Um GP, muitas histórias

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Em meio a tudo o que parece digno de ser comentado nesta mais recente edição do tradicional GP Brasil de Fórmula 1, o tema central surge quase como que obrigatório: pela primeira vez, em 48 corridas (duas das quais não oficiais) disputadas na Terra de Santa Cruz, não tivemos um piloto conterrâneo alinhando no grid de largada. Um cenário novo, que lança algumas perguntas cujas respostas devem ditar nosso futuro na categoria, se é que teremos um.

Passei boa parte do tempo em frente à tevê de olho nas arquibancadas, numa tentativa de avaliar como foi a procura por ingressos por parte do público. A pergunta aqui é: há interesse popular suficiente para justificar e sustentar a presença da categoria? E, na busca por essa resposta, as informações parecem confirmar a lógica. Sim, há.

Bom, é evidente que a casa não estava lotada, e havia espaços relativamente vazios. Mas ainda assim a ocupação foi decente, dado o preço dos ingressos para a realidade do brasileiro médio. A organização divulgou que 150.307 pessoas foram à pista nos três dias de atividades, o que representa a segunda maior procura ao longo de uma década na qual jamais tivemos um brasileiro em condições de vencer. Essa constatação, por sinal, sugere que o público flutuante – aquele que torce por um esportista, ou que simplesmente gosta de “vencer”, sem necessariamente amar o esporte – já havia abandonado o barco há tempos. Restam os torcedores apaixonados, os que têm dinheiro de sobra e curtem a adrenalina, os torcedores de países próximos (afinal, esta é a única corrida na América do Sul), e os VIPs de sempre. Ou seja, já se consolidou uma cultura em torno do evento, e dá para contar com um público cativo, desde que os valores não subam demais de um ano para outro.

Numa análise mais distanciada o maior risco para Interlagos parece ser a falta de disposição para investimentos mais substanciais em sua estrutura, cada vez mais datada. Se o traçado ainda é garantia de corridas interessantes – ainda que, a meu ver, terreno tão abençoado pudesse ter sido melhor aproveitado – o fato é que em termos de instalações o templo paulistano já representa um ponto anacrônico no calendário anual. Existe uma tensão sensível a esse respeito, que vem sendo tratada há anos de maneira paliativa. E dificilmente a abordagem será muito diferente, num contexto em que tantos interesses diversos têm se manifestado abertamente contra a própria continuidade da pista, ao menos em sua condição atual.

Enfim, é evidente que vivemos tempos sombrios para os amantes brasileiros do esporte a motor, nos quais interesses infiltrados já farejaram o sangue na água. Ainda assim, quem quiser justificar a continuidade da pista e da corrida não deixará de ter bons argumentos em mãos nem tão cedo.

Os treinos revelaram uma combinação entre carros e pista sensivelmente mais rápida do que em qualquer edição anterior da prova. Mercedes e Ferrari dividiram as duas primeiras filas com grande proximidade entre os conjuntos, virando na casa de 1min07s baixo – um tempo impensável apenas dois anos atrás. Da mesma forma, sem chuva, posições asseguradas ou intervenções do carro de segurança, a edição 2018 do GP entra para a história como a mais rápida de todas. Ao fim, Lewis Hamilton precisou de apenas 1h27min09s066 para cumprir as 71 voltas da prova a uma impressionante velocidade média de 211,41km/h. Para dimensionar melhor, seu tempo médio de volta, mesmo com largada e troca de pneus, foi de 1min13s367. Três segundos mais rápido, por exemplo, que a incrível pole de Senna em 1991.

E esses números poderiam ser ainda um pouco melhores, não fosse pela bizarra ocorrência que acabou atrasando Max Verstappen quando o holandês tinha a prova sob controle e abria vantagem na liderança.

Após um primeiro stint excelente, no qual escalou o grid até a segunda posição e conseguiu extrair performance consistente dos pneus supermacios por 35 voltas, Max perdeu um segundo no pit stop e retornou à pista cerca de três segundos atrás de Hamilton, mas com grande vantagem em relação ao estado dos pneus. De forma previsível ele rapidamente alcançou e superou o inglês, tendo defendido uma única tentativa de troco ao fim da reta oposta, antes de começar a abrir distância.

A prova parecia definida até que Esteban Ocon, retardatário que aparecia apenas na 16ª posição, resolveu se tornar protagonista da pior maneira possível. Tendo dividido por fora, já de forma incompreensível, a primeira perna do S do Senna com o líder Verstappen, Ocon misteriosamente permaneceu ao lado da Red Bull na abordagem da segunda perna, sempre atacada de forma agressiva dada a importância de se carregar o máximo de velocidade para a Reta Oposta. Max obviamente poderia ter deixado mais espaço, mas naturalmente não imaginou que um retardatário pudesse se portar dessa forma, causando prejuízo tão insensato e infrutífero ao líder da prova.

A batida resultante não apenas comprometeu de imediato os novos pneus do holandês, como também causou danos sensíveis ao assoalho de seu carro. Ainda assim Max foi capaz de se manter à frente de Kimi Räikkönen e Daniel Ricciardo, que vinham logo atrás, e também de se aproximar lentamente do líder Hamilton, que fecharia a prova menos de dois segundos à sua frente. O episódio entra, desde já, para o rol das corridas definidas por dinâmicas controversas envolvendo líder e retardatários, como aconteceu no próprio Interlagos em 1990, por exemplo.

E também noutra ocasião que dialoga diretamente com o que vimos em 2018.

