O fato é que cada Grand Prix realizado representa um novo elo de uma mesma corrente que remonta a 1894.
“Qual a graça de ficar vendo 20 carros correndo em círculo, um atrás do outro?” – A imensa maioria dos fãs assumidos de automobilismo já teve que responder a essa pergunta algumas vezes na vida, geralmente formulada em tom de ironia por alguém com ar de superioridade.
A “graça”, claro, está nos detalhes. E, por isso mesmo, nos olhos de quem vê. Um olhar menos atento, portanto, verá apenas carros andando em círculos, onde alguém mais interessado e informado enxergará os melhores pilotos do mundo levando aos respectivos limites os melhores carros que fabulosas equipes de engenharia conseguiram conceber, conforme limitações de orçamento, tempo e regulamento.
Por tudo isso, uma corrida jamais poderá ser exatamente chata para alguém contaminado pelo vírus da velocidade. Assim como o sexo, o automobilismo é uma dessas raras coisas que são ótimas mesmo em dias de menor inspiração.
O fato de ser bom, no entanto, não impede que possa ser ainda melhor. Alguns pontos da “nova Fórmula1”definitivamente não me agradaram, e em determinados casos chegam a arranhar pilares da própria identidade histórica da categoria.
Sim, porque, concorde-se com os méritos ou não, creia-se na validade prática ou não, o fato é que cada Grand Prix realizado representa um novo elo de uma mesma corrente que remonta a 1894, numa espécie de continuidade que faz lembrar a sucessão apostólica adotada pelo catolicismo em relação a seus bispos, iniciada a partir dos 12 discípulos originais. Tivesse Fangio nascido nos anos 80, seria ao volante desses carros atuais, nessas pistas espalhadas pelo mundo, que o veríamos brilhar. Do mesmo modo, foi apenas a sorte que deu a Kubica um habitáculo em fibra de carbono, e não um chassi em folha de alumínio torcida a mão, quando testou os muros do Canadá em 2007. Se de todo não tivemos a chance de ver Moss medindo forças contra Hamilton, o desencontro foi unicamente temporal. Jamais espacial.
Analisando o cenário sob tal prisma, não deixa de causar uma impressão negativa quando as necessárias e bem-vindas mudanças parecem passar da conta, e nos deixam com dificuldades para encontrar traços de identidade ou continuidade.
O ronco dos motores, por exemplo, é forte, mas não arrepia. Assim como Lucas Giavoni expressou em seu linguajar maravilhosamente viking, o motor de um F1 precisa ter a rotação infinita de uma motocicleta de competição, aliado à robustez de quem é capaz de debitar 1000hp. Precisa assustar mesmo, impor respeito, fascinar. É diferente de fazer barulho. Totalmente diferente.
Da mesma forma, a redução da carga aerodinâmica foi compreensivelmente imposta, mas não acompanhada de outras medidas relativas ao comportamento dinâmico, gerando carros de uma instabilidade feia, escorregando ora com o eixo dianteiro, ora com o traseiro, sem qualquer vestígio das graciosas derrapagens dos anos 60 e 70. Algo que poderia ter sido melhor trabalhado, dentro de um contexto já tão permissivo em relação a certas artificialidades.
A pontuação dupla da prova final também já se faz sentir através de abandonos voluntários, ao menor sinal de falha mecânica. A perspectiva de perder posições no grid ou ficar pelo caminho lá na frente, na corrida mais importante do ano, é assustadora demais para deixar que pilotos de ponta fiquem na pista desgastando equipamentos, sem chance real de somarem pontos. Uma nova postura que torna improvável, por exemplo, a repetição de atuações épicas como as de Ayrton Senna no Brasil em 1991, ou Michael Schumacher na Espanha, três anos mais tarde.
Da mesma forma, eu jamais imaginei que veria pilotos comboiando conjuntos ligeiramente mais lentos, sem qualquer intenção imediata de ultrapassar, simplesmente para pouparem combustível na zona turbulenta de abertura da asa traseira. Algo como o revezamento entre líderes observado em maratonas, provas de ciclismo ou esqui cross country que, aliado aos favorecimentos disponíveis a quem anda atrás, tornam praticamente impossível a vida de pilotos verdadeiramente descendentes. Perseguir passou a ser mais vantajoso, considerando a impossibilidade de defesa por parte de quem encara o ar de frente, e com a asa fixa. E assim, um dos maiores temperos das corridas – o embate natural entre os diferentes perfis de pilotos e carros – torna-se meramente retórico. Afinal, o maior valor das ultrapassagens reside justamente nas possibilidades de defesa de quem vai à frente.
