Voltando às raízes – parte 2

Foto-legendas – Os F1 de Massa, 1ª parte
12/08/2025

Se 2024 foi um ano de rupturas e perdas em minha vida pessoal, 2025 tem sido um ano de reconciliação, de resgates e de revisões. Já falei neste espaço sobre minha viagem à Europa, sobretudo por Imola. Como descrevi no texto, fui lá para “me reconciliar comigo mesmo, para poder reencontrar aquele menino de quase oito anos que, hoje, é pai de um menino de… oito anos”.

Neste ano, tive várias oportunidades de relembrar meus períodos de menino, onde as paixões e os grandes sonhos afloraram. E o esporte sempre foi a força motriz de todos eles: meu time do coração e os grandes ídolos – de Senna a Romário, passando por Michael Jordan, Maradona, Marcelinho… depois Ronaldo, Guga, Allen Iverson e tantos outros.

Mas não eram somente as grandes estrelas protagonistas que me chamavam atenção: no futebol eu gostava de laterais e volantes, no basquete curtia alguns dos alas, no tênis observava os jogadores de primeira rodada, nos Jogos Olímpicos também sempre gostei dos esportes menos populares, mas que sempre trazem histórias inspiradoras e de superação.

Outra parcela dessa construção de idealizações se deu pelas mídias, ainda engatinhando. O cinema, os desenhos animados e os videogames. Recentemente falei aqui de como gosto de jogar Mario Kart e, inversamente, não sou afeito/não acompanhei de perto as grandes evoluções que viriam a seguir.

Mas um de meus jogos favoritos sempre foi “Nigel Mansell’s World Championship”. Aquela foi minha porta de entrada para um conhecimento mais aprofundado sobre Fórmula 1: entendi os mapas das pistas, as dinâmicas de classificações e corridas (e a importância dos bons preparos), os tipos de pneus e tudo mais. Ali eu tinha 5-6-7 anos, portanto, entendam que esse foi meu “leite materno”, como diz Paulo na Carta aos Hebreus. O “Alimento sólido” viria mais tarde, como também relatei aqui.

Nigel Mansell's World Championship Racing (USA) ROM < SNES ROMs | Emuparadise

No jogo do Mansell, por óbvio, quem jogava controlava o carro do Leão. Os adversários mais próximos – já que era somente um representante de cada equipe, as cores tentando emular os carros reais – eram Senna e Schumacher, e me lembro de ter esse sentimento dúbio de “vencer” Ayrton.

Assim aprendi os nomes de todos os personagens, associando os carrinhos do videogame à televisão, embora o “top 12” do jogo nunca tenha sido replicado na vida real, já que Patrese, Berger (em algumas versões ele aparecia em lugar de Senna), Brundle e Alboreto, que não entravam no game, apareciam muito mais frequentemente no top 10.

Me chamava muita atenção, já então, quem eram cada um dos pilotos na vida real. Um deles, geralmente aparecendo na última posição no grid e na tabela do campeonato, com um carro todo azul e nome italiano, era um dos mais intrigantes: Modena.

Figura do pódio em duas marcantes vitórias brasileiras – Mônaco, 1989, com Senna, e Canadá, 1991, com Piquet –, Modena teve carreira modesta na F1: ao todo foram 17 pontos somados (no formato atual seriam 97), mas seu grande feito talvez tenha sido a primeira fila no GP de Mônaco de 1991.

Mostrando que o pódio de dois anos antes não foi obra do acaso, Modena manteve o segundo lugar durante 42 voltas, até ser traído pelo motor. Um novo pódio era mais do que plausível. 

Corta para 2025.

Numa tarde de julho, recebo uma mensagem de um amigo perguntando se eu sabia “quem é Stefano Modena”. Pergunta, digamos, aleatória. Mas sabendo que Paulo, meu amigo, é fã de Senna, respondi: “Com certeza, correu com o chefe”. Na sequência, mandei uma foto do pódio em Monte Carlo, 1989, além de uma outra imagem dos dois juntos, em conversa. Paulo me disse que iria mostrar para Stefano.