Em 2001 o jovem Juan Pablo Montoya liderava em Interlagos após uma ultrapassagem maiúscula sobre a Ferrari de Michael Schumacher e seguia rumo àquela que seria sua primeira vitória da Fórmula 1, fazendo apenas sua terceira corrida na categoria, até ter problemas no momento de dobrar um retardatário.

Um piloto da Arrows abriu passagem na reta oposta, mas não queria perder muito tempo e manteve-se em velocidade quase normal. O resultado foi que a ultrapassagem só se concretizou em cima do ponto de frenagem, e quando o retardatário retornou à linha de fora estava muito próximo da Williams, e sem pressão aerodinâmica para acompanhar sua força de frenagem. De forma quase inevitável o retardatário atropelou o líder, mudando a história da corrida.

Seu nome era Verstappen. Jos Verstappen.

Pois é, o mundo dá voltas.

De forma previsível, a frustração de Max se manifestou após a corrida.

Durante a pesagem ele partiu para cima de Ocon, o empurrando fortemente por três vezes. Câmeras captaram o momento, rendendo um vídeo que rapidamente viralizou na internet e rendeu nova onda de debates apaixonados.

Como resultado da peleja os dois foram convocados à uma reunião com os comissários, na qual foi decidido que Verstappen terá que passar por dois dias de serviço comunitário a ser designado pela FIA nos próximos seis meses. A argumentação, basicamente, era de que esportistas nesse nível devem ter conduta exemplar para quem neles se inspira. A nota afirma que “Apesar de simpáticos à justificativa de Verstappen, os comissários determinaram que agir apropriadamente, e como modelo a todos os pilotos de todos os níveis, está entre as obrigações de ser um esportista neste nível. E foi constatado que Verstappen falhou a este respeito.”

Ainda cabe recurso por parte da Red Bull.

Em meio a tudo isso, Interlagos mais uma vez favoreceu a realização de uma corrida interessante, a qual Hamilton venceu de forma muito parecida com o que Vettel havia feito no Bahrein, neste mesmo ano. Ou seja: assumindo riscos para cumprir um stint muito mais longo do que o ideal, diante da certeza de perder a liderança na eventualidade de buscar borracha nova.

O inglês, portanto, também teve seus méritos na construção do resultado que rendeu à Mercedes seu quinto título de construtores consecutivo, nesta que já é a segunda hegemonia mais longa na história da categoria, perdendo apenas para a Ferrari, que venceu seis vezes seguidas entre 1999 e 2004.

Para Hamilton os números também são impressionantes, uma vez que ele chegou à incrível média de dez vitórias por temporada desde 2014.

Uma palavrinhas para Charles Leclerc.

Sua atuação ao fim da Q2, quando a pista estava molhada, a equipe o chamou aos boxes, e ele tomou a iniciativa de partir para uma volta “banzai”, logrando um lugar na parte final da classificação, foi um dos grandes momentos do ano. Automobilismo raiz, ganhou o respeito e a simpatia de todos.

Da mesma forma, na corrida seu desempenho foi bastante consistente, tirando tudo do equipamento que tinha em mãos. O esporte ainda respira.

E os leitores, o que pensam disso tudo?

O acidente entre Max e Ocon, a reação após a prova, a punição, os números de Hamilton…

Opiniões são sempre bem-vindas e enriquecedoras.

Forte abraço a todos, e tenham uma ótima semana.

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

3 Comments

  1. Fernando Marques disse:

    MArcio,

    devido a compromissos não pude assistir a corrida.
    Com relação ao incidente entre Ocon e Verstappen, penso que o Ocon errou mas penso que o Verstappen provou de seu próprio veneno, pois nem sempre usa de esportividade quando é ultrapassado e várias vezes já disse que se for preciso jogo seu adversário para fora da pista para não ser ultrapassado … resumindo tomou um troco bem doído … sinceramente para quem age como ele age nas pistas não tem de reclamar de nada e se fosse o Ocon devolvia na hora a agressão … Verstappen não é santo …
    quanto a vitória do Hamilton, devido a sua superioridade nos treinos, pensei que fosse ter uma vitória mais tranquila mas não foi assim e ele tem que agradecer ao Ocon.
    Em todo caso tivemos mais um belo GP do Brasil. Interlagos é sempre Interlagos. E torço para que nunca deixemos de poder ter um GP de Formula 1 aqui no Brasil …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  2. Rubergil Jr disse:

    Acho que a punição ao Ocon foi até branda. Ele foi muito irresponsável. Claro que o Max podia ter deixado ele passar, mas convenhamos, para quê? Em no máximo 2-3 voltas ele iria voltar a retomar a volta no Ocon… E Esteban já não é um menino, já tem 2 temporadas completas no lombo, e sempre acha um jeito de se enroscar também com seu companheiro de equipe. Perez e Verstappen irão agradecer aos céus pela ausência do francês no ano que vem.

    Quanto ao resto, uma palavrinha apenas: já que você citou o GP de 1991, se eu voltasse ao tempo, fosse àquela corrida e bradasse aos quatro cantos que dali a 27 anos (nossa quanto tempo passou!) McLaren e Williams disputariam as últimas posições da corrida, certamente dariam risada da minha cara…

  3. Fernando de Carvalho disse:

    Boa tarde

    Vendo o vídeo penso que o Max não deixou espaço e tinha tudo a perder ao contrário do Ocon. Hamilton também disse ao Max que ele tinha tudo a perder, então… O Ocon pode ter sido imprudente? Sim pode, porém o Max não pensou, não quis deixar passar e deu no que deu.

    Abraços

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