Mais uma história sobre um inigualável personagem da história da F1: Bernie Ecclestone.
John Archbold era um brilhante empreendedor que lá pela segunda metade do século XIX havia sido um dos mais duros competidores de John D. Rockefeller no negócio do petróleo. Porém, e como era de esperar, sua pequena empresa acabou sendo, irremissivelmente, absorvida pelo império do magnate. Contudo, Rockefeller, imediatamente, soube ver o enorme talento e visão de futuro de Archbold, assim como apreciar suas muitas qualidades de bom homem de negócios. Portanto, Rockefeller, primeiro o incorpora ao conselho de direção de sua empresa para, logo depois, promovê-lo a associado e, finalmente, a presidente de sua companhia, a Standard Oil Co., com o que Archbold passava a ser sua verdadeira mão direita.
Quando perguntado pelo enorme sucesso da empresa e sobre sua própria e já famosa sagacidade, Archbold disse que o autêntico líder do grupo era o velho John. Segundo Archbold, para conseguir o sucesso de um negócio é necessário enxergar bem à frente dos concorrentes, antecipando-se, assim, ao futuro e às circunstâncias que este pode propiciar. Embora ele mesmo e os demais diretores fossem muito bons nisso, Archbold admitiu que Rockefeller sempre conseguia enxergar um pouco à frente de todos. Rockefeller, sempre estava um passo à frente de todos!
Com o pacto da concórdia, assinado no principio de 1981, entre a FISA e a FOCA, Bernie Ecclestone tinha o caminho quase despejado para desenvolver seus grandes planos para a formula 1. No entanto, Jean Marie Ballestre ainda tentaria mais algumas manobras para, por todos os meios, prejudicar Bernie e as equipes inglesas. Nesse mesmo ano de 1981, a norma que impunha uma altura mínima de 6 cm entre o chassi dos carros e o solo, pretendia, literalmente, acabar com o carro asa e o bom uso que dele faziam os garagistas. Contudo, a Brabham, com a genial suspensão hidropneumática de Gordon Murray, anulou o efeito de tal norma e Nelson Piquet se proclamaria campeão esse ano. Ballestre… voltava a perder.
No começo da temporada de 1982, o ínclito Ballestre estabelece uma norma pela qual os pilotos não poderiam trocar de equipe durante a temporada, o que lhes contraria bastante. Assim, Didier Pironi, em sua condição de presidente da associação de pilotos – GPDA -, com apoio de Niki Lauda, convocam uma greve de pilotos quando as equipes já estavam na África do sul para disputar o primeiro GP da temporada. Após duras negociações, a norma é derrogada. Nova derrota para Ballestre.
No começo desse mesmo ano, e com as noticias dos fantásticos tempos conseguidos por Rosberg com o Williams de 6 rodas, Ballestre decide proibir os carros com mais de 4 rodas. No GP do Brasil, Piquet e Rosberg, primeiro e segundo colocados respectivamente, são desclassificados por um protesto da Renault contra os depósitos de água dos freios que equipavam Brabham e Williams.
Com isto, Alain Prost e seu Renault herdariam a vitória. O curioso é que, outras equipes da FOCA, que também equipavam os tais depósitos, não são castigadas, enquanto que, em Long Beach, essa mesma protesta é desestimada pelos comissários. Pouco depois, FISA ratifica a desclassificação de Piquet e Rosberg no Brasil e a maioria das equipes da FOCA boicoteam o GP de San Marino.
Tudo parecia pressagiar o recrudescimento das hostilidades entre Ballestre e Ecclestone, mas a FOCA termina aceitando prescindir dos depósitos de água, e tudo volta à normalidade no GP da Bélgica, em Zolder. Uma explicação plausível dessa docilidade pode residir no fato de que Bernie já tinha um acordo para equipar os motores turbo da BMW na Brabham e a Williams negociava com a Honda, enquanto que na McLaren já trabalhavam no projeto de seu próprio motor turbo, o que logo lhes permitiria enfrentar-se à Renault e à Ferrari com suas próprias armas. Ironicamente, Rosberg com Williams, a equipe mais castigada pelas proibições de Ballestre (primeiro o carro de 6 rodas e depois os depósitos de água) terminaria conquistando o titulo.
