Vencedor Moral – Parte 2

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“O importante é competir, não vencer”

Na coluna anterior https://gptotal.com.br/vencedor-moral-parte-1/  abordamos vice-campeões que brilharam mais e que mereciam ter sido campeões nas disputas mencionadas: Stirling Moss, 1958; Jim Clark, 1967 (Ok ele foi terceiro e não vice); Niki Lauda, 1976, e Fernando Alonso, 2012.

Hoje, vamos relembrar a temporada de 1993, de antemão já pontuando que Alain Prost foi o campeão da temporada – e com merecimento. A conquista representou a vitória do melhor conjunto carro-piloto do ano, só que as circunstâncias nas disputas foram bem diferentes das expectativas.

1993 foi um ano bem diferente do que estava sendo desenhado ainda na pré-temporada, lembrando que Mansell havia sido campeão em 1992 com um carro até hoje classificado como de “outro planeta”. Mas o inglês foi dispensado e em seu lugar a Williams contratou o então tricampeão Alain Prost. A expectativa era que nas mãos de Prost veríamos uma supremacia absoluta e que ele bateria todos os recordes de Mansell no ano anterior.

Durante essa fase, toda uma polêmica alimentou o mundo da F1: a McLaren deixara de contar com os motores Honda e, sem um plano B, acabou de última hora optando pelo eficiente motor Cosworth, mas sem ser a opção principal da Ford, que havia elegido a Benetton sua equipe número 1.

Senna sabia de antemão que não teria um conjunto para ser páreo contra a Williams e ameaçou parar de correr – ele se ofereceu para correr pela Williams até sem salário, só que Prost havia exigido em seu contrato o poder de vetar a ida de Senna para lá. A novela Senna-McLaren se arrastou por várias etapas da temporada de 93, o brasileiro assinando contratos para correr cada GP e todo o tempo soltando farpas contra Prost. A rivalidade entre eles estava a toda

Talvez por essa razão, o brasileiro começa a temporada pilotando de forma mais visceral, arrancando de um conjunto claramente inferior desempenhos que ficaram na história.

E é exatamente por essa razão que Ayrton Senna conseguiu o melhor feito de um vice na história da Fórmula 1. Sem ter como bater o conjunto Prost/ Williams, Senna foi soberbo durante a temporada, num patamar que, ouso dizer, representou seu ápice como piloto.

A corrida de abertura foi disputada na África do Sul. Alain Prost estava retornando à F1 depois de um ano sabático, a corrida deveria ser um passeio. A boa surpresa veio na largada: Senna arranca melhor e lidera as primeiras 23 voltas. A disputa entre ele, Prost e Schumacher apimentou a corrida. Na volta 24, após intensa disputa, Prost ultrapassa o brasileiro e dispara na frente. Senna termina em segundo.

Na segunda prova, no Brasil, a torcida em Interlagos viveu dias de glória, numa tarde cheia de emoções e dramas. A chuva chegou de forma inesperada e alterou bastante o cenário da disputa. Nos treinos, as duas Williams sobraram e dominaram a primeira fila e Prost assume a ponta, seguido por Senna e Damon Hill. Na 24ª volta, o brasileiro teve de parar por uma penalização; até o 3º lugar parecia improvável naquele momento.

Então vem a chuva, Prost não troca de pneus e, numa das maiores barbeiragens da história, roda no final da reta dos boxes, batendo e abandonando a prova. Entra o safety car e, com o pelotão reagrupado, Damon Hill assume a ponta, com Senna em segundo. Na relargada, ele parte decidido para ultrapassar e assumir a ponta e a partir daí usa de toda a sua habilidade para ganhar a prova.

Essa é sua segunda vitória em Interlagos. A torcida vai ao delírio. Senna naquela altura também assume a liderança do campeonato

A terceira prova é o GP da Europa, disputado em Donington, na Inglaterra, prova que entrou para a história com aquela que é considerada a melhor primeira volta de todos os tempos na Fórmula 1.

Nos treinos, o domínio das Williams é arrasador, Prost sendo quase dois segundos mais rápido que Senna, que larga na quarta posição.

No dia da corrida, a chuva se faz presente e muda tudo. Prost larga bem, assumindo a ponta, seguido de Hill. Senna cai para quinto. Poucas curvas adiante, passa Schumacher, em seguida Wendlinger, por fora, na saída do S, e parte no encalço de Hill, a quem ultrapassa na Coppice e na curva que antecede a reta dos boxes, Senna deixa para frear mais tarde, põe o carro ao lado da Williams e ultrapassa Prost. Era apenas a primeira volta quando tudo isso aconteceu.

