1968, o ano que terminou… em abril

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1968 é um ano muito marcante, talvez o mais importante do século XX. E na Fórmula 1 também foi assim.

Enquanto você estourava champanhe*, pulava sete ondas, comia lentilhas, guardava caroços de romã na carteira, ouvia a mesma história daquele tio pelo oitavo Reveillon seguido ou curava as bolhas ganhas na São Silvestre, a Fórmula 1 registrava quarenta anos da última vitória de Jim Clark, em Kyalami, tornando-se o escocês o maior vencedor da Fórmula 1 até então, com 25 vitórias, superando Juan Manuel Fangio. A informação pode soar estranha – corrida de Fórmula 1 no dia 1º de janeiro?

Sim, e a estranheza tende a aumentar quando se descobre que a segunda corrida daquele campeonato de 1968 só aconteceria mais de quatro meses depois. Outros tempos, sem o foco da Fórmula 1 ajustado no binômio negócios-espetáculo que passou a nortear os eventos esportivos nos últimos anos. A lógica era simples: escapar o quando fosse possível do inverno. Assim, era natural ter uma corrida na África do Sul em janeiro, em pleno verão no hemisfério sul, e só retomar o calendário na primavera européia.

Clark venceu a prova de abertura em 1º de janeiro. Quando a Fórmula 1 desembarcou na Europa, para o GP da Espanha, em 12 de maio, o então líder do campeonato e bicampeão da categoria (1963 e 1965) estava morto. Em 7 de abril daquele ano, Clark perderia a vida em uma etapa do Campeonato Europeu de Fórmula 2, em Hockenheim, na Alemanha. Outro aspecto que, à luz de quarenta anos passados, pode parecer sem sentido. Clark correndo de Fórmula 2 em 1968 seria o mesmo que Fernando Alonso disputando uma prova da GP2 atual. Mais ou menos.

Naquele tempo, era comum ter pilotos da Fórmula 1 disputando provas da Fórmula 2. Desta mesma corrida em Hockenheim, participaram, por exemplo, pilotos do quilate de Graham Hill, companheiro de Clark na Lotus, e também campeão do mundo, e Chris Amon. Não havia nada de extraordinário, portanto, nesse cruzamento de pilotos e categorias. Além do mais, a Fórmula 1 vivia seu longo período de hibernação.

Clark perdeu o controle de seu carro na sétima volta, entrou por um trecho da floresta e bateu de lado, violentamente, em uma árvore, na altura do cockpit, morte instantânea. A vitória do escocês na prova de abertura era um prenúncio da alta competitividade do Lotus 49, o modelo criado por Colin Chapman para aquela temporada. Ao lado de Clark, no pódio, aparecia seu companheiro Graham Hill logo na segunda posição.

httpv://youtu.be/bGq06rfj5dE

Após a morte de Clark, Hill venceu as duas corridas seguintes, depois amargou uma sucessão de quebras em quatro provas consecutivas, voltando ao pódio mais três vezes na segunda metade do campeonato. Foi campeão com doze pontos de vantagem sobre Jackie Stewart. É claro que a chance de Clark ter vencido esse campeonato seria enorme. Era um piloto de 32 anos, no auge da forma, com um carro vencedor, gozando de prestígio e, mais do que isso, de amizade junto ao dono da equipe.

O ano da morte de Jim Clark, 1968, é considerado um marco da história contemporânea. Tendo morrido em abril, Clark ainda teve tempo de ouvir falar de algumas notícias que mudariam para sempre a face da política e da cultura mundial naquele ano: os primeiros protestos nos EUA contra a guerra do Vietnã, a viagem dos Beatles à Índia, onde se aproximaram da cultura oriental, o assassinato do líder Martin Luther King, três dias antes do acidente fatal com o escocês.

Mas Clark não viu, por exemplo, os estudantes franceses protestando contra o governo reacionário de Charles de Gaulle no famoso maio de 68, não soube do assassinato do senador Robert Kennedy, nem viu os tanques soviéticos invadindo a Tchecoslováquia depois da frustrada “Primavera de Praga”, nem o protesto anti-racista dos Panteras Negras durante os Jogos Olímpicos, no México. Tudo em 1968.

Isso para não mencionar fatos marcantes da história brasileira, que certamente não chegariam aos ouvidos de Clark, como a ação do movimento estudantil, o advento da Tropicália e o endurecimento da ditadura militar, culminando com o decreto do Ato Institucional número 5, o tristemente célebre AI-5.

O ano de 1968, cujos fatos chegam agora a seu 40º aniversário, significou um momento de rupturas múltiplas. Na ordem política, se por um lado a chamada sociedade civil começava a se mobilizar contra regimes autoritários, por outro, vários países viram recrudescer sistemas anti-democráticos. No âmbito social, floresceram como nunca antes os movimentos feministas, anti-racistas, a luta pela liberdade sexual.

