“Voltinha na pista”

WITH A LITTLE HELP FROM OUR FRIENDS
05/09/2003
O GRANDE GIL
10/09/2003

Geraldo Tite Simões

Muita gente acredita que nós, jornalistas especializados, não passamos de esportistas frustrados. Pode reparar, tem sempre um espertinho que fala “ah, esses jornalistas são tudo frustrados: queriam ser pilotos, mas não tiveram coragem”, ou qualquer bobagem parecida.

Em muitos casos, os jornalistas não foram praticantes de um determinado esporte mas, da mesma forma que não é preciso ser um cineasta para ser crítico de cinema, não é preciso ser piloto para escrever sobre automobilismo ou motociclismo. Pode até aparacer um ou outro jornalista – como eu – que teve lá seus momentos de piloto de competição, porém isso não impede, de forma alguma que aqueles que nunca sentaram a bunda num veículo de corrida seja menos especializado do que o ex-piloto. Por vezes também vê-se o inverso, ou seja, jornalistas que se tornaram pilotos e, nem por isso, tornaram-se mais ou menos especializados. Ou seja, não há regras.
Mesmo assim alguns assessores de imprensa, vira e mexe, aparecem com a idéia original de convidar jornalistas para experimentar um carro de corrida e “sentir as emoções de um piloto”. Recentemente convidaram meu amigo Reginaldo Leme para uma voltinha num F 1, que virou uma engraçada matéria para o Esporte Espetacular. Principalmente porque ele teve de se enfiar num cockpit apertado e ainda foi obrigado a seguir um carro-madrinha.

A partir dessa idéia, o assessor de imprensa da Audi do Brasil, Charles Marzanasco Filho convidou alguns escribas para “sentir as emoções de um piloto de Fórmula 3”. Eu estava no meio dessa gente. O carro era um Dallara com motor Honda Mugen de 1994. Velhinho, sim, mas muito bem conservado porque ainda corre na categoria B do campeonato Sul Americano. Os 180 cavalos ainda causam algum frisson, mas os motores modernos de F 3 desenvolvem fácil 220 cavalitos.

Bom, o evento foi realizado em Curitiba, sob um clima ameno de 6ºC. O sol parecia lâmpada de geladeira: ilumina, mas esquenta nicas. Por motivos de economia e “como eram jornalistas mesmo” o carro estava com pneus bem usados e nem havia sombra dos cobertores térmicos. Para aquecer aqueles pneus seria preciso de uma fornalha, ou dar algumas voltas de pé cravado, mas nem uma coisa, nem outra. Nada de cobertores e teria apenas três voltas para “sentir as emoções de um piloto de F3”. Ah, seguindo um Audi-madrinha bem devagarinho.

O cockpit não é tão apertado assim como dizem. Podem acreditar: é mil vezes mais confortável do que minha Honda RS 125 Especial. Eu encaixei perfeitamente porque o piloto do carro e eu temos as mesmas dimensões. Mas achei muito engraçado a visão que se tem de dentro do carro. Pra frente pode-se ver apenas o volante e o painel. Para ver a pista só olhando pelas laterais. Por isso os caras batem tanto na largada, só é possível ver o carro da frente quando o aerofólio dele já está quase no seu nariz! Os pedais são muito próximos e só o acelerador é macio, porque freio e embreagem são para atletas maratonistas.

A parte mais difícil foi tirar o carro dos boxes. A embreagem é muito dura e bota dura nisso. Em compensação o curso é tão pequeno que parece supletivo. Para sair dos boxes é preciso mandar o giro do motor lá pras alturas e queimar embreagem, que nem perueiro na subida. Na primeira tentaiva, pof! Nova ignição e aí sim, fui seguindo o Audi e “sentindo as emoções de um piloto de F3”. Imediatamente fiquei com pena desses meninos, como nosso instrutor Allan Hellmaister. Aquilo era tão emocionante quanto saltar de pára-quedas da mesa da cozinha. Se é aquilo que um piloto de F3 sente, acho que eles devem morrer de saudades do kart.
Quando entramos na reta fiz um tchau pro Audi-madrinha e fui embora. A direção do F3 é incrivelmente leve e precisa, mas sem o down-force. No entanto, a combinação de pneus gastos com asfalto frio me fez transformar o “S” do final da reta dos boxes em “@”, com uma rodada emocionante.

Para minha sorte a bateria ainda tinha carga para mais uma partida. Fui embora, depois de ver um Audi A6 parando perto de mim com seus ocupantes fazendo cara de rothweiller magoado. Acho realmente que um kart muito bem preparado, da categoria A, transmite muito mais sensação de velocidade do que o F3 de 1994. Minhas motos de corrida são muito mais emocionantes que esse monoposto, mas com certeza as pessoas que rodaram pela primeira vez num carro de corrida ficaram cheias de oohhhs e aahhhs.
Se o objetivo era sentir as emoções de um piloto de F3, só posso dizer uma coisa: piloto de F 3 sente poucas emoções fortes!
Espero que um dia uma equipe me convide para um teste de verdade e ter as reais emoções de piloto. E, por favor, não esqueçam o cobertor térmico!

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A suspensão do Rubens

Logo depois do GP da Hungria, ainda no domingo, encontrei um velho amigo engenheiro da área automotiva. Quando comentamos sobre a corrida, mais especificamente sobre o acidente do Barrichello, ele fez o seguinte comentário: “Aquilo tem cara de zebra, deve ter pego zebra de lado”. Palavra de perito. Já no dia seguinte, encontrei o Caio de Sá, piloto de esporte-protótipo. Comentamos sobre a corrida e o acidente e ele me segredou: “Aquilo tem cara de zebra, o Rubens passou reto numa chicane e montou o carro na zebra”. Palavra de piloto.

Três dias depois a Ferrari lançou o comunicado dizendo que a suspensão teria quebrado porque o brasileiro pegou zebra. Eu achei a declaração óbvia, mas liguei pros meus amigos cumprimentando-os pelo diagnóstico preciso. Mas… eis que a imprensa (leia-se Globo e seus jornalistas) saíram em defesa do patriotismo, do verde-amarelismo sem critério técnico, esbravejando uma saraivada de impropérios contra a Ferrari, tentando alegar que a equipe “culpou” o piloto pela quebra.

Falando italiano claro: mas quem, cazzo, entende mais de carros de corrida? os engenheiros e pilotos, ou os jornalistas? Confesso que fiquei (mais) decepcionado com alguns dos meus colegas. Prefiro não citar nomes por respeito à importância de cada um, mas um dos que mais admiro escreveu uma coluna no Estadão metendo o sarrafo na Ferrari. E mais, alegou que a equipe voltou atrás depois da repercussão negativa que o caso teve no Brasil.

Gente, minha gente. Meus leitores e amigos. Imaginem a cara do engenheiro da Ferrari quando ele soube que “desmentiram” o laudo dele! O italiano deve ter ficado incazzato e certamente vai fuzilar o Rubens com um olhar de quem diz “tudo bem, piccolo bestia, dessa vez seguraram tua onda, mas passa de novo na zebra e quebra a suspensão pra você ver o relatório que vou soltar na imprensa mundial, spezzatino de Ferrari”.

Eu ainda sonho com o dia que os jornalistas especializados em F 1 vão deixar de ser nacionalistas e começarão a agir com isenção. A p… da suspensão quebrou porque o mezza-bucca que pilotava o carro bateu de lado na suspensão, porca miséria!!!

GPTotal
GPTotal
A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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