Eu fiquei sem entender nada. Mas alguns minutos depois, eis que meu amigo envia este video:

“Olá, Marcel. Muito obrigado, muito obrigado por se interessar por mim, foi muito bom. Estou com seu amigo aqui, no Vallelunga, foi uma ótima pilotagem, então da próxima vez você deveria vir aqui também. Mas de qualquer forma, muito obrigado pelo seu interesse por mim, por pesquisar sobre mim. Tudo de melhor e muito obrigado!”

Incrível. Na acepção da palavra. Inacreditável. Paulo me explicou que estavam fazendo uma gravação para um case na Academia da Lamborghini e Stefano era o principal nome nos “driving tests”.

Respondi em outro video, pedindo ao Paulinho que mostrasse pra ele. Com um atrevimento: “Se não for muito intrusivo, podia pedir o contato dele? Pra marcar uma entrevista”. Novamente, a surpresa positiva. Stefano não só passou o email pessoal como se dispôs a falar comigo (com o GPTotal) a qualquer momento.

Feito o primeiro contato, meu querido Márcio Madeira foi imediatamente acionado e, juntos, organizamos o papo. No dia da gravação, Lucas Giavoni, nosso âncora principal, também participou, e JC Viana, o propulsor das nossas redes, no backstage. Foi uma festa pra nós todos.

Assim como eu, todos viveram situações semelhantes e Modena foi um dos personagens, ainda que coadjuvante, dos nossos sonhos de infância e adolescência. Para nós, Batman, Superman, Spider-Man, Captain America, Hulk e tantos outros eram, na verdade, Senna, Prost, Piquet, Mansell, Berger… Modena era talvez um Gavião Arqueiro. Mas, ainda assim, um dos Vingadores. Ou um dos integrantes da Liga da Justiça, um dos X-Men, enfim. Era um dos nossos super-heróis.

Sua carreira automobilística, antes — no kart e nas fórmulas menores — e depois da F1 — no turismo — se notabilizou por duas coisas: muita velocidade, e uma aparente falta de comprometimento. Aparente, apenas, porque Stefano, em parte por simplemente não ver importância nisso, em parte por não ter habilidades naturais para tal, nunca foi um personagem que quisesse ceder a todas as pressões e exigências do famigerado circo da F1.

Simbolicamente, estreou na F1 em Adelaide, 1987, e se aposentou na mesma pista, cinco anos depois, conquistando seu último ponto na categoria após a sexta colocação na prova.

Mas isso é só um aperitivo. Stefano é um personagem riquíssimo, muito bem-humorado e humilde. Um gigante da vida.

O resultado dessa saga vocês poderão ver na próxima segunda, através do youtube do GPTotal.

Aguardem!

Obrigado, Paulo. Grazzie, Stefano.

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

3 Comments

  1. Leandro disse:

    Simplesmente emocionante!

  2. A todos que porventura leiam este comentário serei bem direto. Esta foi uma das melhores entrevistas das quais participei em toda a minha vida.
    Absolutamente imperdível, maravilhosa. Não existe nenhuma outra com ele que chegue perto em toda a Internet. E também será publicada no Canal História e Esporte, do Marcel.
    Não foi fácil, e toda ajuda para divulgar é mais do que bem-vinda.

  3. Fernando Marques disse:

    Marcel,

    Stefano Modena , assim como muitos outros, teve o privilégio de ser piloto da Formula 1 … se eu fosse piloto e tivesse a oportunidade de participar apenas de uma corrida na Formula1 … seria o piloto mais feliz do mundo até hoje.
    Modena, como piloto na Formula 1 … poucas lembranças. um piloto mediano … mas com um nome que quem acompanha e gosta da Formula 1, se citado é sempre lembrado

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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