carreira e ganhos do piloto.

Mesmo assim, incentivou Senna a assinar com Bernie pois poderia repetir o que acontecera a Piquet anos antes, apoiando-se na experiência de Lauda para depois dar o próprio salto.

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Ainda Piquet, agora citando sua entrevista ao amigo Tiago Toricelli, na Globo CBN. Piquet disse, resumidamente, que toda a briga entre ambos foi provocada por exageros da imprensa. Alain Prost, ouvido pela Rede Globo, também passou uma enorme borracha sobre as brigas com Senna.

Largueza de espírito ou oportunismo barato? Grandes pilotos nem sempre são grandes homens.

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Entre as coisas legais postas à venda por ocasião dos dez anos da morte de Senna, vale mencionar os DVDs de 4Rodas com os campeonatos de 88, 89 e 91.

Trata-se da reedição de fitas cassete lançadas por aqui no começo dos anos 90, com a versão para o português do documentário “oficial” dos campeonatos. Tenho as fitas, há algum tempo não as vejo mas guardo uma vívida lembrança de uma tomada feita a partir dos boxes de Monza, as Ferrari rasgando a reta.

Automobilismo em estado puro!

Boa semana a todos.

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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