“VALE O QUE ESTÁ ESCRITO”

QUANDO O JORNALISTA VIRA FÃ
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Ralf na cabeça!
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Luis Fernando Ramos

A menos de duas semanas do GP da Austrália, a cabeça dos chefes-de-equipe e dos estrategistas da Fórmula 1 está recheada de dúvidas quanto às mudanças no regulamento. Para manter a tradição, a FIA redigiu um texto confuso e que dá margem a diversas interpretações. Se vale o que está escrito, cenários surreais podem surgir ao longo da temporada. Para tentar facilitar a vida dos nossos internautas, vamos passar ponto-a-ponto cada item novo, com suas implicações e suas nuances.

MOTOR – A principal alteração diz respeito à duração dos motores. No ano passado, cada carro utilizava uma unidade na sexta, uma outra no sábado de manhã e uma terceiro a partir do sábado à tarde, quando faziam o warm-up, a classificação e, no dia seguinte, a corrida. Assim, a construção dos motores era otimizada para durar cerca de 350 quilômetros.

Agora, eles devem agüentar um fim-de-semana inteiro, ou seja, sua vida útil passa para cerca de 750 quilômetros, o que implica em uma ligeira queda no giro e na potência em troca de confiabilidade. Se por algum motivo for necessária a troca da unidade, o piloto vai perder dez lugares no grid de largada. Se a troca ocorrer após o treino de classificação, a largada será feita dos boxes.

Quais as implicações disto? Bem, naturalmente um motor tende a perder rendimento após cada quilômetro acumulado. A tendência é que os carros se limitem a um mínimo de voltas na sexta-feira, tanto para não correr o risco de uma quebra como para poupar o equipamento. Outro cenário curioso: quando um piloto perde o controle do carro numa curva, ele busca bater na barreira de pneus com a traseira do carro, por um instinto de sobrevivência. Mas se o impacto danificar o motor, o piloto sairá bastante prejudicado. Assim, dificilmente veremos alguém abusando do limite nos treinos. Passar o fim-de-semana com o carro em um só pedaço passou a ser mais importante do que nunca.

Agora, o truque: o regulamento não diz que as equipes podem ter APENAS motores feitos para durar 750 quilômetros. Nada impede que elas tenham à mão uma unidade mais potente, com vida útil de 300 quilômetros.

Por exemplo, se Rubinho rodar durante a classificação na Austrália e ficar em último no grid, a Ferrari poderia fazer uma troca de motor. Largando do pitlane, seu carro poderia ser reabastecido e, com um motor mais saudável e uma estratégia de corrida arriscada, o brasileiro andaria mais rápido que todos e teria ótimas chances de terminar a prova entre os primeiros. No final das contas, a punição se tornaria solução.

De um modo geral, esta regra beneficia a Ferrari, por contar com um motor que quase não quebrou nos últimos três anos, e a McLaren, já que os motores dos principais rivais perderão um pouco de potência, o que pode diminuir esta que é a principal fraqueza das unidades fabricadas pela Mercedes-Benz.

NOVA CLASSIFICAÇÃO – Como no ano passado, o primeiro treino de classificação determina a ordem de entrada do segundo – sendo o resultado deste que formará o grid de largada. Mas agora, as duas sessões ocorrem no sábado, com um intervalo de dois minutos entre elas.

Os carros entrarão para a primeira de acordo com a classificação da corrida anterior. Assim, Rubinho abrirá o treino na Austrália, com Zsolt Baumgartner (o piloto com o número mais alto dentre os que não correram no Japão) fechando a sessão. O problema vem a seguir: se o húngaro ficar em último, ele vai abrir a segunda sessão de treinos. Isto dá a Minardi apenas 120 segundos para colocar combustível no carro e acertá-lo para a corrida. A própria FIA admitiu que, neste caso, terá de abrir uma exceção na regra de que toda máquina deve ser pesada após completar a primeira classificação. Ridículo.

Há outro ponto polêmico. Imagine que há previsão de chuva para a metade do segundo treino classificatório. Desta forma, todos tentarão ser o mais lento possível no primeiro treino – assim eles entram primeiro na pista na sessão que vai definir o grid. Já pensou?

O formato também deve diminuir o ímpeto com que, em 2003, algumas equipes (leia-se Jaguar) andaram rápido na sexta-feira para aparecerem bonitas nos jornais do dia seguinte. Agora, ao fim de uma hora ninguém mais dará importância ao resultado do primeiro treino classificatório. Nesta sessão, ao contrário do ano passado, é bem possível que as equipes já andem com mais combustível no carro, buscando um último ajuste para a configuração a ser usada no treino decisivo.

Como no ano passado, muitos treinos trarão algumas surpresas e, assim, ninguém leva vantagem com esta nova regra. Alguns grids serão definidos como numa loteria e isto será mesmo uma pena.

