MEU AMIGO BICA VOTNAMIS
Prezados Amigos,
foi com enorme satisfação e até com certa emoção que pude, através de vocês, relembrar de detalhes e até saber de alguns fatos que desconhecia do meu amigo Bica Votnamis.
Um pouco da história: meu pai foi mecânico de automóveis a vida toda, e tinha como cliente o pai do Bica. O Bica já tinha uns 25 anos, rico de montão e começou a correr. Primeiro de Renault 1093, depois Simca, e daí partiu para disputar várias competições com Carreteiras. Comprou algumas coisas do pessoal do Sul, e assim estamos quase chegando perto no Caçador de Estrelas.
Naquela ocasião, eu já tinha uns 12/13 anos e vivia enfiado na graxa, ajudando meu pai e pentelhando o Bica (que utilizava a oficina do meu pai como base para preparar os carros) para andar de Carreteira.
Lembro-me bem de que ele, na maioria das vezes, andava com o numeral 34, e me levava para testar algumas modificações do carro, neste tempo um Chevrolet comprado do Catarino Andreatta (uma fera), pelas ruas da Barra Funda. Eu “viajava” sentado no tanque, segurando a bateria com uma mão e tentando me ajeitar naquela porra que mal tinha santantonio. Um tesão desgraçado.
Foi então que Bica resolveu montar sua própria oficina de preparação, na Rua Barra do Tibagi, no Bom Retiro. Aqui começa a história do Caçador de Estrelas. Foi nesta oficina que nasceu o bicho. O Bica viajou para os Estados Unidos e trouxe um motor de Corvette, já preparado com 8 maravilhosas cornetas que tinham pelo menos 30 centímetros de altura, projetando-se para cima do coletor. Trouxe também uma série de componentes de suspensão, freios, diferencial autoblocante, rodas para cubo rápido, etc.
Então, contratou dois mecânicos da oficina do meu pai e começou a montar o carro. Partiu do zero com pretensões iniciais de construir um esporte-protótipo de dois lugares, motor dianteiro, com chassis tubular e carroceria de alumínio. Contratou soldadores e partiu para a montagem. Tudo andava bem até o momento em que o Bica decidiu mudar o projeto. Ao invés de um carro com motor dianteiro, resolveu fazê-lo com motor central. Mede daqui, mede dali, e ficou decidido que o cockpit iria ser montado no eixo das rodas dianteiras. Puta loucura, o Bica comprou uma Kombi para se acostumar a pilotar com naquela posição fantástica, e acredite, a caixa de direção do carro era de fato, uma caixa de Kombi, com a barra cortada e montada verticalmente no cockpit, e as pedaleiras obviamente separadas pela coluna – ou seja, acelerador e freio ao lado direito da coluna e a embreagem do lado esquerdo.
Quanto à carenagem, outra estória das boas. O Bica era muito amigo de um outro piloto, de nome Roberto Gomes, argentino boa pinta, que corria de Simca, e era cheio das amantes que eu, garotão, só ficava cobiçando. Amenidades à parte, o Roberto Gomes trouxe para o Brasil um conterrâneo de nome Paulo, mestre na arte de modelagem de alumínio, que esculpiu a carenagem do Caçador de Estrelas, sob as orientações nada ortodoxas do Bica.
Assim nascia o Caçador de Estrelas, Star Fighter, que não se tratava de um nome advindo da NASA, como foi dito na reportagem que li recentemente, mas sim de um avião caça da Força Aérea de Israel.
Motor de Corvette, câmbio de Jaguar, diferencial autoblocante, rodas de cubo rápido, freios a disco nas 4 rodas, carenagem do Paulo argentino, parabrisas e proteção dos 4 faróis bi-iodo com acrílico do Edson Ferri. Um provável foguete? Ao término da montagem foi realizada uma reportagem de folha inteira pelo Jornal da Tarde – alias, consta o nome do jornal na carenagem do Caçador de Estrelas. No dia da reportagem lá estava eu, pentelho e xereta, constando como colaborador da construção do carro,
que pude acompanhar todos os dias, após sair do colégio próximo à Oficina do Bica.
Após os primeiros treinos, o carro não foi homologado por motivos óbvios de segurança. O Bica ficou puto. Decepção Geral!! Choradeira!! Então, ele comprou naquela semana das Mil Milhas de 1966 (acho que foi por aí), uma outra carretera, tirou o motor do Caçador e foi para a prova, cujo resultado minhas lembranças não registram. Depois daquele fatídico dia, o Caçador foi desmontado e o que sobrou virou sucata.
Começou então uma nova sina. Com a mesma equipe, agora na Rua Jaraguá, também no Bom Retiro, sobre um chassis de um Oldsmobile Ninety Eight, de um tio do Bica, pois loucura pouca é bobagem, começava a nascer um novo protótipo também esculpido pelo Paulo, agora com motor central. O carro estava lindo e quase pronto, quando em 1967 eclodiu a Guerras dos Seis Dias, na qual Israel estava envolvida até os dentes. O Bica viajou para Israel, segundo ele mesmo para defender a sua Pátria. Ficou de voltar. Nunca mais voltou, deixando a oficina montada, mecânicos sem saber o que fazer, e os xeretas de plantão, perplexos com um carro inacabado que o destino se incumbiu de fazer desaparecer no tempo.
Nunca mais soube nada a respeito do Bica, até me deparar com a reportagem já mencionada. Diz a reportagem que o Bica deve estar no andar de cima. Não sei, não posso afirmar, mas acho que pela nossa diferença de idade, pois hoje já estou com quase 50, já dariam ao Bica uns 70/75 anos, no mínimo.
Se ele já foi, por certo deve estar entre amigos, acelerando forte aquele bicho feio. Nós aqui, com saudades de um tempo muito louco.
Só para se ter uma idéia, durante a construção do último carro, o Bica tinha um Chevrolet Impala. Pois o maluco pegou o motor do Corvette, bravíssimo, e montou no Impala (o Paulo recortou o capô do Impala zero para as oito cornetas) só para visitar os amigos que tinha no Rio Grande do Sul. Imagine o quanto andava aquela merda!!!!
Abraços, e muito grato pelo resgate de um pouco da estória. Parabéns pelo site. Excepcional.
O. Guilherme Decanini (São Paulo-SP)