E, ainda, no campo cultural, multiplicou-se o experimentalismo, a liberdade criativa, a utilização da arte como forma de protesto e engajamento sócio-político. Muito do que se plantou em 1968 continuou dando frutos nos anos seguintes, modificando drasticamente a política, os costumes, a vida no final do século 20. Por essa perenidade e prevalência nos tempos que se seguiram, 1968 foi chamado, pelo escritor Zuenir Ventura, em seu livro lançado em 1987, de “o ano que não terminou”.

Na Fórmula 1, não foi bem assim. A morte de Clark foi um golpe severo para a categoria, ainda que tenha acontecido em um período no qual, afinal de contas, morrer nas pistas não era um evento raro. Clark era uma das principais estrelas da Fórmula 1 naquele tempo, e galgava célere os degraus rumo ao posto de maior piloto da história.

Seu número de vitórias, 25 em 72 GPs disputados, coloca-o ainda hoje em sexto lugar entre os maiores vencedores da Fórmula 1, 40 anos após sua morte. Há quem diga que Clark abandonaria as pistas no final daquele ano, para se casar. Difícil imaginar que, com um terceiro título no currículo, e com a Lotus em seus melhores dias, o escocês abriria mão de tentar ser o maior de todos os tempos. Especular sobre os anos seguintes é temerário, mas não há grande chance de errar sobre o título de 1968.

Clark e Hill na mesma equipe, adversários históricos. Hill foi vice-campeão nas temporadas que consagraram Clark (1963 e 1965), roubou-lhe o título de 1962 e a vitória nas 500 Milhas de Indianápolis de 1966. À frente da concorrência, a Lotus dominaria amplamente aquele campeonato de 1968, com a promessa de uma disputa acirrada pelo título entre seus dois pilotos. Sobrou só Hill.

Aquela árvore, naquela pista alemã, naquela tarde de abril, na sétima volta encerrou o ano precocemente para a Fórmula 1. 1968 terminou ali.

*Coluna publicada originalmente em 16 de janeiro de 2008

Alessandra Alves
Alessandra Alves
Editora da LetraDelta e comentarista na Rádio Bandeirantes desde 2008. Acompanha automobilismo desde 83, embalada pelo bi de Piquet e pelo título de Senna na F3.

1 Comments

  1. Marcio disse:

    Sempre considerei Clark um dos maiores fenômenos que apareceram na F1 e na minha opinião está tranquilamente entre os TOP 5 da categoria apesar de só ter 2 Títulos.Por que? Por causa dos seus resultados, pela forma como foram obtidos, por causa de contra quem ele correu e pela sua versatilidade. Vejamos em 72 largadas conseguiu 25 vitorias,33 poles, 27 melhores voltas, 2039 voltas na liderança, 32 podiuns ,7 vitorias em uma só temporada. Se estes números em valores absolutos já impressionam, quando dividimos pelo nº de largadas, ai ficamos mais admirados ainda.O recorde de vitorias só seria batido .pelo Stewart em 73 e os demais por Prost e Senna nos anos 80 e inicio de 90s. E vejam que estas temporadas tinham de 8-11 Gp´s e em algumas o vencedor só recebia oito pontos. Prost, Senna e Schumacher pegaram temporadas com 9 e 10 pontos para o vencedor e com nº bem maior de Gp´s
    Começou a correr em 1960 e enfrentou os seguintes campeões: Phil Hill ,Graham Hill,Jonh Surtees, Jack brabham , Denny Hulme, e os futuros Jackie Stewart e Jochen Rindt além de feras como Dan Gurney e Bruce Mclaren.Venceu 1 vez em Indianapolis
    liderando 190 das 200 voltas e foi 2º duas vezes sendo que em uma delas foi prejudicado pelos americanos. Venceu Foyt naquele oval curto de Milwakee. Foi 3º uma
    vez em Le Mans. Correu de carros turismo com inúmeras vitorias na Europa, Chegou a correr na Nascar. Ganhou campeonato sacrificando o GP de Mônaco. para correr em Indianapolis. Ia correr na Indy 500 em 68 pilotando o Lotus 56 Turbina , com formato em cunha que inspirou o desenho do 72 e da 56 B Turbina de F1 mas foi colhido pela morte. Concordo com Alessandra , que ele era o favorito para 68 pois juntava seu imenso talento com o carro dominante. Uma Pequena correção:0 49 estreou em 67 no meio do ano com pole (Hill) e vitória (Clark). Venceu 4 gp´s naquele ano iniciando a hegemonia do motor Cosworth DFV, que só seria quebrada por Lauda em 75 . O carro de 68 é o 49 B com mais 20 HP e algumas modificações de chassi.Foi com uma das versões do 49 que Fittipadi estreou na F1 em 70.

    Abraços,

    Marcio

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