Também vale recordar que para então, Bernie estava muito ocupado negociando com a EBU (a União Europeia de emissoras) e, esse mesmo ano, conseguiria um contrato por três anos que assegurava a cobertura completa do campeonato na Europa. Com uma ampla exposição garantida, os patrocinadores se lançaram à formula um e as equipes conseguiriam suculentos contratos de publicidade.
Ecclestone, aproveitando a “cegueira” dos organizadores, desde alguns anos antes, vinha adquirindo os direitos de televisão dos GPs numa época em que ninguém dava sequer um centavo por tais direitos. Bernie, assim como Rockefeller, planejava seus movimentos com anos de antecipação.
Para 1983, Ballestre havia reservado uma última carta para derrotar as equipes da FOCA: o fundo plano com o que a FISA pretendia acabar, definitivamente, com o carro asa. As equipes, em sua maioria, já haviam avançado bastante na construção de seus novos modelos, principalmente a Brabham. Assim, a maioria das equipes decide instalar o tal fundo plano e, simplesmente, adaptar seus carros à norma. Contudo, o inconformista Gordon Murray, descarta por completo o trabalho feito até então no que seria o modelo BT51 e rapidamente desenha o impressionante BT52, com o que terminaria derrotando as favoritas Renault e Ferrari… na última corrida da temporada. Após esta nova derrota, Ballestre permaneceu bastante inativo nos anos seguintes.
Em 1985 o acordo com a EBU expirava e, com a formula um sendo já um evento de primeira magnitude, Bernie se desliga dessa organização e começa a negociar contratos individuais com as diferentes televisões. Foi um movimento muito arriscado mas, segundo Ecclestone, essa foi uma de suas melhores decisões, apesar de que ninguém pensava que Bernie conseguiria romper a unidade da EBU. Outras das dificuldades que Bernie teve de superar foi a reticência de seus próprios colegas a equipar câmaras on-board nos carros. A maioria não viu seu potencial, enquanto outros receavam mostrar seus carros em funcionamento. Contudo Bernie consegue seu objetivo e a primeira câmara é instalada no Renault de François Hesnault, no GP da Alemanha desse mesmo ano, quem havia sido contratado só para essa finalidade. O sucesso é imediato e, pouco a pouco, as camaras passam a ser algo habitual até que, a partir de 1988, todos os pilotos já tinham as tais câmaras em seus carros.
Em 1987, um novo pacto da concórdia entra em vigor e Ecclestone se torna vice-presidente da FIA, encarregando-se dos assuntos promocionais, Anteriormente, Bernie havia promovido seu amigo Max Mosley a diretor da comissão de construtores da FISA. Para se concentrar em sua nova responsabilidade, Bernie vende a Brabham, o que leva Ron Dennis a se queixar de que alguém que não fosse construtor, não devia ser presidente da FOCA.
Bernie soluciona a suposta incompatibilidade extinguindo a FOCA e transferindo suas funções à FOPA (Formula One Promotions and Administration, da qual ele era o dono). Deste modo, FOPA seria quem assumiria todo o poder para negociar com a televisão em nome da FIA e das equipes. Como todos ganhavam muito mais dinheiro do que jamais haviam sonhado, ninguém se atreve a questionar o comando de Ecclestone. Além do mais e, como antes havia feito Rockefeller com seus associados, Ecclestone converte em milionários os chefes das equipes.
Em 1991, Bernie apoia a candidatura de Mosley à presidência da FISA e este bate a Ballestre. Considerando que Bernie tratava com os organizadores dos GPs e que estes se disputam com o auspício das respectivas federações, não é descabido imaginar que os organizadores, de algum modo, convencessem suas federações para que votassem em Mosley.