Pareciam duas corridas, a de Senna e a dos demais. Em apenas três voltas, ele já abrira quase sete segundos para Prost. Ao final, Senna ganha com 1m23 de vantagem para o segundo colocado, Hill. Prost termina em terceiro, uma volta atrás. Assistir essa corrida e ver o controle que Senna entrega nas saídas de curvas, com o piso molhado é animador.

Vem a prova seguinte, em Imola, e desta vez, mesmo com chuva, Prost vence. Ele estava sendo pressionado e se sentindo humilhado. Senna abandonou e Prost recupera 10 pontos. O placar do campeonato estava 26 a 24 para o brasileiro.

A quinta prova é disputada na Espanha, com nova vitória de Prost e Senna em segundo. 34 a 32 para o francês, mas nada do domínio que se esperava até ali. Em 1992, nesta altura, Mansell já tinha mais do que o dobro de pontos do segundo colocado.

Sexta etapa, Mônaco, sexta pole consecutiva do francês. A surpresa é Schumacher em segundo, com Senna em terceiro e Hill em quarto.

Prost queima a largada e toma um stop&go. Ao sair, deixa o carro morrer e cai para 22º. Schumacher assume a ponta e parecia ir para uma vitória fácil. Na 33ª volta, porém, a Benetton tem rompimento da tubulação da suspensão ativa. Fim de prova para Schumacher, deixando a vitória para Senna. Com esse resultado, ele bate o recorde de Graham Hill e, com seis vitórias, passa a ser o maior vencedor em Mônaco, recorde que perdura até hoje.

No campeonato, Senna volta à liderança: 42 x 37.

A partir da sétima corrida, no Canadá, a supremacia da Williams/Prost se impõem: mais uma pole e vitória, enquanto Senna abandona.

Vêm os GPs da França, Inglaterra e Alemanha, todos com vitórias de Prost, que conta com a sorte dos abandonos de Hill na Inglaterra e Alemanha quando liderava. Sorte de Prost, calvário de Senna em circuitos onde seu carro é pouco competitivo. Hill vence na Hungria, Bélgica e Monza e ultrapassa Senna no campeonato: Prost tem 81 pontos, Hill 58 e Senna 53.

No GP de Portugal, Prost termina em 2º – o  vencedor foi Schumacher – e garante o Mundial. Ele anuncia que está parando de correr e, assim, abre vaga na Williams para 1994. Enquanto isso, uma infeliz declaração de Ron Dennis, que disse que Senna era “incontratável”, levanta a ira do brasileiro, que abre negociações com a Williams.

As duas últimas corridas de 1993, Japão e na Austrália, veem Senna voltar ao topo, garantindo o vice-campeonato.

O pódio em Adelaide foi marcante, Senna em primeiro, Prost em segundo. Ali aconteceu um momento histórico: eles se reconciliam de anos de rivalidade

Prost declarou: “quando se sabe que entramos no carro pela última vez é muito difícil manter a concentração. Estou feliz por ter subido ao pódio, gostaria de ter ganho, mas não deu”. Já Senna falou: “o mais importante é guardar os bons momentos que vivemos juntos. Enfrentei nessa temporada um desafio muito duro, vencer é minha maior meta”.

Voltando de um ano sabático em 1992, Prost teve que se adaptar aos inúmeros aparelhos eletrônicos embarcados na Williams. O FW15C provavelmente foi o F1 mais sofisticado tecnologicamente de todos os tempos e demandou tempo, mas após dominar a máquina Prost conquistou um merecido título.

Senna, por sua vez, com uma máquina menos competitiva, fez uma temporada madura e notável.

O campeonato de 1993 também deixou um legado notável. Ao término do ano, a saga extraordinária de Prost e Senna teve um final feliz.

Até a próxima

Mário

 

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

2 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Grande Salu!

    Tivesse a Honda continuado em 93, e o campeonato teria sido pau a pau, pois o MP4/8 era um ótimo carro, faltava um motor mais forte.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

  2. Fernando Marques disse:

    Mário,

    como de praxe a parte dois do tema “Vencedor Moral” foi supimpa … o tema ajuda muito …
    não resta duvidas que num computo geral, possivelmente a temporada de 93 foi a melhor do Senna em termos de pilotagem … digo geral, pois individualmente Suzuka 88 pra mim foi melhor corrida que Senna fez na vida …


    A partir do momento que Prost sabia que teria um carro imbatível em 93 e que certamente as chances de ganhar o tetra seria grande, a decisão dele aposentar a meu ver já estava tomada desde o inicio do campeonato. Isso por que ele poderia falar que enquanto esteve nas pistas foi mais vencedor que o Senna. Independente se Senna pudesse superar suas marcas nas temporadas seguintes. Certamente este seria seu discurso: eu fui melhor que Senna. Seria uma vitoria politica. E Prost conseguiu.

    Fernando Marques

    Niterói RJ

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