TERCEIRO PILOTO – As seis equipes piores colocadas em 2003 – BAR, Sauber, Jaguar, Toyota, Jordan e Minardi – terão direito a utilizar um terceiro piloto nos treinos livres de sexta-feira. Com o novo formato das regras, isto pode ser uma grande vantagem. Este piloto pode fazer a volta de instalação dos três carros da equipe, eximindo os pilotos titulares do risco de uma quebra logo de cara.

PNEUS – No ano passado, a escolha dos compostos para a corrida era feita após os treinos livres do sábado. Nesta temporada, terá de ser feita antes, no sábado pela manhã (antes dos carros irem à pista). Para complicar ainda mais, cada piloto terá direito a apenas três jogos de pneus na sexta-feira. A BAR e a Toyota, que contam com pilotos de testes experientes (Anthony Davidson e Ricardo Zonta, respectivamente), levam vantagem neste ponto, já que eles poderão rodar à vontade para definir o melhor composto sem se preocuparem em poupar o motor.

Mas esta regra dá margem a um cenário horripilante. Imagine que, como em 2003, Michael Schumacher e Kimi Raikkonen cheguem à última corrida brigando pelo título. É bem provável que os dois passem a sexta-feira sentados no pitwall, enquanto que seus companheiros fazem todo o trabalho sujo de definir o melhor composto para Interlagos e ainda ajudam a poupar os motores dos dois postulantes ao caneco.

LARGADA AUTOMÁTICA – Proibida em 2004. Só para deixar claro: o controle de tração não influencia na largada pois sua ação só é permitida quando o carro está a uma velocidade superior a 100 km/h. Quem perde com isso? Michael Schumacher, um exímio mau largador, e a Renault, cujos pilotos sempre ganharam uma ou mais posições em quase todas as largadas do ano passado. Mas, sabem como é, a FIA dificilmente tem como controlar a existência ou não do dispositivo e os engenheiros das equipes sabem muito bem disso.

LIMITE DE VELOCIDADE NOS BOXES – Aumentou de 80 para 100 km/h, com o intuito de deixar as paradas nos boxes mais rápidas e abrir um novo leque nas estratégias de corrida. Uma vantagem em especial para Ferrari, que conta com a sincronia perfeita entre as contas de Ross Brawn e o pé direito de Michael Schumacher.

CONFIGURAÇÃO DA ASA TRASEIRA – Os carros poderão utilizar apenas duas lâminas móveis na asa traseira, ao invés das três permitidas até o ano passado. O objetivo é diminuir a velocidade doscarros na entrada das curvas, na busca de melhorar as ultrapassagens. No fim, é uma regra sem sentido. Se isto ocasiona uma perda de pressão aerodinâmica inferior a 5%, melhorias em todo o pacote já eliminaram esta desvantagem e os carros estão ainda mais velozes.

REGRINHAS IDIOTAS – Parece mentira, mas até isto a FIA regulamentou. 1) Assim que estacionarem os carros no parque fechado, seja depois do treino ou da corrida, os pilotos devem imediatamente pegar seu capacete e irem embora, sem poder ficar olhando os detalhes no carro dos outros. 2) Os competidores só podem alterar a aderência do asfalto ao dirigirem seus carros. Isto significa que não será mais permitido o que Williams fez em Suzuka em 2003, secando o asfalto no local onde seus carros largariam com mantas térmicas.

CONCLUSÃO – A FIA continua a errar na tentativa de criar emoção. Para trazer de voltas mais disputas e ultrapassagens sem comprometer o esporte, o ideal seria mudanças radicais no regulamento técnico (proibir o uso de aerofólios, voltar às marchas manuais, impor rodas finas como as de bicicletas ou coisas do gênero). Mas as únicas mudanças neste sentido foram exatamente as menos significantes, o fim do launch-control e a mudança na asa traseira.

As mudanças no regulamento esportivo farão o que fizeram no ano passado: embaralharão alguns grids e criarão situações que penalizam qualquer mérito do trabalho de um piloto e sua equipe. A corrida do Japão foi divertida, mas não fez o menor sentido ver os dois candidatos ao título largando no meio do bolo porque choveu na classificação. A Fórmula 1 sempre fascinou por premiar a excelência tecnológica, mas caminha para se tornar apenas um show comandado por variáveis que fogem ao controle de seus competidores.

É como disse David Coulthard. “Será que alguém espera que o público diga ‘agora sim adoro a Fórmula 1 porque os motores têm de durar 700 quilômetros! Para eles, não faz a menor diferença…”

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Patrick Tambay e René Arnoux vão pilotar juntos pela Ferrari!

Não, não estamos voltando ao ano de 1983. Os dois franceses, que foram companheiros de equipe na Fórmula 1 naquele ano, devem dividir a pilotagem de um 575GTC no campeonato FIA GT de 2004. O carro pertence à Scuderia Cavallino e seu proprietário, o italiano Antonio Cano, explica os motivos óbvios para a reunião. “Sou um tifosi e quero juntar novamente grandes nomes do passado.”

Tambay já assinou contrato, Arnoux finaliza os últimos detalhes. Desde já, os dois contam com toda minha torcida.

Abraços e até a próxima,
Luis Fernando Ramos

GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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