A Carrera Panamericana
– Alexandre Zamikhowsky Filho
Em 1950, o governo do México instituiu uma corrida em estrada, desde Ciudad
Juarez, na fronteira com os Estados Unidos até o extremo sul, num percurso
de cerca de 3.000 km, a ser efetuado em etapas, celebrando a inauguração do
trecho mexicano da Rodovia Panamericana.
Surgia uma das mais famosas corridas de estrada, a Carrera Panamericana ou,
para os gringos, The Mexican Road Race. Você nunca ouviu falar? Pois a
Porsche batizou seus Carrera por causa dessa prova histórica. Junto com a
Mille Miglia (use a ferramenta de busca do site) e a Targa Flório, a Carrera
forma o trio maior de provas de estrada que já aconteceram. Foi um evento
marcante. Calcula-se que nas suas cinco edições o total de público in loco
chegou a dois milhões de pessoas! As medidas de segurança da época se
resumiam a divulgar o evento, fechar os trechos de estrada ao público,
recolher os animais(nem sempre com muito sucesso) e salve-se quem puder.
A exemplo do que ocorre no Mundial de Rally, o público sempre ajudava a
recolocar os carros que escapavam da estrada. Havia a torcida por marcas,
por pilotos famosos e pelos pilotos da casa. Os estrangeiros, para conseguir
a simpatia dos muchachos e das muchachas principalmente, estampavam em seus
carros em letras enormes frases como VIVA MÉXICO! e SALUDOS AMIGOS!Era o
maior barato!
1950 – A primeira Carrera. A maioria dos inscritos vem com enormes sedans
americanos mas a Alfa Romeo manda dois carros, para Taruffi e Bonetto. Há um
protesto contra os Alfa porque eram superiores aos Ford, Lincoln, Hudson e
Dodge. Ao final, o americano McGriff, a bordo de um enorme Oldsmobile vence,
seguido por dois Cadillac, o Alfa de Taruffi e mais dois Olds.
Essa primeira edição teve nove etapas,corridas em seis dias.
1951 – A segunda Carrera. Nessa segunda edição, a pedido dos pilotos
americanos que apareciam às dúzias, o sentido da prova foi alterado para
Sul/Norte, fazendo o caminho em direção aos Estados Unidos. E assim a
Carrera foi efetuada, desta até a última edição.
O regulamento aceitava apenas carros fechados de quatro lugares e com motor,
carroceria e chassi de série, porém com cilindrada livre. Foram exigidos
também, pela primeira vez, capacetes e cintos de segurança para pilotos e
co-pilotos. Houve oito etapas em cinco dias. Apareceram para correr Ascari,
Taruffi, Chiron e Bracco, entre outros, todos pilotos da F1 da época.
Taruffi venceu, seguido de Ascari, ambos com Ferrai, e depois uma porção de
americanos com Chrysler, Mercury, Packard, Hudson e Cadillac.
1952 – A terceira Carrera. Duas classes de carros admitidas, Sport e
Standard. Oito etapas em cinco dias. Vieram Ferrari, Mercedes, Lancia,
Jaguar, Porsche, entre outras marcas na categoria Sport. Na Standard, os
sedans americanos e até enormes Jaguar MK VII, este também uma verdadeira
barca, maior até que os carros americanos. Phill Hill, que viria a ser
campeão de F1 pela Ferrari em 1961, estréia na Carrera com um Ferrari
berlinetta 340 (4080cc) Vignale México.
A Mercedes leva um trio de 300SL prateados (dois cupês e um spyder) lançados
há pouco. Aliás vence com um cupê pilotado por Karl Kling (que também andou
em F1). E este piloto tem um episódio folclórico, quando numa das etapas
atropela um urubú que estilhaça o para-brisa de seu carro, dando um enorme
susto nele e em seu co-piloto. Na próxima parada, Kling exige que os
mecânicos da Mercedes instalem pequenas barras de metal paralelas na frente
do para-brisa. Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, y no creo em
bruxerias pero… deve ter pensado o Alemão. Segundo, após Kling, foi seu
companheiro Lang e em terceiro, com Ferrari, Luigi Chinetti, o futuro dono
da famosa escuderia N.A.R.T. que representou a Ferrari em várias e
importantes ocasiões. Três Lincoln (da Ford) fecharam a classificação. É de
se lembrar que esses modelos na época tinham V-oitões que entregavam 205 HP
standard…
1953 – A quarta Carrera. Novidades, pois são previstas quatro classes para
receber todos os tipos possíveis de carros.
A Lancia manda seus belíssimos D-24 spyder para Fangio, Taruffi, Bonetto e
Castelotti, todos, craques da época, claro.
Phill Hill, que é hoje restaurador de carros clássicos na Califórnia,
aparece com um sensacional Ferrari spyder 375 MM Vignale(4500 cc), carro
esse que sobrevive em perfeitas condições até hoje.
A exemplo de outras edições, nessa Carrera acontecem vários acidentes graves
e, num deles, Felicce Bonetto, com Lancia, bate em uma casa numa esquina e,
segundo testemunhas, morre instântaneamente ao bater a cabeça contra uma das
janelas da casa, que estava aberta… Bonetto participava de corridas, até
de GPs, fumando um cachimbo!
Fangio vence, embora não ganhe nenhuma etapa e Taruffi e Castelotti
completam o 1-2-3 da Lancia. Três Lincoln vencem sua classe e, na Sport até
1600 cc., três Porsche fazem também 1-2-3. Os alemães ficam muito felizes e,
tempos depois, vão batizar seus modelos 356 com o apropriado nome Carrera.
Na categoria Stock Special, ganha um Chevrolet, seguido por dois Ford.
1954- A quinta e última Carrera. A última edição foi ganha por Umberto
Maglioli com Ferrari, seguido por Hill também com Ferrari e Hermann com
Porsche.
A Carrera não vai mais acontecer pois em suas edições muitos morreram e
outros ficaram feridos. Além disso, em junho de 1955, há o pavoroso acidente
em Le Mans (que vocês também podem procurar usando a ferramenta de busca do
site). Como a Carrera Panamericana acontecia no final do ano, pressões
desencorajam as autoridades mexicanas e a corrida chega ao fim.
Atualmente é disputada em forma de Rally/desfile de carros clássicos mas
fica marcada como uma das mais espetaculares corridas de todos os tempos em
estradas.
Alexandre Zamikhowsky Filho |