Outro ponto impossível de ignorar diz respeito às frenagens. Dentre todas as características de um carro de Fórmula1, amais marcante – de longe – é sua inigualável capacidade de reduzir a velocidade. Nada sobre rodas gera efeito semelhante, e com o novo formato de carros sensivelmente mais pesados, com menor pressão aerodinâmica, pneus mais duros e equipados com sistemas de recuperação de energia que podem ou não estar em ação, boa parte dessa característica se perdeu. As distâncias alongaram, e as constantes travadas não transmitem a credibilidade de terem sido decorrentes apenas de erro do piloto.
Por fim, entre os pontos negativos, preciso reforçar os argumentos defendidos por Eduardo Correa e Gerhard Berger. A Fórmula 1 está lenta. Para quem tem 30 anos ou mais, a referência de F1 turbo é a de carros cuja potência era limitada unicamente pela resistência dos materiais utilizados na estrutura das câmaras de combustão. “Balas de canhão”, como definiu Berger, que nos quase dois quilômetros da saudosa reta do Mistral produziam uma demonstração de força, em aceleração e sonoridade, simplesmente impossível de ser descritaem palavras. Estámais do que na hora de considerar essa questão, diante de toda a folga acumulada em relação aos limites do corpo humano, desde o início do processo de desaceleração dos carros ao término de 2004.
Também existem, é claro, pontos positivos.
O aumento expressivo no torque disponível em baixas rotações torna mais sensível o ato de acelerar, sem a parcela de imprevisibilidade observada nos freios. É bem verdade que, em última análise, o aumento do torque também contribui para a lentidão do conjunto, ao colaborar para que sejam atingidos os limites de aderência dos pneus em faixas de potências menores, especialmente em baixas velocidades, quando a carga aerodinâmica é igualmente menor. Ainda assim, a transferência brusca representa um aumento nas atribuições dos pilotos, especialmente sob pista molhada, e isso é sempre interessante.
Legal – e inusitado – também ver a empolgação de Ron Dennis diante da pilotagem competente de Kevin Magnussen. Há muito, muito tempo, não lembro de ver o velho Ron vibrando assim por um de seus pilotos. Já em relação ao pai do menino, identifico em suas lágrimas também o alívio de ver o filho superar a barreira que a rigor derrubou sua própria carreira, e o fez entrar para a história com um papel muito menor do que seu imenso talento faria por merecer.
Quanto ao desenrolar do campeonato, é certo que estamos diante de um daqueles anos em que a rapidez do desenvolvimento conta mais do que o refinamento final a ser alcançado. Somar pontos sólidos no início caótico da temporada certamente será um fator decisivo lá na frente, quando a ordem natural dos conjuntos começar a se desenhar. Não deve ser coincidência, portanto, que a Mercedes tenha repetido a façanha de sua encarnação anterior como Brawn GP, e levado para Melbourne o melhor projeto inicial após as mudanças, da mesma forma como já havia feito em 2009.
Prejuízo grande, consequentemente, para candidatos à coroa como Lewis Hamilton e Sebastian Vettel.
O dia 21 de março será sempre lembrado entre os fãs do esporte a motor como o aniversário de Ayrton Senna. Há exatos dez anos recordo-me de estar em Santiago de Compostela, onde estava sendo realizado um evento da Repsol Honda de Alexandre Barros. Eu vestia uma camisa com o famoso “S”, Driven to Perfection, e fiquei surpreso com a quantidade de espanhóis e turistas que me paravam para falar sobre o piloto. Seu impacto junto ao público, com certeza, vai muito além da influência de Galvão Bueno.
Hoje, vejam só, também completam-se 50 anos desde o primeiro show dos Beatles nos Estados Unidos, e, claro, começa de vez a temporada da MotoGP, que promete muita polêmica em relação às novas regras, e muitas emoções naquele que talvez seja o último ano de Valentino Rossi na categoria.
E os amigos, arriscam algum prognóstico para as duas rodas?
Abraços
1 Comments
MArcio,
faz tempo que não vejo uma temporada de Formula 1 começar com tantas críticas ao seu regulamento. E talvez por isso alguns tenham achado o GP da Australia chato. Eu não vi a corrida e nada posso comentar a este respeito.
Realizar mudanças sempre foi um risco, só que a meu ver bem mais calculado nos dias de hoje. Só que as mudanças se fazem necessário.
Não foi a toa que inventaram esta pontuação em dobro na ultima corrida. Cada piloto só pode utilizar 4 motores na temporada. Vai ser um grande desafio para todos chegar com um motor em ponto de bala na ultima etapa.
Voltando as críticas, muitas delas na realidade precisavam mais de um tempo para saber se valem ser criticadas ou não.
Eu não tenho duvidas que a RBR não vai querer ser figurante em 2014 e muito menos o Hamilton em relação ao Rosberg.
Acho que poderemos ter uma boa temporada em 2014.
No mais só os roncos dos motores que não estão realmente no agrado de ninguém.
A Moto GP sem o Valentino Rossi deixa para 2015. Em 2014 ele ainda estará nas pistas.
Fernando Marques
Niterói RJ