Outros dos antigos colaboradores de Bernie na Brabham, logo assumiriam cargos relevantes na FIA (Charlie Whiting e Herbie Blash). Com a FIA prenhe de gente afim, o cenário para que Ecclestone assumisse o controle total da formula um estava disposto e… assim foi. Em 1995, a FIA conceda à FOM (antiga FOPA) os direitos comercias da formula um por um período de 14 anos. Nos 5 anos precedentes, Bernie havia multiplicado o volume de negócios da formula um e a FOPA por 11, portanto não havia nada que objetar.
Quando em 1997 se negociava um novo pacto da concórdia, Ron Dennis, Frank Williams e Ken Tyrrell não pareciam dispostos a assinar o acordo e, perguntado ao respeito, Bernie diria: “Eles pensam que me agarraram pelas bolas, mas… sua mãos não sao o bastante grandes para isso!“.
Pouco depois, o acordo acabaria sendo assinado por 10 anos com as equipes e por 15 com a FIA. Uma vez mais, ficou claro que uma mesa de negociações é o meio natural de Bernie e o terreno onde melhor se desenvolve. Já alguns anos antes, Ron Dennis havia sido seu mais duro opositor. Para então, Dennis havia conseguido incorporar à McLaren o patrocínio do magnate árabe Mansour Ojjeh, quem financiou o motor turbo da equipe, e Dennis presumia de ter ao seu lado o que, possivelmente, fosse o único homem de negócios que podia se enfrentar ao astuto Ecclestone.
Se enganou! Bernie conjurou a suposta ameaça simplesmente oferecendo a Ojjeh o contrato de cronometragem oficial da formula um. Assim, sua empresa, a TAG-Heuer, passava a ter uma exposição ainda maior da que tinha como simples patrocinador da McLaren. Desde então, a relação entre Ecclestone e Ojjeh… foi excelente.
Finalmente, em julho de 2000, o senado da FIA, acorda prolongar a concessão dos direitos comerciais à FOPA por um período de 100 anos. O tal senado se compunha por oito membros, dentre os quais estavam o próprio Ecclestone, Mosley e Marco Piccinini, amigo e anterior colaborador de Bernie na FOM. Assim, Ecclestone tinha o controle absoluto da formula um… para o resto de sua vida! Foi um longo caminho, mas Bernie havia alcançado o seu objetivo com a mesma perseverança e confiança em si mesmo que sempre havia mostrado Rockefeller.
Bernie, como Rockefeller, soube antecipar o futuro e enxergar mais longe do que nenhum outro. Numa longa entrevista publicada na revista Grand Prix International em 1982, Bernie contava seus planos para expandir a formula um por todo o mundo. Um de seus objetivos era levar a formula um à Rússia, à China ou onde fosse que lhes pagassem o que ele pedisse, embora admitia que antes devia convencer seus colegas e patrocinadores, pois estes se mostravam reticentes à ideia.
Arguiam eles que: “A quem lhe importa uma corrida nesses países?”. Ao que Bernie totalmente convencido respondia: “À televisão!“.
Bernie, como disse Archbold, estava um passo à frente de todos.
4 Comments
Mais um texto sensacional ! que bom ler coisa sobre F1 que não seja Massa é um lixo, e Senna e manhas de domingo na mesma frase.
Todo reinado tem seu fim … e me parece ser o caso do Tio Bernie atualmente … e grande pergunta da Formula 1 é a seguinte … quem vai substitui-lo?
Fernando Marques
Niterói RJ
Cobertos de razão, Manuel e Mauro. Bernie enxergou antes de todos que a TV faz a diferença. O público que comparece, ou não, é menos importante. Desde antes da guerra, as corridas na Alemanha atraiam uma platéia na faixa de 100 mil pessoas. Neste último GP da Áustria a platéia foi enorme, não? Mas nada se compara com os milhões que podem assistir pela TV, em quase qualquer lugar do mundo.
Excelente texto Manuel!
O pequenino sempre foi um gigante, a raposa de rabo mais peluda de todas no meio da F1.
Abraço!!
Mauro Santana
Curitiba – Pr